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Estado de Minas CHECAMOS

Estatuto do PT não obriga filiados em cargos de confiança a participarem de rachadinha

O assunto voltou a ser comentado nas redes sociais depois que o UOL publicou uma série de reportagens sobre rachadinhas


07/07/2021 20:16 - atualizado 07/07/2021 20:24


 

Captura de tela feita em 5 de julho de 2021 de uma publicação no Twitter
Captura de tela feita em 5 de julho de 2021 de uma publicação no Twitter
Circulam nas redes sociais publicações que alegam que o Partido dos Trabalhadores (PT) estabelece a prática da “rachadinha” em seu estatuto. As postagens, compartilhadas mais de 1.000 vezes, voltaram a circular no dia 5 de julho de 2021, após o UOL publicar reportagens divulgando áudios que supostamente ligariam o presidente Jair Bolsonaro a um esquema de corrupção, quando ainda era deputado federal. Em junho de 2020, haviam circulado postagens com conteúdo semelhante. A afirmação, porém, é falsa. O estatuto do PT e de outros partidos políticos prevê o chamado “dízimo partidário” para filiados ocupantes de cargos públicos de livre nomeação, chamados de “cargos de confiança”. A prática é permitida pela Lei dos Partidos Políticos, e não se confunde com a “rachadinha”, que é ilegal.


“Ao pessoal do PT que ta reclamando de rachadinha não esqueçam que no ESTATUTO DO PT tem rachadinha como OBRIGAÇÃO PARA O FILIADO AO PARTIDO”, diz uma das legendas no Twitter (1, 2, 3). A alegação também circula no Facebook (1, 2, 3).

Publicações afirmando que o PT previa a “rachadinha” em seu estatuto já haviam circulado no Twitter (1, 2) e no Facebook (1, 2) em junho de 2020. O assunto voltou a ser comentado nas redes sociais depois que o UOL publicou uma série de reportagens na qual divulgou áudios que apontam uma suposta participação de Bolsonaro em um esquema de “rachadinha” durante o seu período como deputado federal (de 1991 a 2018). 

Dízimo partidário


O estatuto do PT determina em seu artigo 184 que “filiados e filiadas ocupantes de cargos comissionados, eletivos, dirigentes partidários ou parlamentares deverão efetuar uma contribuição mensal ao Partido, correspondente a um percentual do total líquido da respectiva remuneração mensal, conforme tabela a que se refere o artigo 187 deste Estatuto”. A determinação é reiterada no artigo 186, que trata especificamente de “filiados e filiadas ocupantes de cargos de confiança, assessores dos detentores de mandatos executivos, mesas legislativas e lideranças de Bancadas, que não sejam funcionários públicos efetivos”.

Ainda no artigo 184, no parágrafo 3º,  o documento estabelece que o parlamentar filiado ao partido é o responsável por arrecadar a contribuição com os filiados que ocuparem outros cargos de confiança em seus gabinetes, o que foi interpretado por usuários do Twitter e do Facebook como um esquema de “rachadinha”

Entretanto, a prática prevista no estatuto do PT é conhecida como “dízimo partidário” e permitida pela Lei nº 9.096, de 1995, mais conhecida como Lei dos Partidos Políticos. Apesar de em seu artigo 31, no inciso V, a normativa proibir que o partido receba contribuição financeira de pessoas que “exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário”, ela faz um esclarecimento ao final sobre aqueles que sejam filiados ao partido: “ressalvados os filiados a partido político”.  Essa permissão foi implementada pela Lei nº 13.488, conhecida como “minirreforma eleitoral de 2017”

Cobrar, então, contribuição financeira para os filiados que exerçam cargos públicos de confiança é permitido expressamente pela legislação brasileira.

Além do PT, partidos como o MDB (art 101, §4º), PTB (art. 99-B), PSOL (art. 83), PROS (art. 42, III e §2) e PRTB (art. 68, III) estabelecem o mesmo tipo de contribuição em seus estatutos.

De acordo com Silvana Batini (1, 2), professora de direito da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro (FGV Rio) e procuradora regional da República, ouvida pelo AFP Checamos, o dízimo partidário e a “rachadinha” possuem naturezas diferentes:

“A ´rachadinha´ pressupõe que o serviço público jamais vai ser prestado, aquele servidor é um servidor de araque, um servidor de mentira. (...) O dízimo partidário tem a ver com: o partido ocupa aqueles espaços, e aí então vai nomear filiados ou simpatizantes com a contrapartida de que aquele simpatizante vai contribuir para o partido.”

A discussão em relação ao dízimo partidário, segundo a professora, não é jurídica, e sim ética, já que não se trata de uma prática ilícita. “Do ponto de vista jurídico, já temos decisões de que não há uma tipificação legal. A discussão nessa questão é muito mais no plano ético e no plano dos princípios da administração pública.”

A implicação ética decorre, ela afirma, do fato de que “teoricamente, você tem que preencher esses cargos com pessoas que vão exercer essas funções a bem não dos partidos políticos que as nomearam, mas a bem do interesse público. Desde que o serviço seja prestado e que não haja um locupletamento ilícito por parte de alguém, alguém se enriquecendo sem prestar o devido serviço, então não se entende como crime. Embora haja, sim, uma discussão no plano ético.”

“Rachadinha”

O esquema conhecido como “rachadinha” ocorre, normalmente, quando um parlamentar nomeia funcionários fantasmas – que não exercem as funções – para ocuparem cargos de confiança em seu gabinete. Em contrapartida, o parlamentar recebe parte do salário de volta, o que varia conforme o tipo de acordo.

Batini afirma que o esquema da “rachadinha” é “visto no direito penal como peculato, há várias decisões do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido”. O peculato, por sua vez, “é um crime previsto no artigo 312 do Código Penal, que é o funcionário público desviar ou apropriar-se de valor, de um bem público, de que tem a posse em razão do cargo”, acrescentou.

Há também casos em que, ao invés de um funcionário fantasma, há um servidor público que exerce, de fato, suas funções, mas repassa parte do seu salário ao parlamentar que o nomeou. Essa mudança na configuração do esquema pode alterar o tipo de crime no qual ele será enquadrado, podendo ser caracterizado como os crimes de concussão, corrupção passiva ou improbidade administrativa.

“Então, o parlamentar, ele tem acesso àquele dinheiro, porque ele pode dispor daquela verba nomeando um funcionário, e acaba se apropriando, desviando o valor do salário em seu próprio favor. O que define esse crime é justamente o dolo, é a intenção, já que no momento de nomear esse servidor a intenção é de, na verdade, se locupletar, se enriquecer, se favorecer com o salário, usar a contratação como forma de se beneficiar”, explicou a professora.


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