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Estado de Minas IMUNIZAÇÃO

Por que vacinas não são vitória apenas do setor privado, como disse Paulo Guedes

Ministro elogiou o que chamou de 'resposta do setor privado' à pandemia


29/04/2021 20:00 - atualizado 29/04/2021 22:26


Vacina desenvolvida pela Pfizer/BioNTech recebeu milhões do governo alemão(foto: Getty Images)
Vacina desenvolvida pela Pfizer/BioNTech recebeu milhões do governo alemão (foto: Getty Images)

O ministro da Economia, Paulo Guedes, atribuiu a resposta em tempo recorde das vacinas contra covid-19 aos esforços empreendidos pelo setor privado em meio à pandemia.

 

 

A afirmação veio no contexto de mais uma declaração atrapalhada de Guedes, que disse em reunião do Conselho de Saúde Suplementar nesta terça (27/04) que a China teria "inventado" o vírus, enquanto defendia a eficiência da indústria dos Estados Unidos.

 

"O chinês inventou o vírus, e a vacina dele é menos efetiva do que a americana. O americano tem 100 anos de investimento em pesquisa. Então, os caras falam: 'Qual é o vírus? É esse? Tá bom, decodifica'. Tá aqui a vacina da Pfizer. É melhor do que as outras", declarou, sem saber que o encontro estava sendo transmitido pela internet. Após a reunião, o vídeo foi retirado do ar.

 

Posteriormente, ao se desculpar por ter usado o que chamou de "imagem infeliz" para se referir à China, o ministro disse que sua intenção com a fala foi "dar a importância do setor privado, como ele consegue dar a resposta".

 

A vacina "da Pfizer", elogiada pelo ministro, recebeu um vultoso investimento do governo alemão, por meio da BioNTech, parceira da farmacêutica americana.


Sem saber que estava sendo gravado, Guedes afirmou que China teria 'inventado' o coronavírus, enquanto defendia a eficiência da indústria dos Estados Unidos(foto: Adriano Machado/Reuters)
Sem saber que estava sendo gravado, Guedes afirmou que China teria 'inventado' o coronavírus, enquanto defendia a eficiência da indústria dos Estados Unidos (foto: Adriano Machado/Reuters)

O mecanismo de funcionamento da vacina, aliás, não foi criado nos Estados Unidos. A tecnologia baseada no RNA mensageiro foi desenvolvida pela BioNTech, companhia fundada por uma casal de cientistas alemães de origem turca.

Em setembro do ano passado, a farmacêutica recebeu 375 milhões de euros (aproximadamente R$ 2,4 bilhões) do Ministério Federal da Educação e Pesquisa para aplicar na pesquisa do imunizante.

 

O caso não é isolado.

 

A farmacêutica Moderna, que também desenvolveu uma vacina contra a covid-19 baseada na tecnologia de RNAm, tem um contrato de mais de um bilhão de dólares com a Biomedical Advanced Research and Development Authority (BARDA), uma divisão do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos.

 

Conforme um comunicado divulgado neste mês pela empresa americana, o valor dos repasses para financiar licenciamento, estudos clínicos e aceleração da produção foi recentemente aumentado em US$ 235 milhões, levando o total à cifra de US$ 1,25 bilhão (cerca de R$ 6,7 bilhões).

 

A pesquisa também recebeu apoio de uma série de entidades públicas, entre elas o National Institute of Allergy and Infectious Diseases e o National Center for Advancing Translational Sciences, que são parte do National Institute of Health (NIH, o Instituto Nacional de Saúde), uma agência do Departamento de Saúde.

Essas e outras entidades estão listadas no relatório preliminar sobre o imunizante, publicado no periódico científico The New England Journal of Medicine.

O mesmo texto cita também a cantora Dolly Parton, ícone da música country americana, que foi uma entre muitos que doaram para a iniciativa. Ela contribuiu financeiramente para a pesquisa conduzida pelo centro médico da Universidade de Vanderbilt, que fez parte dos esforços no desenvolvimento da vacina.

