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Estado de Minas GUERRA NA EUROPA

O conflito que Putin não esperava

Na véspera de completar um mês, invasão da Ucrânia expõe fragilidade das forças russas e incapacidade de tomar Kiev. Moscou não descarta arma nuclear


23/03/2022 04:00

Zelensky fala ao Parlamento italiano
Em fala ao Parlamento italiano, Zelensky pediu mais sanções contra a Rússia. Ao papa Francisco, fez apelo por mediação (foto: Remo Casilli/AFP)
 
 
A estratégia do presidente russo, Vladimir Putin, parecia bem definida. Em poucos dias, mais de 150 mil soldados de Moscou invadiriam a Ucrânia por todos os lados, asfixiariam Kiev, derrubariam o governo de Volodymyr Zelensky e assumiriam o comando da ex-república soviética. Desde os primeiros bombardeios, na noite de 24 de fevereiro, o Kremlin não contava com a resiliência das tropas ucranianas e com o espírito de combatividade dos civis, dispostos a pegar em armas e a fabricar coquetéis molotov. Na véspera de completar um mês, a guerra de Putin se transformou em um fiasco militar, com tanques e veículos de combate incendiados ficando pelo caminho.

Ontem, o Pentágono informou que o contingente russo na Ucrânia encolheu para abaixo de 90% de sua força original e reconheceu o impacto da resistência no front. “Estão perseguindo os russos, tirando-os de lugares onde já haviam estado previamente”, afirmou o porta-voz, John Kirby, ao citar reveses das forças de Moscou particularmente em Mykolaiv (Sul), uma espécie de escudo da cidade portuária de Odessa. O Departamento de Defesa norte-americano também anunciou que militares ucranianos tentam retomar território na cidade de Kherson, na mesma região.

Um contra-ataque ucraniano nos flancos norte e ocidental de Kiev teria sido bem-sucedido em impedir que os russos cercassem a capital, que tornou a adotar toque de recolher. Os soldados da Ucrânia fincaram a bandeira do país sobre um prédio da cidade de Makariv, 65 quilômetros a oeste de Kiev, antes em poder dos invasores.

“Creio em uma estimativa um pouco mais alta e que as baixas (mortos, feridos e deserções) russas possam chegar a um terço do contingente mobilizado para a guerra, ou cerca de 45 mil soldados”, explicou ao Estado de Minas o ucraniano Peter Zalmayev, diretor da Eurasia Democracy Initiative, uma organização não governamental baseada em Kiev e voltada à promoção da democracia e dos direitos humanos no Leste da Europa e no Cáucaso. “É um golpe muito significativo. Isso ajuda a explicar o fato de Moscou tentar intimidar os ucranianos com a versão de que dezenas de milhares de sírios, de combatentes do Hezbollah e de mercenários chechenos estariam a caminho da Ucrânia. Os russos estão desesperados, pois seu poderio de combate reduziu-se bastante.”

Olexiy Haran, professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla (Ucrânia), lembrou à reportagem que os soldados russos receberam alimentos suficientes para três dias. “A guerra não acabou e, agora, eles enfrentam imensas baixas em solo. Creio que a Rússia tentará iniciar uma nova ofensiva contra Kiev e talvez em Donetsk, a fim de obter alguma vitória no front, enquanto continua a negociar. É provável que Moscou intensifique os bombardeios a civis e de infraestrutura crítica”, comentou.

Em entrevista à CNN, Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, acusou a mídia ocidental de propagar desinformação e admitiu que Putin “ainda não alcançou seus objetivos” na Ucrânia. “Esta é uma operação séria, com propósitos sérios. As principais metas desta operação são acabar com o potencial militar da Ucrânia... É por isso que nossos soldados atingem apenas alvos militares... O Exército russo não ataca civis. Outra meta é assegurar que a Ucrânia deixe de ser um centro anti-Rússia e se torne um país neutro. (...) Queremos nos livrar dos batalhões nacionalistas, que fazem de civis escudos humanos”, afirmou. “Um terceiro objetivo visa certificar que a Ucrânia reconheça a Crimeia como parte indissolúvel da Rússia e o fato de que as Repúblicas Populares de Luhansk e Donetsk são Estados independentes.”

