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Estado de Minas HUAXI

O declínio da vila "modelo" da China, onde dinheiro e comunismo colidem


28/06/2021 06:19

A poucos passos de um arranha-céu moderno se observa uma estátua de Mao Tsé-Tung. A "vila modelo" de Huaxi, onde os moradores vivem em áreas luxuosas, resume um século de comunismo chinês, com todas as suas contradições.

O Partido Comunista da China (PCC) celebrará 100 anos em 1º de julho e deve elogiar o impressionante crescimento do país em 40 anos. Mas, nas ruas quase desertas de Huaxi, a bonança econômica parece ter ficado para trás.

Postes de luz enferrujados com ornamentos de dragões cercam a praça central da localidade. São as decorações da década passada, quando Huaxi celebrou seu 50º aniversário em grande estilo.

A festividade foi marcada pela inauguração de uma gigantesca torre de 328 metros, símbolo de prestígio para a vila, apresentada como modelo em toda China por seus habitantes "milionários".

O edifício tem um hotel cinco estrelas, um cinema, um aquário gigante e até uma estátua de ouro de um búfalo.

O arranha-céu custou à cidade, que fica 130 km ao noroeste de Xangai, três bilhões de iuanes (464 milhões de dólares na cotação atual). Mas não há muitos clientes.

No 72º andar, onde durante algum tempo existiu um restaurante giratório com dançarinas norte-coreanas, os poucos visitantes conseguem observar dezenas de casas idênticas até onde a vista alcança.

- Vilas desabitadas -

"Muitas estão desabitadas. Os ocupantes aparecem apenas de vez em quando", lamenta um dos agentes responsáveis por vigiar a equipe da AFP, que foi proibida de entrevistar os moradores.

"Os que têm recursos, compram um imóvel em outro lugar e enviam seus filhos para as grandes universidades", afirma.

A "população" de Huaxi tem 30.000 habitantes, um número insignificante na China. Na década de 1960, não passavam de 700 em uma localidade que sofria com a miséria, como todo país.

Quando o Partido Comunista chegou ao poder em 1949, na China faltava de tudo. O regime de Mao Tsé-Tung impôs um coletivismo severo, que se traduziu em uma catástrofe econômica que deixou a população à beira da fome.

No fim dos anos 1970, o partido se abre ao capitalismo, ao adotar o que chamou de "socialismo com características chinesas". Quatro décadas depois, a China é a segunda maior potência econômica do mundo e supera os Estados Unidos em número de bilionários.

Huaxi, outrora bom aluno do Partido Comunista, resume em pequena escala a impressionante transformação do país, com seus imensos investimentos, mas também a mistura de negócios e política, e suas desigualdades.

- Império familiar -

Huaxi foi pioneira nas reformas econômicas.

Primeiro de maneira "escondida", como gostava de recordar o falecido líder local do Partido Comunista, Wu Renbao, que, segundo a lenda, teve a ousadia de criar uma fábrica de pregos em uma época na qual empreender ainda era "proibido".

À frente da localidade durante quatro décadas, Wu inicia uma industrialização forçada da localidade, primeiro nos setores de metalurgia e têxtil.

Em 1992, ele passa a levar ao pé da letra o apelo do líder Deng Xiaoping, idealizador das reformas do país, e faz uma dívida colossal para acumular matéria-prima, apostando no aumento dos preços.

A aposta dá certo e Huaxi triunfa.

Wu, uma figura venerada, fundou em seguida um conglomerado para administrar os negócios da cidade, o Huaxi Group, que tem cotação na Bolsa de Shenzhen.

Atualmente, seu filho mais novo, Wu Xie'en, à frente da administração da localidade, dirige o império.

De acordo com documentos consultados pela AFP, os principais cargos do grupo e da localidade estão nas mãos da família Wu.

O Huaxi Group é na realidade "uma empresa familiar dirigida por um clã", destaca Larry Ong, da consultoria SinoInsider, que tem sede nos Estados Unidos e que coordenou a elaboração de um relatório sobre a cidade.

- O fim do conto de fadas -

Os habitantes são acionistas e funcionários do conglomerado. Eles têm a obrigação de reinvestir os lucros em novos projetos e, em contrapartida, moram em casas espaçosas ao estilo americano. As residências pertencem à cidade.

Estão excluídos do privilégio os moradores que não são naturais da localidade, ou seja, a grande maioria.

Mas, em fevereiro, algumas imagens nas redes sociais quebraram o encanto do conto de fadas.

Os vídeos mostram pessoas em uma fila aguardando diante de um edifício para sacar suas economias. As autoridades confirmaram que as imagens eram autênticas, mas negaram qualquer boato de falência.

Segundo a imprensa chinesa, a localidade tem dívida de 38,9 bilhões de iuanes (quase 6 bilhões de dólares).

Huaxi Group, que há 15 anos estava entre as 100 maiores empresas da China, desapareceu no ano passado da lista das 500 principais companhias do país.

Nos últimos anos, o grupo investiu em finanças, uma área muito volátil, explica Valarie Tan, do centro de Sinologia Merics, na Alemanha.

"Mas isto não foi suficiente para compensar todas as perdas", observa a analista.

Sem contar os gastos para o funcionamento do hotel gigantesco.

"Nenhuma localidade teria os recursos para fazer isto", afirma.

- "Sem dinheiro" -

"Todos invejam nossa vida em Huaxi. Mas nós temos inveja das pessoas de outros lugares", confessa o guarda anônimo, que lamenta a situação econômica da vila, que não seria mais atraente "nem mesmo para os trabalhadores migrantes" de outras províncias.

Diante do arranha-céu, um homem confirma as dificuldades.

"Não tenho dinheiro para pagar uma refeição neste hotel, nem uma noite... A única vez que entrei foi para aproveitar o ar-condicionado, que era grátis", comenta, irônico, o homem, que pediu anonimato.

Huaxi "é uma aldeia Potemkin dos tempos modernos que o Partido Comunista mantém para conservar a adesão (da população) a uma ideologia em falência", afirma Ong.

Os habitantes são "virtualmente prisioneiros", segundo ele.

Se eles saem em definitivo, perdem a moradia, precisam renunciar às ações e reembolsar os gastos da comunidade, afirma Ong. "É uma condenação à morte", define.

Por trás da "utopia da vila comunista modelo", Huaxi representa, "na realidade, em pequena escala, o que é o regime do Partido Comunista na China com seu clientelismo, suas desigualdades e sua hierarquia social", completa.

Huaxi encarna "uma terrível história de despotismo", com um secretário do Partido e sua família, cujo "poder sem controle resultou em decisões muito ruins", considera Valarie Tan.

Mas o Partido não permitirá que Huaxi vá à falência, segundo ela. "Seria uma mancha, especialmente neste ano do centenário".

Nenhum pedido oficial de entrevistas às autoridades recebeu resposta.


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