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Estado de Minas

Luta contra a covid-19 consome médicos mexicanos até o último suspiro


13/10/2020 14:19

O doutor Víctor Rosales repensou sua vida quando teve que informar a uma paciente com covid-19 que sua filha - de quem estava separada por alguns leitos - tinha acabado de falecer pela mesma doença em um hospital no México.

"Estou no lugar certo?", perguntou o médico de 48 anos após conversar com a mãe, que se comunicava com a jovem de 19 anos por meio de cartas escritas à mão e por mensagens das enfermeiras.

Embora Rosales nunca tenha pensado em "jogar a toalha", as tragédias sucessivas e a resignação do comentário "eu já imaginava" da mulher acabaram por destruí-lo.

"Talvez fosse a gota d'água que precisava até 'explodir'", conta ele à AFP em meio às macas que vão e vêm na área interna do Hospital Geral da Cidade do México.

Acostumado a ser questionado pelos pacientes se irão morrer, o próprio Rosales foi infectado, mas conseguiu se recuperar.

O choque emocional contínuo, juntamente com uma carga de trabalho pesada e as mortes de mais de 800 médicos em quase oito meses de pandemia, deixou muitos profissionais de saúde mexicanos sob forte estresse.

"Chamamos isso de síndrome de 'burnout', esse esgotamento profissional que os médicos têm, principalmente expostos a muito estresse", explica a psicóloga Martha Páramo, que atende médicos em outro hospital da capital.

Com 128 milhões de habitantes, o México é o quarto país com mais vítimas em números absolutos por causa do novo coronavírus, com 84.000 mortes e 820.000 casos.

- "Pare de chorar" -

Além da pressão, os médicos precisam lidar com a própria vulnerabilidade ao vírus, ressalta a especialista.

Até 5 de outubro, 1.646 profissionais da saúde morreram no México (dos quais 49% eram médicos) e 122.041 se contaminaram com a doença (26% deles médicos), segundo dados oficiais.

O cansaço crônico de toda essa situação costuma se manifestar em sentimentos negativos em relação às outras pessoas e ao próprio trabalho, desmotivação e irritabilidade, entre outras características, segundo os especialistas.

Em julho deste ano, com vários dos seus colegas doentes com o novo coronavírus e o hospital transbordando de pacientes, a médica de emergência Copelia Nieto sentiu que não poderia continuar.

"Naquele dia fiquei muito arrasada, cansada, sem comer. O peso te vence", confessa à AFP no Hospital Geral, onde lidera uma equipe encarregada de tratar os doentes.

"Valerá a pena tudo o que estamos fazendo?", perguntou-se então, antes de chorar ao telefone com os pais, também médicos.

Nieto, que dorme em uma pequena esteira entre suas extenuantes jornadas de plantão, recebeu uma resposta dura de um deles, mas que a ajudou a se recuperar.

"Se você não pudesse, você não estaria aí. Você não teria chegado até aqui, você não teria tocado o que está tocando. Pare de chorar e continue", relata ela, que se reconstrói em meio ao barulho das sirenes e a agitação de mais de vinte médicos e enfermeiras. Naquele dia "parei de chorar".

- Dúvidas -

Não muito longe dali, durante os picos da epidemia, o Dr. José Guillermo Espinosa teve que decidir quem deveria ocupar os poucos leitos de terapia intensiva para pacientes da covid-19, espaço pelo qual é responsável.

Um dia ele teve que escolher entre um homem de mais de 70 anos e uma mulher com 22 anos, que sofria de leucemia.

Então ele decidiu internar o homem, mas no dia seguinte encontrou a jovem na UTI, que um de seus colegas havia pedido para internar.

"Você pensa: foi a decisão certa? Eu deveria ter levado ela antes (para a unidade de terapia intensiva)", explica Espinosa, de 30 anos, com a voz embargada. Desde então as dúvidas o acompanham.

Os dias cansativos acabam sempre com um ducha, que embora seja obrigatória tornou-se um dos poucos espaços de relaxamento, depois de retirar a grande quantidade de equipamentos de segurança.

"Isso me ajuda a limpar um pouco essa sobrecarga física e emocional. Temos que tomar banho, mas nisso você pode refletir um pouco", afirma Espinosa.


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