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Ghislaine Maxwell condenada: como testemunhas de acusação confirmaram tráfico sexual

Filha de 60 anos de um barão da mídia britânica, Maxwell foi considerada culpada em 5 das 6 acusações que recebeu, incluindo a mais grave, a de tráfico sexual de menores de idade para o abusador sexual Jeffrey Epstein. Isso significa que a socialite britânica poderia passar o resto de sua vida atrás das grades.


30/12/2021 07:57 - atualizado 30/12/2021 08:43


Ghislaine Maxwell
(foto: Reuters)

A primeira vez em que vi Ghislaine Maxwell, eu a segui pelas ruas de Nova York desde a porta de sua luxuosa casa fazendo perguntas sobre as terríveis acusações de crime sexual contra ela.

Quase uma década depois, eu a reencontrei talvez pela última vez num tribunal, onde ela não poderia mais fugir da verdade sobre sua vida com o bilionário Jeffrey Epstein condenado por abuso sexual, morto em 2019.

O caso contra a socialite Ghislaine Maxwell é uma das maiores condenações de uma mulher do alto escalão por gerenciar um círculo de tráfico sexual, incluindo menores de idade.

E o mais importante, é uma vitória retumbante de mais de 100 acusadoras que lutaram por mais de uma década para levar Epstein e seus comparsas a responderem formalmente sobre as acusações.

Após um mês de julgamento, um júri de 12 pessoas chegou ao veredicto depois de cinco dias de deliberação.

Filha de 60 anos de um barão da mídia britânica, Maxwell foi considerada culpada em 5 das 6 acusações que recebeu, incluindo a acusação mais grave, a de tráfico sexual de menores de idade para o abusador sexual Jeffrey Epstein.

Isso significa que a socialite britânica poderá passar o resto de sua vida atrás das grades. Mas a data para a sentença de Maxwell ainda não foi definida.

Pesadelo real

Houve diversos momentos impactantes dentro do tribunal lotado em Nova York, onde a acusação manteve o caso simples para evitar a sobrecarga dos jurados.

O objetivo era mostrar que Maxwell era a parceira de Epstein no crime, uma predadora sexual cujo modus operandi foi claramente ilustrado pela experiência de quatro vítimas.

A fala da acusação aos jurados começou com 13 palavras que pareciam o início de um livro infantil.

"Eu quero contar para vocês a história de uma jovem garota chamada Jane."

Mas para essas mulheres não havia nenhum conto de fadas. Elas descrevem cenas de um pesadelo bastante real. E quão real ele era ficou claro no dia seguinte, quando Jane chegou para depor.


Jeffrey Epstein e Ghislaine Maxwell sorriem para foto abraçados, em ambiente interno, aparentemente um evento social
Jeffrey Epstein e Ghislaine Maxwell em foto de 2005; segundo acusação, ela tinha papel de aliciar vítimas (foto: Getty Images)

Ela testemunhou que Maxwell e Epstein se aproximaram dela quando tinha 14 anos, durante um acampamento de artes nas férias, em 1994.

Nos dois anos seguintes, ela disse ter sido abusada semana sim, semana não por Epstein, às vezes com participação de Maxwell. O trecho abaixo foi um dos principais diálogos entre a vítima e a acusação:

Pergunta: Como foi o comportamento de Maxwell durante esses incidentes?

Resposta: Eu diria que parecia muito casual, como se fosse… Como se fosse muito normal, como se não fosse grande coisa.

Pergunta: E quando ela se comportou assim, como você se sentiu?

Resposta: Bem, isso me deixou confusa porque não parecia normal para mim. Eu nunca tinha visto ou sentido nada assim, e foi muito constrangedor. Você sabe, são todas essas emoções misturadas. Quando você tem 14 anos, não tem ideia do que está acontecendo.

As outras acusadoras deram testemunhos similares.

Um dos mais emocionantes e angustiantes foi dado por Carolyn, que testemunhou apenas sob seu primeiro nome.

Ela aparentava estar visivelmente destruída por anos de trauma e vício em analgésicos e cocaína. Carolyn foi estuprada por seu avô aos quatro anos, deixou a escola na sétima série e foi praticamente abandonada pela mãe, que era viciada em substâncias psicoativas.

