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Estado de Minas WAD KAWLI

Na fronteira etíope, camponeses sudaneses sonham com recuperar suas terras


20/03/2021 13:15

À sombra de um teto de palha, camponeses sudaneses relembram a época da colheita na fértil região de Al Fashaga, no centro de uma antiga disputa entre Cartum e Adis Abeba.

De sua aldeia de Wad Kawli, costumavam atravessar com seus tratores e carros o rio Atbara para chegar às terras onde cultivavam milho, feijão ou gergelim.

"Minha família tinha 2.000 acres (800 hectares) de terra a leste de Atbara", conta à AFP Abdelreheem Mirghani, um residente de Wad Kawli, na margem oeste do afluente do Nilo.

Mas, há várias décadas, os agricultores etíopes se estabeleceram nesta área agrícola de 1,2 milhão de hectares, fazendo com que a tensão aumentasse com seus rivais sudaneses.

"Tínhamos armas porque frequentemente cruzávamos com gangues de 'Shifta' etíopes [...], que queriam nos roubar", diz o agricultor.

E, em meados da década de 1990, o governo do Sudão pediu aos seus cidadãos que não pisassem do outro lado do Atbara.

"Nos disseram que não era seguro para nós", lembra Mirghani.

- "Territórios roubados" -

As relações entre Cartum e Adis Abeba se deterioraram quando os etíopes acusaram o Sudão de envolvimento na tentativa de assassinato do presidente egípcio Hosni Mubarak em 1995 na Etiópia.

A tensão levou as forças sudanesas a se retirarem de Al Fashaga, onde os etíopes se instalaram.

Hoje, os agricultores sudaneses mais velhos afirmam que foram "expulsos" de seus campos.

"Nossa última colheita lá remonta a 1996", lembra Mohamed Omar, de 76 anos, que diz que 12.000 pessoas viviam em Wad Kawli naquela época. Hoje, restam apenas 4.000.

No final de 2020, o exército sudanês voltou à região disputada para "retomar os territórios roubados", dois anos depois que o autocrata Omar al Bashir foi afastado do poder sob pressão dos manifestantes.

O envio do exército coincidiu com a eclosão de um conflito na vizinha região etíope de Tigré, entre as forças federais e o governo regional.

Os combates levaram cerca de 60.000 pessoas de Tigré a se refugiarem no leste do Sudão, perto de Al Fashaga.

O exército sudanês continua restringindo o acesso às principais cidades da região, devido à instabilidade.

De acordo com Addis Ababa, milhares de etíopes deixaram Al Fashaga. No entanto, os agricultores sudaneses ainda não recuperaram suas terras.

Mohamed Gomaa, outro camponês sudanês, explica que durante anos lutou, em vão, para acessar os férteis solos de Al Fashaga.

"Os etíopes nos forçaram a sair, ameaçando queimar nossas plantações", explica.

E embora sudaneses e etíopes tenham aprendido a viver juntos com o tempo, as milícias etíopes ainda estão ativas, de acordo com agricultores sudaneses.

- Violência e tensões -

"Meu pai foi sequestrado por uma semana em 2013 e tivemos que pagar um resgate de 700.000 libras sudanesas (US$ 1.844) para que ele fosse libertado", conta Zakaria Yehia, uma enfermeira da vila.

"Estamos acostumados a acordar e descobrir que nosso gado foi roubado", diz Fatma Khalil, outra moradora da cidade, que, no entanto, garante que se sente mais "segura" desde que o exército sudanês foi implantado na área.

Mas a tensão persiste e o Sudão afirma que controla grande parte do Al Fashaga.

A Etiópia, que considera a operação militar sudanesa uma "invasão", ameaçou intervir se Cartum não recuar.

Na quarta-feira, o presidente do conselho sudanês encarregado da transição política, Abdel Fattah al Burhan, rejeitou qualquer negociação, alegando que a Etiópia deveria reconhecer Al Fashaga como um "território sudanês".

Uma ideia compartilhada pelos vizinhos de Wad Kawli. "É a nossa terra. Sempre cultivamos [...] e agora queremos recuperá-la integralmente", diz Yehia.


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