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Estado de Minas

Idosos tentam superar o medo para denunciar agressões dentro de casa


postado em 04/04/2011 06:32 / atualizado em 04/04/2011 08:22

Sempre associado à velhice, o medo da morte, para Paulo* e Vanda*, nada tem a ver com o passar do tempo. Aos 66 anos, um a mais que a mulher, o senhor bem vestido, nariz marcado pelos óculos de grau e cabelos cuidadosamente pintados, revela, depois de um longo suspiro, que teme ser assassinado pelo próprio filho. Viciado em cocaína, álcool e, por fim, crack, o homem já gritou, empurrou, socou e apontou uma faca para os pais. "Agora, ele está dizendo que vai comprar uma arma para estourar meus miolos", conta Paulo. Sem forças físicas para se defender do filho, de 45 anos, nem suporte psicológico para aguentar as agressões, o pai apelou à Justiça. Conseguiu, dois anos atrás, uma determinação judicial obrigando o governo local a custear a internação compulsória do agressor para desintoxicação. Até agora nada foi resolvido, apesar da insistência de Paulo junto às autoridades.

"Toda vida ouvi dizer que decisão judicial não se discute, se cumpre. Pelo jeito isso só serve para o cidadão, não para o governo", lamenta Paulo, visivelmente abalado. O problema enfrentado por ele, segundo a promotora Sandra Julião, é um dos mais frequentes e também mais complicados casos de violência contra o idoso que chegam, todos os dias, ao Ministério Público do DF. "Não existe solução, porque o Estado se exime da tarefa de oferecer atendimento de saúde. E as vítimas, por outro lado, não querem ver seus filhos ou netos na rua", afirma Sandra. "Embora ocorra com pessoas de todas as faixas etárias, a violência praticada por parentes que fazem uso de álcool e drogas se torna mais dramática quando o agredido é um idoso, em função da fragilidade por causa da idade."

O fenômeno das agressões contra os idosos foi destrinchado pelo doutor em sociologia Vicente Faleiros, que produziu o maior estudo do gênero no país com base em 61.930 denúncias formalmente registradas em todas as capitais do país no período de um ano. Os dados brasileiros se assemelham às estatísticas dos outros países, indicando que cerca de 54% dos agressores são filhos ou filhas. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) também investigou, por meio de entrevista, e não por ocorrência documentada, o problema, projetando quase 120 mil agressões sofridas por idosos anualmente – cerca de 10 mil por mês. "Não temos dúvida da existência da violência. Os registros são apenas a ponta do iceberg, porque denunciar é muito difícil. Há uma espécie de conluio do silêncio. A família silencia e o próprio idoso tem vergonha de denunciar, achando que vai perder o tênue afeto que tem com o filho, além do medo de represálias", explica Faleiros.

Ameaças

Para Edna*, a barreira do silêncio foi rompida na delegacia. A senhora de 75 anos não suporta mais as ameaças da nora, atualmente em processo de separação do único filho dela, que se recusa a deixar o local onde moram. "Tenho escritura mostrando que a casa é minha, eu comprei. Mas ela diz que a casa é dela, que se eu não sair por bem vou ter que sair no caixão", conta, angustiada, a baiana, que chegou a Brasília há 33 anos e criou o filho lavando roupa para fora. Além dos próprios problemas de saúde, Edna cuida da mãe, de 95 anos, que fica agitada ao ver o clima de discórdia dentro de casa. "Tenho que ficar quietinha, não falar nada, com medo de ser agredida. Mas é muito difícil. Tenho medo que ela me mate", confidencia, num tom mais baixo. Todos os entrevistados tiveram de sair das próprias casas, onde convivem com seus agressores, para encontrar a reportagem. A tensão é companhia constante desses idosos.


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