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Estado de Minas BOGOTÁ

Colômbia: guia de um país em crise


27/05/2021 09:16

Um mês se passou, os colombianos ainda estão nas ruas desafiando o vírus e a repressão policial. Os protestos que começaram em 28 de abril contra a adoção de mais impostos revelaram, segundo analistas, uma força infatigável: a dos jovens herdeiros de uma violência anacrônica e empobrecidos pela pandemia.

Governado historicamente pela direita, o país completa quatro semanas de vertigem: durante o dia, os protestos são pacíficos e criativos e, à noite, há distúrbios, tiroteios e batalhas com a força pública.

Um mal-estar sem precedentes que se faz sentir com intensidade nas capitais, onde as barricadas ardem em rechaço aos abusos policiais, e que se expressa em bloqueios de estradas, que provocam desabastecimento e exasperam uma parte da população.

Apesar das ofertas, o governo não consegue neutralizar uma crise que, por enquanto, também não ameaça derrubá-lo. Há uma frente visível do protesto que dialoga com as autoridades, mas que não representa todos os inconformados.

Já há 43 mortos e mais de dois mil feridos, segundo o Ministério Público e o Ministério da Defesa. Em 17 dos casos, o órgão de investigação estabeleceu uma ligação direta com as manifestações.

A organização Human Rights Watch fala, no entanto, em até 61 mortes. "Confirmamos que 24 dessas mortes (22 manifestantes, ou transeuntes, e dois policiais) estão relacionadas" aos protestos, declarou o porta-voz da ONG, José Miguel Vivanco.

A seguir, o guia de um país em crise.

1) Mobilização distinta

"A Colômbia está em processo de se tornar um país latino-americano, não um país desenvolvido, mas um país com conflitos urbanos. Isso é parte do que está explodindo: uma força muito grande de jovens da cidade que estão descobrindo a política", diz o acadêmico Hernando Gómez Buendía, autor do livro "Entre la Independencia y la Pandemia".

Durante meio século, o conflito com a então guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) ofuscou um país muito desigual (o Banco Mundial o coloca entre os mais desiguais em renda e com a maior informalidade trabalhista da América Latina), com um Estado militarmente forte, mas fraco no atendimento às demandas sociais. E também politicamente conservador, onde a esquerda nunca conquistou a Presidência, apesar de ter uma Constituição avançada.

O acordo de 2016, que desarmou aquela que foi a guerrilha mais poderosa do continente, terminou com uma guerra "anacrônica", que envelheceu no campo às custas das cidades e de suas novas gerações. Embora o narcotráfico ainda alimente as brasas da violência, quando as ruas gritam, poucos ainda acreditam que o fazem sob a pressão da insurgência.

"Há um setor ativo que, por muito tempo, ficou excluído da política, do trabalho e agora do sistema educacional, e que se cansou de ser excluído. Esse setor é o que está se manifestando na rua", afirma Sandra Borda, cientista política e autora do texto "Parar para avanzar".

Ninguém imaginava que esses protestos, que mudam de bandeira, ou de reivindicação, conforme se movem no mapa, pudessem durar tanto. Sandra descarta, porém, que o país vá se adaptar a um estado de turbulência permanente.

"O protesto está nas cidades e está afetando diretamente muitas pessoas, enquanto o conflito armado se limitou às áreas rurais. Por isso as pessoas nas cidades conseguiram viver tão pacificamente. Viver com o protesto indefinidamente não é sustentável", explicou.

2) O dilema

Em 2018, aos 42 anos, Iván Duque assumiu o cargo como um dos mais jovens presidentes da Colômbia. No ano seguinte, os estudantes foram às ruas reivindicando maior acesso a uma educação pública gratuita, melhores empregos, Estado e sociedade mais solidários.

A pandemia extinguiu a mobilização em 2020. Duque respirou fundo sem fazer grandes concessões. O vírus mergulhou os mais vulneráveis na tragédia. A pobreza acelerou para 42,5% dos 50 milhões de habitantes.

"Retrocedemos em pelo menos uma década de luta contra a pobreza", diz Borda.

Um terço dos jovens com idades entre 14 e 28 anos não trabalha nem estuda.

E, na pandemia, Duque, como "nenhum outro presidente", surgiu com "a estupidez de aumentar os impostos" sobre a classe média, a "centelha do incêndio" social, observa Gómez Buendía.

O presidente retirou o projeto legislativo, mas "a repressão unificou" o movimento de protesto.

Saiu às ruas a geração "sem medo, a de filhos dos deslocados pelo conflito armado e que vive nos bairros pobres nas grandes cidades e que tem muito mais dificuldade de acesso à educação e à força de trabalho", disse Borda.

Ao contrário de crises como a do Chile, onde os protestos levaram a uma reforma constitucional, ou do Equador, onde já houve eleições, a Colômbia não teve, exceto nos protestos, uma "válvula de escape" para tantas frustrações que foram "escondidas por baixo do pano", observa Cynthia Arson, do Woodrow Wilson International Center for Scholars, de Washington.

Hoje, Duque, que deixará o poder em 2022, luta entre uma "saída repressiva, ou negociada", alerta Gómez Buendía.

A esquerda aparece, por sua vez, com opções para conquistar a Casa de Nariño (sede do Executivo) nas eleições de 2021, prosperando com a impopularidade do atual presidente. O ex-guerrilheiro Gustavo Petro lidera as pesquisas.


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