"Estava em estado de choque. Senti o cheiro da morte. Encontrei muita gente ferida ou morta. Foi como o Apocalipse", disse o paramédico Mohammed Sleiman de Zamalka, no leste de Guta, relembrando o dia em que perdeu cinco familiares.
Em 21 de agosto, as forças do regime de Bashar al-Assad atacaram o leste de Guta e Muadamiyat al Sham, áreas controladas por rebeldes fora da capital.
A oposição acusou o regime de utilizar gases tóxicos no ataque, que deixou 1.400 mortos, incluindo 400 crianças, uma ação que o Governo negou.
No domingo (20), sobreviventes e ativistas se reuniram em vários locais no norte e noroeste da Síria, controlados pela oposição, para relembrar o aniversário. Em Afrin, as vítimas que sobreviveram compartilharam suas histórias enquanto crianças faziam uma pequena apresentação recriando o ocorrido.
"Não estamos organizando este evento para lembrar o massacre (...) Estamos lembrando ao mundo... de seu fracasso em apoiar a justiça e os direitos. Continuaremos a insistir na necessidade de que Bashar al-Assad seja responsabilizado", disse Mohammed Dahleh, um sobrevivente de Zamalka que ajudou a organizar o evento em Afrin.
- Trauma -
A guerra civil síria eclodiu em 2011, depois que uma repressão do governo a protestos pacíficos se transformou em um conflito mortal que atraiu potências estrangeiras e jihadistas globais.
Desde então, a guerra já deixou mais de 500 mil mortos e forçou metade da população a fugir do país.
Sleiman conta que encontrou seus familiares em um hospital.
"Encontrei meu pai e todos os vizinhos, todos com números, sem nomes. Lembro que o meu pai era o número 95. Identifiquei os corpos das pessoas que conhecia", relembrou.
Mais tarde, o paramédico de 40 anos soube que seu outro irmão, cunhada e dois sobrinhos também foram mortos no ataque.
"Cavamos uma vala comum para centenas de pessoas e as enterramos próximas umas das outras. Quando conto a história, consigo vê-la na minha frente como se fosse agora", lembrou, acrescentando que estava recebendo ajuda psicológica para lidar com o trauma.
Em 2013, ativistas publicaram no YouTube dezenas de vídeos que supostamente mostravam os efeitos do ataque, incluindo imagens de dezenas de corpos, crianças inconscientes, pessoas espumando pela boca e médicos aparentemente dando-lhes oxigênio para ajudá-los a respirar.
As cenas geraram repulsa e condenação em todo o mundo, com um relatório subsequente da ONU afirmando que havia evidências claras de que o gás sarin havia sido utilizado.
Apesar de insistir que o uso de armas químicas era uma zona nebulosa, o então presidente dos EUA, Barack Obama, absteve-se de retaliações, e, em vez disso, chegou a um acordo com a Rússia sobre o desmantelamento do arsenal químico da Síria sob a supervisão da ONU.
O regime de Bashar al-Assad concordou em se juntar à Organização Mundial para a Proibição de Armas Químicas (Opaq) em 2013 e a renunciar a todas as suas armas químicas. Desde então, a Opaq culpou o regime por uma série de ataques químicos durante a guerra civil síria e, em 2021, suspendeu os direitos de voto do país após ataques com gás venenoso contra civis em 2017.
AFRÎN