Ela contou ao tribunal que foi uma das acusadoras mais conhecidas de Epstein, Virginia Roberts (hoje Virginia Giuffre), que disse a ela pela primeira vez, quando tinha 14 anos, que poderia ganhar dinheiro fazendo massagem em um amigo rico dela.

Carolyn conheceu Ghislaine Maxwell quando ela foi à mansão de Epstein em 2001. Maxwell, contou a vítima, disse a Virginia para levar a garota até o quarto de massagem e "mostrar a ela o que fazer". A acusação disse aos jurados que naquela época Maxwell havia montado um esquema de pirâmide de abusos em que ela não precisava mais pessoalmente achar mais garotas para Epstein.

Maxwell passou a premiar com mais dinheiro aquelas garotas vulneráveis que trouxessem outras para o esquema de abuso sexual.

Carolyn recebeu centenas de dólares para "massagear" Epstein em cada um dos mais de 100 encontros até que ela se tornou "velha demais para ele". Ela então levou três amigas para o círculo de Epstein. Carolyn disse aos jurados que Maxwell lhe afirmou que tinha "um ótimo corpo para Epstein e seus amigos" antes de tocar seus seios.

As adolescentes vítimas do esquema de Epstein e Maxwell geralmente vinham de famílias bastante desestruturadas, com casos de falência, abuso de substância e estupros.

E mesmo quando o histórico não era esse, Maxwell e Epstein as atraíam com amizade, presentes e promessas de ajudar suas carreiras e seus estudos. Aquele processo de aliciamento, afirmou a acusação, era peça-chave no manual de Maxwell.

Ela usava a desculpa das massagens para fazer com que as garotas tocassem Epstein e normalizassem o contato sexual. Segundo os acusadores, Maxwell levava as garotas para os quartos onde seriam molestadas e abusadas, e algumas vezes ela estava presente para "fazer tudo parecer normal e casual".

Defesa contesta vítimas

Outras duas vítimas que testemunharam no processo já tinham idade suficiente para consentir o ato sexual (segundo a lei de Nova York, a idade mínima é 17 anos, por exemplo), e por isso os jurados determinaram que os atos não foram ilegais.

Ainda assim, Kate (um pseudônimo) e Annie Farmer (que usou seu nome verdadeiro completo) ajudaram a consolidar o caso contra Maxwell ao descreverem o modus operandi de aliciamento de vítimas sexuais.

Enquanto Maxwell estava presa, seus familiares reclamaram do tratamento dado a ela na prisão, falando em práticas semelhantes à tortura.

Mas no tribunal ela estava extremamente ativa e animada em sua defesa, abraçando seus advogados e mandando beijos para familiares no local.

Maxwell analisou atentamente as provas apresentadas, encarava as testemunhas nos olhos e frequentemente escrevia bilhetes para seus advogados com comentários sobre as acusadoras.


Maxwell com Epstein em uma moto
Defesa de Maxwell alegava que ela não sabia dos abusos cometidos por Epstein (foto: Departamento de Justiça dos EUA)

Sua postura desafiadora pode ser resumida no momento em que a juíza Alison Nathan perguntou a ela se testemunharia em sua própria defesa. Em vez de responder à juíza com um simples sim ou não, ela se levantou e informou ao tribunal que "não havia necessidade" de fazê-lo porque a acusação não havia provado seu caso.

Os advogados de defesa, no entanto, estavam bem menos seguros. Eles convocaram apenas nove testemunhas em dois dias e reiteravam que Maxwell era apenas um bode expiatório.

Os promotores citaram registros bancários que mostram que ela recebeu US$ 30 milhões (cerca de R$ 170 milhões) de Epstein entre 1999 e 2007 como prova de que era motivada por dinheiro.

A estratégia da defesa se baseou fortemente em abrir buracos e contradições no processo movido pelos promotores, que arcam com o ônus de provar as alegações além de qualquer dúvida razoável.

Toda base do caso da promotoria (parte da acusação) repousava na credibilidade das quatro acusadoras, que descreveram terem sido abusadas por Epstein entre 1994 e 2004. É porque o testemunho delas foi tão convincente para os jurados que Ghislaine Maxwell foi condenada.

Especialistas jurídicos disseram que atacar as memórias e as motivações dessas mulheres não ajudou a acusada.

