Os procuradores apresentaram um dossiê de 90 páginas anos de atrocidades cometidas por gerentes da Volkswagen e capatazes armados em uma fazenda de gado que a empresa tinha na Amazônia nas décadas de 1970 e 1980.
Na mais recente tentativa de fazer justiça pelos abusos cometidos durante a ditadura militar (1964-1985), o MPT ouviu representantes da Volkswagen em Brasília, a portas fechadas, sobre as supostas violações, incluindo tortura e assassinatos, na Fazenda Vale do Rio Cristalino, localizada no estado do Pará.
O procurador à frente do caso, Rafael Garcia, afirmou que a empresa, segunda maior fabricante de automóveis do mundo, se comprometeu a apresentar uma resposta por escrito na próxima audiência, em setembro.
"O Ministério Público do Trabalho permanece confiante e certo de que ao final do procedimento, teremos a adequada reparação pelas graves violações aos direitos humanos ocorridas na fazenda", disse.
A Volkswagen não respondeu até o momento a um pedido de comentário.
"Houve graves e sistemáticas violações aos direitos humanos, e a Volkswagen sim é responsável", declarou Garcia à AFP antes da reunião.
A audiência era um contato inicial para buscar um acordo sem precisar da abertura de um processo criminal.
A Volkswagen "reforça seu compromisso de contribuir com as investigações envolvendo direitos humanos de forma muito séria", disse anteriormente à AFP por e-mail uma porta-voz da empresa no Brasil.
Em 2020, o grupo concordou em pagar 36 milhões de reais por colaborar com o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) durante a ditadura para identificar supostos opositores de esquerda e líderes sindicais, que depois foram presos e torturados.
- Padre determinado -
O acordo chamou a atenção do padre Ricardo Rezende, que passou anos colhendo evidências de abusos na fazenda da Volkswagen, depois que se mudou para o Pará em 1977 e começou a ouvir histórias horríveis de vítimas.
Rezende se questionou se a empresa também poderia ser responsabilizada por esse caso, e decidiu compartilhar seu material com os procuradores, contou ele à AFP.
"Uma tortura sofrida não repara uma dívida. O sofrimento das mulheres e mães cujos filhos foram para a fazenda e não voltaram, essa dor não tem reparação", disse o padre, agora com 70 anos.
"Mas essa seria uma reparação simbólica. Eu acho que seria necessário", acrescentou.
O depoimento de centenas de páginas de Rezende e outros documentos convenceram o MPT a formar um grupo de trabalho, que passou três anos reunindo evidências, resultando no dossiê que será agora apresentado à Volkswagen.
Nele, vítimas relatam aos investigadores que foram atraídas para a propriedade de 70.000 hectares com falsas promessas de trabalhos lucrativos. Depois, eram forçados a derrubar a mata sob condições extenuantes para a criação de gado na fazenda, que chegou a ser a maior do Pará.
Os trabalhadores eram mantidos em "servidão por dívida" ao serem forçados a comprar alimentos e suprimentos na loja da fazenda a preços exorbitantes, explicaram os procuradores.
Aqueles que tentavam fugir eram espancados, amarrados a árvores e deixados ali durante dias por guardas armados que vigiavam a força de trabalho com violência.
Em um caso, três testemunhas contaram que um pistoleiro sequestrou e estuprou a esposa de um trabalhador como punição após ele tentar escapar.
"Acho gravíssimos os abusos que houve", declarou Rezende, que estima que centenas - talvez milhares - de pessoas foram essencialmente escravizadas entre 1974 e 1986.
- VW na floresta? -
Mas o que uma montadora de automóveis alemã estava fazendo criando gado na Amazônia brasileira?
A história é um exemplo de como o regime militar via a Amazônia e ajuda a explicar por quê a maior floresta tropical do mundo está ameaçada hoje.
Era uma época em que o Brasil estava buscando desenvolver com urgência as áreas da floresta, que os militares viam como atrasadas, colonos eram atraídos com promessas de riqueza e o slogan "terras sem homens para homens sem terras".
O governo atraía também empresas. A Volkswagen se beneficiou de isenções de impostos e empréstimos a juros negativos ao desmatar a floresta para criar uma fazenda, sem mencionar os estreitos laços com o regime, disse Rezende.
"De um lado, o Volkswagen adorava a ditadura. De outro lado, era um negócio altamente rentável. Ela podia ter 6.000 pessoas trabalhando quase de graça", comentou.
Segundo as autoridades, práticas como essa eram comuns na região amazônica, mesmo após o fim da ditadura militar.
Conseguir responsabilizar as empresas vai depender do levantamento de provas suficientes, observou Garcia.
VOLKSWAGEN
Publicidade
RIO DE JANEIRO
MPT está 'confiante' em reparação pela VW, acusada de escravização na ditadura
Publicidade
