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Estado de Minas CHECAMOS

Não há evidências científicas de que misturar limão com Coca-Cola resulta na formação de benzeno

Estudo analisa produção de benzeno em bebidas que contêm o conservante benzoato de sódio a partir de uma reação que pode acontecer com a presença de vitamina C


22/02/2023 14:13 - atualizado 23/02/2023 08:46

Vídeos virais citam um artigo científico para alegar que a adição de limão à Coca-Cola resulta na produção de benzeno, considerado um dos maiores problemas químicos para a saúde.

No entanto, o artigo não foca na mistura de frutas cítricas com refrigerantes. O estudo analisa a produção de benzeno em bebidas que contêm o conservante benzoato de sódio a partir de uma reação que pode acontecer com a presença de vitamina C, mas que depende da ação de catalisadores. A conclusão do próprio artigo é que a presença de vitamina C e benzoato de sódio não resulta necessariamente na formação de benzeno.

'No rótulo da Coca-Cola está escrito que ele tem um conservante chamado benzoato de cálcio. [...] Benzoato de cálcio jamais pode entrar em contato com a vitamina C e é isso o que acontece quando você coloca o limãozinho dentro da Coca-Cola. Esse benzoato juntamente com a vitamina C vai fazer alguma alteração química e vai se transformar em uma outra substância chamada benzeno. O benzeno, por sua vez, é altamente tóxico, ele é altamente carcinogênico', ouve-se em um vídeo com milhares de compartilhamentos no Instagram, no Facebook, no LinkedIn e no TikTok.

A mesma alegação circula em outro vídeo que, assim como o anterior, usa como referência um artigo intitulado 'Estudo da Formação de Benzeno em Bebidas Contendo o Conservante Benzoato de Sódio'. Essa análise foi publicada em 2014 por pesquisadoras do Centro de Pós-Graduação da Faculdade Oswaldo Cruz.
Captura de tela feita em 13 de fevereiro de 2023 de uma publicação no Facebook
Captura de tela feita em 13 de fevereiro de 2023 de uma publicação no Facebook ( .)

Os vídeos virais, no entanto, confundem os aditivos alimentares benzoato de cálcio e benzoato de sódio. Na página 484 de um documento elaborado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária é explicado que ambos os conservantes são usados em bebidas não alcoólicas gaseificadas, porém o estudo citado concentra-se no benzoato de sódio.

Além disso, ao contrário do que alegam as publicações, o estudo não foca na mistura entre frutas cítricas e refrigerantes, mas analisa uma série de condições que poderiam levar à formação de benzeno em bebidas industrializadas.

O que diz o estudo?


O artigo cita uma reação que pode ser gerada a partir do ácido ascórbico (vitamina C) e do ácido benzoico, do qual se derivam sais como o benzoato de sódio. Porém essa reação depende também de catalisadores e da concentração de vitamina C.

Segundo o artigo, metais de transição 'podem catalisar a redução de um elétron de O2 por ácido ascórbico'. Essa reação pode gerar radicais livres, conhecidos como radicais hidroxila.

O artigo cita um estudo realizado pela Agência de Medicamentos e Alimentos dos Estados Unidos (FDA) em 1990 que mostrou que o radical hidroxila 'pode atacar o ácido benzoico, removendo o dióxido de carbono para produzir benzeno em condições prevalentes em muitos alimentos e bebidas'.

Ainda segundo o estudo, a produção de benzeno é favorecida pela concentração de vitamina C, mas 'diminui quando a concentração de ácido ascórbico passa a ser superior à de ácido benzoico'. A conclusão é que a presença de vitamina C e de sais benzoato 'não indica necessariamente a presença de benzeno nos produtos'.

O texto afirma também que a produção de benzeno em bebidas depende de fatores como temperatura elevada e/ou exposição à luz UV.

O AFP Checamos procurou as autoras do estudo e questionou se o limão ou qualquer fruta cítrica poderia levar à formação de benzeno em refrigerantes. Uma delas, a professora Alice Chasin, disse não ter resposta para essa pergunta.

O que dizem os especialistas?


O Conselho Federal de Química publicou um vídeo desmentindo a alegação de que misturar Coca-Cola com limão resulte em benzeno. Na sequência, Raquel Lima, presidente do Conselho Regional de Química da Paraíba, explica que o que acontece é a formação do ácido benzoico. Porém, esse ácido não se reduz diretamente em benzeno, mas sim em álcool benzílico. Além disso, o nosso corpo não oferece as condições necessárias para que aconteça essa redução.

A doutora em Química María Celeste Dalfovo, da Argentina, concorda que não é possível formar benzeno apenas a partir da mistura.

'O ponto é que para ocorrer essa reação é preciso ter certas condições. [...] Adicionar limão à Coca-Cola não resultará na formação de benzeno porque é preciso ter exposição a altas temperaturas ou à luz por um tempo. Não é uma reação instantânea.'

Stefany Kancev, formada em Engenharia Química pela Universidade de Carabobo, avalia que reação só ocorreria se a mistura fosse exposta a uma temperatura acima de 120 graus centígrados. 'Alta temperatura é o que pode causar a produção de benzeno, porque o ácido benzóico seria degradado em suas partes. [...] Mas refrigerantes ou bebidas industrializadas normalmente não esquentam a essas temperaturas'.

Procurada pelo AFP Checamos, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reforçou que não há evidências científicas que corroborem a alegação viral.

'Sobre a formação de benzeno em bebidas gaseificadas que contenham o aditivo benzoato e venham a ser adicionadas de limão no momento do consumo, esta é uma especulação sem a sustentação científica necessária.'

Benzeno em refrigerantes


Em 2009, a Anvisa emitiu um alerta sobre a presença de benzeno em bebidas acima do limite recomendado. A agência solicitou aos fabricantes a alteração das fórmulas, especialmente em bebidas sabor laranja.

Na época, um estudo da ProTeste Associação de Consumidores encontrou benzeno em sete das 24 bebidas avaliadas. Porém, apenas a Fanta laranja light e a Sukita Zero tinham concentração de benzeno acima do limite permitido. A associação apontou que o benzeno encontrado seria resultado de uma reação entre os ácidos benzoico e a vitamina C.

Em 2011, a Coca-Cola, a Ambev e a Schincariol firmaram um termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público Federal se comprometendo a reduzir a quantidade de benzeno nas bebidas em cinco microgramas por litro.

Ao AFP Checamos, a Anvisa explicou que a adição de benzeno em refrigerantes não é permitida, mas que a água é uma 'eventual fonte de contaminação'. Dessa forma, o limite adotado é o mesmo da água.

'No Brasil as águas para consumo humano não devem conter benzeno em quantidade superior a 5 mcg/L, que é o limite estabelecido pelo Ministério da Saúde para a água destinada ao consumo humano. Este limite é mais restritivo do que o preconizado pela OMS, de 10 mcg/L.'

Em seu site, a Coca-Cola nega que a adição de limão resulte em benzeno e explica que a bebida foi formulada para diminuir a produção de benzeno e 'garantir que sua quantidade esteja sempre abaixo de 5 mcg/l'.

A Anvisa também disse ao AFP Checamos que não recebeu denúncias recentes relacionadas à contaminação de refrigerantes ou outras bebidas pelo benzeno.

A substância também foi identificada em bebidas pela FDA em 1990. Na época, os produtos passaram por uma reformulação para eliminar ou reduzir o benzeno. Atualmente, entre 200 refrigerantes e bebidas testadas pela agência, somente nove continham benzeno acima do limite.


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