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Estado de Minas

Relatório da ONU indica desigualdade na alimentação dos brasileiros

Grande parte da população não tem renda para bancar um cardápio variado de nutrientes


postado em 17/09/2014 11:47

Maria do Socorro e os filhos Emily e Abner: salário só dá para comprar carnes, frutas e verduras por 10 dias(foto: Carlos Moura/CB DA Press)
Maria do Socorro e os filhos Emily e Abner: salário só dá para comprar carnes, frutas e verduras por 10 dias (foto: Carlos Moura/CB DA Press)


Sentada sobre a cama que também serve de mesa para os filhos, a costureira Maria do Socorro do Nascimento conta que há sete anos tenta ser aprovada no cadastro do Programa Bolsa Família. O marido, Sidney do Nascimento, 34 anos, trabalha como instrutor de autoescola, o que garante à família R$ 2 mil mensais, faixa além da permitida pela iniciativa social. Na pequena casa de dois cômodos, na Estrutural, Socorro explica que a renda não é suficiente para manter uma alimentação nutritiva para os filhos Emily Rebeca e Abner, de 7 e 3 anos, durante o mês. “Meu marido recebe dia 20. Até o dia 29 a gente consegue comprar carnes, macarrão, arroz, frutas, verduras, legumes, gelatina, leite, pães. Depois é um aperto, começa a faltar comida, e a gente faz como pode… Parte para o cafezinho com biscoito”, diz, constrangida, a mulher de 31 anos. “Quando eu era pequena, era tão pobre lá na Paraíba que só comia jerimum, de café da manhã, almoço e janta. Eu não quero essa miséria para os meus filhos”, compara.

Apesar das limitações no cardápio, a situação de Socorro ilustra o avanço do Brasil no combate à fome. Relatório publicado ontem pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) mostra que o país conseguiu eliminar a subnutrição como um problema estrutural. Embora ainda afete 3,4 milhões de brasileiros, correspondente a 1,7% da população — pela metodologia da FAO, um índice abaixo dos 5% indica uma sociedade livre da fome. Em 1990, a taxa brasileira era de 14,4%. Em outra pesquisa, também divulgada ontem, a FAO revelou que um em cada nove habitantes do planeta ainda sofre diariamente com a fome — ou 805 milhões de pessoas. A América Latina foi a região que mais reduziu a subnutrição, passando de 14,4%, em 1990, para 5%.

A fome ainda persiste no cotidiano de comunidades isoladas ou marginalizadas, como índios, quilombolas e moradores de rua. Anne Kepple, consultora da FAO, ressalta a integração de políticas públicas promovidas pelo Estado para combater a desnutrição. “Não foi um sistema importado ou recomendado por um consultor da FAO. Foi um sistema construído por brasileiros. O Brasil mostrou o que pode acontecer quando o combate à fome vira prioridade”, elogiou.

 

Entre as medidas citadas no relatório como decisivas para a erradicação da desnutrição, estão o aumento da renda dos mais pobres, com a geração de empregos formais e a valorização do salário mínimo, além do programa Bolsa Família. Também foi destacado o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). “O combate à fome, que era uma coisa envergonhada, veio para cima da mesa, para o centro da política”, ressalta a ministra de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello. “Esse é o dia para nós dizermos: nós conseguimos”, comemorou a presidente Dilma Rousseff. “Com o programa de alimentação escolar, nós alimentamos 42 milhões de crianças, duas vezes ao dia, o que equivale à população da Argentina”, comparou a petista, em tom de campanha. “Existem pessoas que são tão pobres que acham que não merecem os programas sociais. É preciso buscar essas pessoas.”

Pouco auxílio
A realidade enfrentada por Kellen Izaura Pires, 29 anos, expõe a fragilidade do índice alcançado pelo Brasil. Os R$ 100 que recebe do Bolsa Família não são suficientes para manter Rafael, de 7 anos. A sobrevivência do menino só é garantida porque ele faz as refeições na escola, onde estuda em turno integral. Kellen cuida do filho sozinha e explica que depois da regularização das domésticas ficou cada vez mais difícil encontrar um emprego fixo. Ela reclama do valor recebido no programa. “Não sei por que não há um reajuste! E se você vai lá reclamar, é mal-atendido e tratado com ignorância”, queixa-se. Na semana passada, o Tribunal de Contas da União aprovou um relatório que dá razão à reclamação de Kellen. Segundo a Corte, os valores do Bolsa Família podem estar distorcidos. Os ministros apontaram a ausência de reajuste compatível com a inflação.

Marcelo Medeiros, professor de sociologia da Universidade de Brasília, não vê os resultados divulgados ontem com surpresa, mas sim parte de uma agenda que já deveria ter sido superada. “Em 1940, quando Josué de Castro (brasileiro  que presidiu a FAO) escreveu a Geografia de Fome, a desnutrição era um problema estrutural e prioridade na sociedade brasileira. Nos anos 1990, ela já estava a caminho de se tornar residual. O problema, então, era a pobreza extrema. Depois de 2010, o grande problema que o Brasil enfrenta é a desigualdade. Esse é o desafio para as próximas décadas”, explica.

O sociólogo ressalta que, depois de 2011, a desigualdade parou de cair e que a integração de novas políticas públicas precisa ser posta em prática para que o país conquiste avanços em justiça social. “Aquilo que serve para combater a desnutrição é insuficiente para a pobreza, e o que é bom para o combate da pobreza é insuficiente para a desigualdade.” Outro problema enxergado pelo professor é que mexer no “topo da pirâmide” exige muito mais empenho político. “Ninguém é contra um programa para salvar as pessoas da morte pela fome, mas a questão da desigualdade, certamente, enfrenta uma resistência muito maior.”


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