"Foi como um juízo final", lembrou Tigani, de 53 anos, radicado em Makaylab, 400 km ao norte da capital Cartum.
"Não víamos chuvas e enchentes como estas há anos na região", afirmou enquanto procurava algo para construir um abrigo para a esposa grávida e o filho.
Chuvas fortes costumam cair entre maio e outubro no Sudão, que todos os anos enfrenta enchentes que devastam a agricultura e construções. Este ano, as inundações mataram pelo menos 79 pessoas e deixaram milhares sem casa, segundo números oficiais.
O país declarou estado de emergência no domingo devido a enchentes em seis estados, incluindo onde passa o Rio Nilo, que banha Makaylab.
A tragédia coincide com uma grande instabilidade política e uma séria crise econômica no Sudão, agravadas pelo golpe militar de 2021 liderado por Abdel Fatah al Burhan. Quase 25% da população sudanesa, de 11,7 milhões de pessoas, necessita de ajuda alimentar.
Segundo o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários(OCHA, sigla em inglês), mais de 146 mil pessoas foram afetadas este ano pelas enchentes e 31.5000 casas foram destruídas ou danificadas.
A ONU adverte que com mais de um mês de chuvas pela frente, até 46 mil pessoas podem ser afetadas este ano, acima da média anual de 388.600 pessoas entre 2017 e 2021.
"Comparado com o mesmo período de 2021, o número de pessoas e localidades afetadas duplicou este ano", afirmou a OCHA na segunda-feira(22).
A região oeste de Darfur, envolvida em uma guerra, é a mais atingida pelas inundações, com mais de 90 mil afetados.
- O início -
Desde o começo da temporada de chuvas, milhares de famílias perderam suas casas.
"Tudo está destruído", comentou Haidar Abdelrahman, sentado nas ruínas de sua casa em Makaylab.
O OCHA adverte que "a cheia de rios e poços de água parada aumentam o risco de doenças como cólera, diarreia e malária".
Abdelrahman teme que as águas tenham mobilizado serpentes e escorpiões. "As pessoas estão com medo", disse.
"As pessoas precisam muito de ajuda básica contra insetos e mosquitos", afirmou Seifeddine Soliman, de 62 anos, em Makaylab.
O funcionário do ministério da Saúde, Yasser Hashem, garantiu que a situação está "até agora sob controle" graças às campanhas de dedetização.
O vizinho Sudão do Sul também sofreu chuvas recordes e transbordamento de rios que levaram milhares de pessoas a sair de casa. A ONU indicou que as "inundações extraordinárias" estão relacionadas à mudança climática.
O Sudão foi tomado por enchentes apesar da polêmica construção de uma represa hidrelétrica no Nilo Azul, na Etiópia.
Alguns especialistas, como o grupo americano International Rivers, advertiram que as alterações de padrões meteorológicos devido à mudança climática podem provocar enchentes com frequência, além de seca na bacia do Nilo, um dos maiores rios do mundo.
Em Makaylab, muitos temem que as devastadoras inundações sejam apenas o começo.
"A temporada de chuvas apenas começou e as pessoas já não têm para onde ir", afirmou Abdelrahman.
MAKAYLAB