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Estado de Minas

'O que vejo em humanos confinados é parecido a papagaios enjaulados arrancando as próprias penas', diz cientista

"Há um sofrimento muito verdadeiro, muito profundo, dos animais sociais que são privados de estímulos sociais e de movimento", diz chilena Isabel Behncke, que estuda as raízes da natureza humana e de outros animais de comportamento similar


26/07/2020 11:18 - atualizado 26/07/2020 12:04


(foto: Getty Images/BBC)
(foto: Getty Images/BBC)

Nosso comportamento em confinamento social não difere muito do de outros animais sociais quando colocados em cativeiro: estar isolado tem um efeito profundo na nossa saúde física e mental. Por isso a importância em encontrarmos maneiras de brincar, jogar e rir no cotidiano em quarentena.

Os ensinamentos são da cientista chilena Isabel Behncke, que de diferentes formas se dedica a estudar as raízes da natureza humana e de animais sociais. Ela estudou Biologia em Santiago, Zoologia em Londres e fez pós-graduações em conservação biológica e antropologia evolutiva, também no Reino Unido.

Para seu doutorado em primatologia na Universidade de Oxford, passou três anos na selva da República Democrática do Congo estudando os bonobos, que, ao lado de chimpanzés, são nossos parentes evolutivos vivos mais próximos. Na quarentena, ela se dedica a escrever um livro sobre a experiência.

Seus estudos nos ajudam a entender por que somos como somos - e os efeitos que a quarentena imposta pela pandemia exercem sobre nós, como indivíduos e como espécie. E por que sentimos tanta falta de atividades triviais, como almoçar com colegas de trabalho ou passear?

Precisamos do ar livre

"Passei muitos anos seguindo primatas em seu habitat natural, por exemplo os bonobos no Congo. Mas também estudei muitos animais em cativeiro, como os próprios bonobos, chimpanzés e papagaios", conta ela à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.

"Então conheço a diferença de sociabilidade de animais sociais inteligentes quando estão enjaulados versus quando estão em liberdade. Esse é o grande experimento que estamos vivendo agora. Somos animais inteligentes em cativeiro. E várias coisas foram mostradas."


(foto: Getty Images/BBC)
(foto: Getty Images/BBC)

Antes de tudo, explica Behncke, como mamíferos e como primatas, nos constituímos em movimento e ao ar livre. "Ter que estar fechados em poucos metros quadrados sem movimento físico e sem estar ao sol é muito, muito difícil."

"Acho que, para alguns de nós, (...) a pandemia nos lembrou de que somos parte, e não à parte da natureza, e que ser um animal da mesma espécie é uma força muito democrática, porque o vírus ataca a todos", opina.

Animais enjaulados têm comportamentos repetitivos

Mas existe também uma questão relacionada ao nosso comportamento social.

"Somos primatas sociais e estarmos isolados tem um efeito profundo em nossa saúde física e mental. Quando observamos os animais enjaulados, sejam cetáceos (baleias e golfinhos), cavalos, elefantes, papagaios, primatas ou grandes predadores, o que vemos são os chamados comportamentos repetitivos, como se coçar até provocar lesões ou dar voltas nas jaulas", explica.

"E talvez você se pergunte: como identifico o que é um comportamento repetitivo causado pelo estresse, versus movimentos que possam ter outras causas? Em geral não variam muito e não têm uma função."

"Então, quando vejo como começamos a fazer scroll nas redes sociais, sem interagir, simplesmente de maneira passiva, repetitiva, o que observo são humanos em cativeiro. Não é muito diferente dos papagaios enjaulados, que começam a arrancar as (próprias) penas."


Isabel Behncke estudou o comportamento de bonobos, nossos parentes evolutivos(foto: Gentileza Isabel Behncke)
Isabel Behncke estudou o comportamento de bonobos, nossos parentes evolutivos (foto: Gentileza Isabel Behncke)

Para Behncke, "há um sofrimento muito verdadeiro, muito profundo, dos animais sociais que são privados de estímulos sociais e de movimento".

Além disso, a especialista explica que nossa sociedade, assim como a de chimpanzés, bonobos e elefantes, tem um componente altamente complexo, chamado pelos cientistas de fissão-fusão.

"Você acorda de manhã e interage com seu núcleo familiar. Daí sai e interage com um grupo de trabalho. Na hora do almoço, interage com outro subgrupo e à tarde se reúne com amigos. No fundo, você tem uma comunidade maior e daí você se fissiona, se separa em pequenos grupos, que se separam e se voltam a juntar", explica a pesquisadora.

"Agora não estamos podendo exercitar essa sociabilidade de fissão-fusão, natural para os seres humanos. E as pessoas enclausuradas com seu grupo familiar e com outras pessoas também estão sofrendo, porque há mais conflito nessas relações."

Não é diferente de o que ela observava em bonobos em cativeiro.

"Eles são famosos por serem símios muito tolerantes, não praticam homicídios ou infanticídios, previnem e resolvem conflitos por meio de brincadeiras e do sexo. São chamados de os 'hippies da floresta'. Em cativeiro, quando chegava a comida, por exemplo, aumentava o estresse e, assim, aumentava o sexo. Mas, na natureza, havia muito menos sexo. Depois percebi que era porque se podia exercitar a fissão-fusão, diminuindo os conflitos ao se separar em subgrupos."

"Como somos humanos, achamos que tudo se soluciona conversando, mas há mecanismos ainda mais antigos, mais animais, de dissipação de conflitos, como ir embora. É como quando você briga com seu irmão durante o almoço de família, mas, quando volta na semana seguinte, isso já não importa tanto. O estar enjaulado não permite fazer isso, e o estresse é muito forte."

Brincar e festejar


(foto: Getty Images/BBC)
(foto: Getty Images/BBC)

A chilena explica que jogos, atividades e brincadeiras são um exercício antigo e universal praticado por seres imaturos (ou seja, as crias) de mamíferos e pássaros. Mas tem efeito crucial na população em geral, principalmente em tempos de quarentena - desde montar quebra-cabeças e dar risada até cozinhar algo por prazer são atividades que trazem grandes benefícios.

"Isso é muito importante para a saúde física e mental, para a resiliência e para a criatividade", explica Behncke.

"Mas a brincadeira é uma conduta sensível ao medo. Quando aumenta o estresse, aumenta a resposta fisiológica, que por sua vez tende a diminuir e suprimir o jogo. Por isso, temos que prestar atenção à frequência com a qual estamos dando risada, se na pandemia podemos encontrar maneiras de rir todos os dias, falar por videochamada com alguém que te divirta, ler literatura, ver comédias."

É preciso fazer o que for necessário, diz ela, "para manter a brincadeira na vida, sobretudo em tempos nos quais é mais difícil fazê-lo, por medo ou incerteza".

"Mas há outro ponto. Diferentemente de outros animais, nós humanos desenvolvemos rituais sociais, como ir a shows, missa, sair para dançar ou a bares. Os rituais coletivos são muito importantes porque sincronizam os grupos: eu me movo contigo, rio contigo, canto contigo e forjo um laço contigo. Pense nos gritos (das torcidas) de futebol no estádio."

"Tudo isso está desaparecido com o vírus, e é um experimento impressionante. Não só não temos os rituais coletivos, como estamos vivendo um trauma coletivo. Por isso acho que vamos precisar voltar a restaurantes e pubs, ao estádio, a shows e a dançar nas festas."


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