"Ghislaine Maxwell tinha a desvantagem de ter que explicar esse desfile de meninas que entravam e saíam de casa diariamente sob sua supervisão", disse Mark Epner, um ex-promotor, à BBC. "Ela alegou que não sabia de nada disso. E quando os jurados concluíram que ela era uma mentirosa, concluíram que ela era uma predadora."

Amigos famosos, e justiça sendo feita

Uma das únicas evidências físicas exibidas no tribunal foi uma cama de massagem dobrável verde, retirada de uma propriedade de Epstein em Palm Beach, em 2005 durante uma batida policial.

Foi uma tentativa da promotoria de quase recriar a cena dos crimes ali mesmo, no meio do tribunal. Um policial aposentado testemunhou que eles também recuperaram uma caixa de brinquedos sexuais.

Um disco rígido recuperado durante uma operação em separado do FBI na mansão de Epstein em Nova York continha e-mails enviados por Ghislaine Maxwell a um membro da equipe nos quais ela reclama que o gerente da casa, Juan Alessi, não arrumou os cremes de massagem de Epstein.


Ilustração do momento em que a cama de massagem foi exibida no tribunal
Ilustração do momento em que a cama de massagem foi exibida no tribunal (foto: Reuters)

Isso levou a polícia até Alessi, que forneceu alguns dos depoimentos de corroboração mais contundentes e proibidos para menores em todo o julgamento. Os repórteres que cobriam o caso tiveram que escrever rapidamente notas para acompanhar suas revelações surpreendentes sobre a família.

Ele disse ao tribunal que Epstein tinha três massagens por dia. Quando Alessi limpava o local após cada uma delas, ele colocava os brinquedos sexuais de volta onde eles pertenciam, em uma cesta no armário de Ghislaine Maxwell, fora do quarto principal que ela dividia com Epstein.

Alessi disse que Epstein ou Maxwell às vezes o orientavam a entrar em contato e buscar mulheres jovens para massagens.

Ele se lembra de ter visto duas meninas menores de idade que pareciam ter 14 ou 15 anos, Jane e Virginia Roberts.

As regras da casa, incluindo um manual de 59 páginas, disse Alessi, determinava aos funcionários que fossem surdos, mudos e cegos, e os proibiam de fazer contato visual com Epstein.

"Havia uma cultura de silêncio. Isso era intencional, o projeto da ré, porque atrás de portas fechadas, a ré e Epstein estavam cometendo crimes hediondos", disse a procuradora-assistente dos Estados Unidos, Lara Pomerantz.

As batidas policiais nas casas de Epstein também produziram fotos íntimas que mostram o estilo de vida luxuoso e a conexão próxima da dupla.

Em uma foto, o casal é visto relaxando na residência da rainha Elizabeth 2ª em Balmoral, quando o príncipe Andrew (filho da rainha e acusado por Virginia Giuffre de sexo forçado por três vezes, algo que ele nega) teria convidado o casal para a propriedade real escocesa.

Em outra, Ghislaine Maxwell está em um avião particular com Epstein, massageando seu pé e esfregando-o contra seu decote.

A incrível riqueza em exibição de propriedades opulentas em Palm Beach, Nova York e Novo México apenas destacou a vasta dinâmica de poder em jogo. A dupla usou a riqueza para atrair e fazer as meninas se sentirem em dívida com eles.

Várias testemunhas, incluindo as quatro mulheres, lembraram como a dupla listava os nomes de amigos importantes, como Bill Clinton, Donald Trump ou príncipe Andrew, e exibia fotos deles ao lado do Papa João Paulo 2º ou Fidel Castro em suas propriedades.

As acusadoras não apontaram qualquer irregularidade por parte de amigos famosos de Epstein e Maxwell.

O fato de essas conexões não terem evitado a justiça e a condenação de Maxwell e Epstein é um momento significativo para pessoas que muitas vezes se encontram no outro extremo da escala social.

"Este veredicto de condenação é imensamente significativo para as vítimas de abuso sexual em todos os lugares", disse Lisa Bloom, advogada de oito das vítimas de Epstein.

"Não importa quem você seja, não importa em que tipo de círculo você viaje, não importa quanto dinheiro você tenha, não importa quantos anos se passaram desde o abuso sexual. A justiça ainda é possível."

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