A Biomedical Advanced Research and Development Authority (BARDA) também colocou dinheiro na pesquisa da vacina da Johnson&Johnson, a Janssen. Em um comunicado de março do ano passado, a empresa anunciou a parceria com a entidade pública, afirmando que ambas investiriam, juntas, US$ 1 bilhão na pesquisa.

 

A vacina da anglo-sueca AstraZeneca, por sua vez, foi largamente financiada com recursos públicos ou de entidades filantrópicas. Um estudo aponta que 97% do financiamento veio dessas fontes, conforme levantamento feito pela organização Universities Allied for Essential Medicines UK e publicado em versão ainda não revisada por pares no último dia 15.

 

A pesquisa foi uma reação a uma declaração dada em março pelo primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, que atribuiu o sucesso da vacina da farmacêutica ao "capitalismo" e à "ganância".


Estudo apontou que 97% dos recursos que financiaram desenvolvimento da vacina Oxford/AstraZeneca veio do setor público e entidades filantrópicas(foto: Getty Images)
Estudo apontou que 97% dos recursos que financiaram desenvolvimento da vacina Oxford/AstraZeneca veio do setor público e entidades filantrópicas (foto: Getty Images)

Na onda de reações negativas à fala do premiê, especialistas também lembraram que a pesquisa em si para o desenvolvimento do imunizante foi conduzida pelos cientistas da Universidade de Oxford, uma instituição pública.

 

Em um relatório recente, o Conselho Estratégico para Indústria do Reino Unido aponta que o envolvimento do setor público foi fundamental para acelerar o desenvolvimento do imunizante.

 

Para o economista Caetano Penna, pesquisador sênior no Centre for Global Challenges na Universidade de Utrecht, na Holanda, e professor licenciado UFRJ, a declaração de Guedes exprime um "preconceito que é prejudicial ao próprio desenvolvimento da Medicina".

 

 

"Estabelece uma oposição falsa entre o setor privado e o Estado, como se um fosse mais responsável pelas conquistas que o outro. O que se precisa [no contexto da inovação] é de parceria, de sinergia entre duas esferas, entre a estatal e a privada", pontua o especialista em política científica e tecnológica.

"O que a gente vê quando analisa o financiamento à saúde é que há um papel fortíssimo do Estado na liderança dos investimentos. E não estamos falando aqui de China ou Rússia, mas de países como os Estados Unidos", completa.

A rede de laboratórios públicos do National Institute of Health (NIH), ele destaca, recebe bilhões de dólares anualmente.

 

Desde o ano 2000, o orçamento do instituto nunca foi inferior a US$ 30 bilhões, tendo chegado a US$ 41,7 bilhões no ano passado, conforme os dados disponíveis.

 

De forma geral, cerca de 10% dos recursos vão para os laboratórios do próprio NIH, e o restante é usado para financiar pesquisas em mais de 2,5 mil universidades, escolas de Medicina e centros de excelência.

 

Além de dar apoio financeiro e institucional ao setor privado no desenvolvimento das inovações no setor de saúde, o setor público também tem dado contribuição importante no âmbito da ciência aplicada, ressalta Penna.

 

Tem-se a impressão errada de que o financiamento público está majoritariamente restrito à ciência básica - a chamada ciência "pura", que faz novas descobertas e que demanda um investimento considerado mais arriscado.

"Com a revolução da biotecnologia, os laboratórios públicos fazem hoje todas as etapas de pesquisa", diz o economista.

 

Um estudo de 2011 publicado no New England Journal of Medicine que analisava o papel da pesquisa conduzida pelo setor público na descoberta de novos medicamentos e imunizantes nos Estados Unidos chama atenção para o papel central no desenvolvimento de vacinas.

 

"Praticamente todas as vacinas importantes e inovadoras introduzidas nos últimos 25 anos foram criadas por instituições de pesquisa públicas [PSRI na sigla em inglês, referente a public-sector research institutions]", diz o texto.

No Brasil, as chances de o país ter uma vacina própria contra a covid-19 vêm de instituições públicas de pesquisa, entre elas Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e Instituto Butantã, que têm tido papel central no combate à pandemia.


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