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Estado de Minas BAJO CHIQUITO

A perigosa travessia de Darién: 'Muita gente não chegou até aqui'


25/08/2021 19:58 - atualizado 25/08/2021 20:02

Ao chegar ao rio Tuquesa, a primeira coisa que Moise faz é mergulhar para que a água limpe seu corpo. Após caminhar cinco dias pela floresta de Darién, chegou à aldeia Bajo Chiquito no Panamá. Atrás dele, muitos outros migrantes também caminham rumo ao norte.

"A viagem foi muito difícil porque o caminho é longo. Há muitos mortos, gente que não chegou até aqui. Para mim, é a fé em Deus que nos ajuda", conta este haitiano de 29 anos.

Ele e seu grupo finalizam este último trecho a pé. Na noite anterior, enquanto ainda estavam na floresta, eles ficaram sujos de lama devido à chuva forte.

Outros migrantes, com crianças nos braços e um pouco de dinheiro, preferem embarcar em uma canoa comandada por moradores, que os deixa perto do pequeno porto da cidade.

Peter, de 29 anos, chega em uma dessas canoas. Sobe com dificuldade pelo cais, carregando seu filha de três anos, e se estabiliza com um último impulso.

"As coisas são assim. Você tem que fazer para buscar uma vida nova. A coisa está muito difícil para nós haitianos", contou este homem.

- Rumo aos Estados Unidos -

Cerca de 580 pessoas emergiram no último domingo (22) nas entranhas do tampão de Darién, 575.000 hectares de vegetação que separam a Colômbia do Panamá. Uma das rotas mais perigosas do mundo, segundo a Unicef.

No decorrer do ano, 64.000 migrantes já passaram por ali, 18.000 só em agosto, de acordo com o ministro de Segurança, Juan Pino. A maioria vem do Haiti.

Diante do fluxo infinito de migrantes, as autoridades colombianas e panamenhas estabeleceram cotas de 500 diários desde setembro.

Todos chegam em Bajo Chiquito, aldeia da etnia emberá, na província de Darién, extremo sul do Panamá, a primeira região habitada que encontram após vencerem a floresta.

Nenhum migrante planeja ficar ali por muito tempo. "Vou para os Estados Unidos. Esse é o meu destino, lá poderei realizar meus sonhos, ter um bom trabalho", confessa Moise. Ainda falta muito.

- "A peste" -

As caminhadas na floresta vão de seis da manhã às seis da tarde. Depois, eles dormem. Yadira Rosales, uma das poucas cubanas da multidão, viaja com seu marido José Alberto Reyes e sua filha Adelis, de 5 anos.

"Nós vimos cinco mortos (...). No caminho, havia alguns que estavam inchados e outros cobertos, não sei o porquê, mas dava para ver a silhueta da pessoa, além do cheiro", comenta.

Todos falam dos assaltos que sofrem por gangues organizadas, de assassinatos e de abusos sexuais. "Encontramos alguns [ladrões], mas estávamos em multidão. Roubaram nosso dinheiro e nos deixaram ir", detalha.

Na cidade há um posto do Ministério da Saúde que trabalha com Médicos Sem Fronteiras (MSF) e realiza cerca de 400 atendimentos diários.

"A maioria das lesões são traumáticas nos pés, devido aos longos dias de caminhada e à dificuldade do trajeto (...). Há lesões a nível gastrointestinal, picadas de insetos e casos de violência sexual que também temos atendido", explica a médica Sofía Vásquez, da MSF.

- A cidade -

Depois de se registrarem com Migrações e o Serviço Nacional de Fronteiras (Senafront), os peregrinos se surpreendem ao ver que não estão em um abrigo, mas em uma cidade onde tudo custa dinheiro.

Não tem energia elétrica nem internet. É uma cidade de pescadores e coletores que readaptou suas atividades econômicas para receber a visita da multidão.

A maioria se acomoda em uma quadra de basquete no centro da aldeia, cercada por comércios e venda de almoço a três dólares o prato, que nem todos podem pagar.

"Este ano, se aglomeraram um pouco e nos preparamos para recebê-los na comunidade. Instalamos comércios, venda de comida em diferentes lugares", disse Nelson, líder da comunidade.

Alguns canos foram abastecidos com água de tanques portáteis, exclusivamente para higiene.

Diante da necessidade dos haitianos de se conectarem com o exterior, os indígenas oferecem envio de mensagens de WhatsApp a 2 dólares, por meio de um celular que capta sinal em alguma posição estratégica.

A dezenas de quilômetros, um aldeão na cidade recebe as transferências de dinheiro via agências que os migrantes estão esperando de seus familiares. Quando o dinheiro chega, o aldeão avisa a região para que liberem a quantia equivalente, menos 20% de comissão.

- As crianças -

A passagem de crianças pelo Darién se multiplicou por 15 nos últimos quatro anos, segundo a Unicef. Muitas chegam desidratadas ou com doenças respiratórias, por estarem expostas à chuva e à umidade, afirma a médica Sofía.

O cubano José Alberto conta que sua filha Adelis "está fortíssima". Ela sorri, como se estivesse em um passeio.

"Meu coração está assim", confessa o haitiano Peter, enquanto mexe sua mão esquerda de cima para baixo na altura de seu peito, e usa a direita para segurar sua filha. "Ela ficou muito mal. Parece que está doente", comenta.

Na quadra de basquete, a paisagem é dominada por crianças que correm entre mochilas, colchões e as barracas que seus pais montaram para dormir.

Quando chega a noite, a lua cheia é o pano de fundo deste acampamento improvisado. A madrugada é um show de sussurros e conversas intermináveis. Poucos conseguem dormir.

- Do Chile ao Panamá -

A maioria dos haitianos - que geralmente falam francês - que acaba de passar a noite em Darién fala espanhol com um forte sotaque chileno. Eles saíram do Chile, onde passaram os últimos três ou quatro anos trabalhando.

Moise Cliff Raymond disse que se deu bem no Chile, mas nunca conseguir colocar seus documentos em ordem. Outros contam que perderam o emprego por causa da pandemia. Edman, de 39 anos, explica que foi embora porque não queria mais abuso e racismo.

Também há pessoas como Jonas Jean, de 38 anos, que saiu do Brasil e fala um "portunhol". Depois que foi roubado no trajeto, ficou com apenas 10 dólares e espera que algum companheiro o apoie em sua estadia.

- A saída -

Na madrugada de segunda-feira, a névoa cobre a aldeia. A quadra de basquete está vazia e os migrantes se enfileiram para embarcarem nas canoas que os levarão, através do rio, para o refúgio em Lajas Blancas. Essa viagem custa 25 dólares.

"Espero que Deus nos ajude a continuar o caminho ao nosso destino, que todos sabem qual é", conta Edman, enquanto aguarda na fila. Ele e seus companheiros recebem um colete salva-vidas laranja e são advertidos para que não façam movimentos bruscos na embarcação. "Já sabem o que pode acontecer", disse um dos operadores da canoa.

De Lajas Blancas irão por terra a San Vicente e de lá devem pagar 40 dólares em um ônibus até a fronteira com a Costa Rica. Em seguida, passarão por Nicarágua, Honduras, Guatemala, México e, finalmente, Estados Unidos.

Como diz uma canção do panamenho Rubén Blades, ainda está escuro, mas tem o cheiro do amanhã.


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