Doutrina

Peskov também disse que a Rússia somente usará armas nucleares em caso de “ameaça existencial”. “Temos uma doutrina de segurança interna, e ela é pública, você pode ler nela todas as razões para o uso de armas nucleares. Se for uma ameaça existencial ao nosso país, então podem ser usadas de acordo com nossa doutrina.” Por sua vez, Zelensky homenageou “os heróis que surgem de milhões de ucranianos comuns”, instou a população a se levantar contra os invasores e avisou: “Nós faremos com que eles (russos) se lembrem de que não são bem-vindos”.

Em fala ao Parlamento da Itália, Zelensky pediu aos parlamentares italianos a adoção de sanções mais contundentes contra os oligarcas russos que passam suas férias na Itália e advertiu sobre a escassez de alimentos e a crise migratória que a guerra pode deflagrar. Depois de conversar algumas horas antes com o papa Francisco para pedir sua mediação, Zelensky foi ovacionado durante seu discurso por videoconferência aos deputados e senadores do Parlamento italiano.

Para Olexiy Haran, o tempo está a favor da Ucrânia. “Os russos poderão usar armas químicas ou biológicas. Se Putin for louco o bastante, não descartaria a utilização de armas nucleares táticas. Seria o cenário mais desastroso.” O especialista não acredita que a Rússia conseguirá a independência da região de Donbass (Leste) ou da Península da Crimeia, anexada por Moscou em 2014. "É possível uma fórmula diplomática, a qual assegure que a Ucrânia não se associará à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). A escolha entre os cenários mais preocupantes e os mais otimistas depende do cenário militar e do impacto das sanções financeiras sobre a Rússia”, acrescentou.

Em Kiev, o cientista político Mykola Volkivskyi – ex-assessor do presidente do Parlamento (2014-2021) – experimentou a primeira emoção positiva desde o início da guerra. Na noite de ontem, ele e a família se reuniam para celebrar o 85º aniversário da avó. Ele relatou ao EM que os moradores costumam ficar em casa e somente saem para se deslocar até os abrigos antiaéreos. “Nós passamos muito tempo em estações de metrô profundas e em outros esconderijos. As forças inimigas foram esmagadas e cercadas no Norte. Nossas tropas quebraram as linhas de suprimento e de logística. As tropas russas estão lentamente gastando toda a munição. O inimigo será derrotado em solo, mas os ataques de aviões e helicópteros representam uma grande ameaça aos civis”, desabafou.
 
A ucraniana Svitlana Vodolaga
Svitlana Vodolaga, porta-voz do Serviço Civil da Ucrânia para Emergências (foto: Aris Messinis/AFP)
 
DEPOIMENTO

“Os russos matam inocentes”

“Todos os dias atendemos entre dois e cinco chamados de emergência após bombardeios russos. É chocante saber que os russos atacam bairros residenciais. Eles estão lutando contra a população civil. A Rússia é o agressor. O Exército de Putin está matando cidadãos inocentes, assassinando nossas mulheres, crianças e idosos. Está destruindo nossa infraestrutura e nossos lares.

Trabalho no Serviço Civil da Ucrânia para Emergências desde 1997. Desde o começo da guerra, em 24 de fevereiro, tenho trabalhado de forma ininterrupta e acompanhado os socorristas para documentar os crimes de guerra da Rússia. Também ajudo nossa equipe de psicólogos a tranquilizar as pessoas. Todos os dias, vamos apagar incêndios e registrar a devastação causada pelos bombardeios.

Nessa foto, tirada em 15 de março, consolo uma senhora chamada Svetlana Usenko. Ela estava muito amedrontada depois que um míssil caiu em um prédio vizinho de onde mora. Svetlana me disse que sentia medo e perguntou-me o que aconteceria depois. E ela apenas chorou. Eu respondi a ela apenas uma coisa: que nós sobreviveremos e que reconstruiremos o nosso país depois da vitória. Naquele dia, tivemos cinco chamados simultâneos relacionados a bombardeios em Kiev.”
  • Svitlana Vodolaga, Porta-voz do Serviço Civil da Ucrânia para Emergências


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