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Estado de Minas

Pesadelos e uma dor "para a vida", a difícil recuperação dos sobreviventes do Charlie Hebdo


11/09/2020 15:38

Além das consequências físicas, há o sofrimento emocional.

No julgamento dos ataques de janeiro de 2015 que abalaram a França, os sobreviventes do semanário Charlie Hebdo relataram esta semana uma difícil recuperação, marcada por "pesadelos" e "ataques de ansiedade".

Simon Fieschi, o desenvolvedor web da publicação satírica, perdeu sete centímetros no ataque. A culpa: uma bala Kalashnikov disparada à queima-roupa pelos irmãos Chérif e Said Kouachi que se alojou em sua espinha.

"A dor é para a vida toda. Não dá para se livrar dela", explicou em voz calma o homem, na casa dos 30 anos, que passou nove meses no hospital e não consegue mais andar sem o auxílio de uma muleta.

"Agora eu tenho que fazer um trabalho de reabilitação para o resto da vida."

Diante de um tribunal especial em Paris, Simon Fieschi relatou "tremores" nas pernas, "perda de habilidades motoras", "dificuldade de concentração" e "episódios de tristeza e raiva".

"Vivo em pós-trauma e vou ficar assim pelo resto da minha vida (...) É um esforço mental diário, um cansaço abissal", diz o desenvolvedor web, que optou por continuar trabalhando no Charlie Hebdo, mas "em jornada parcial".

Os feridos, os que saíram milagrosamente de lá sem consequências físicas, familiares, amigos ... "Nenhum de nós escapou ao que aconteceu", diz o editor do semanário, Laurent Sourisseau, conhecido como Riss. Foi um "drama coletivo".

No dia do início do julgamento, 2 de setembro, o Charlie Hebdo reproduziu em sua capa as charges de Maomé publicadas em 2006, que o tornaram alvo dos jihadistas.

A reação foi imediata: a Al Qaeda voltou a ameaçar o semanário na sexta-feira, alertando que o ataque ao Charlie Hebdo não foi um incidente "isolado", de acordo com o observatório americano SITE.

- "Amputação" -

Desde o início do julgamento, em 2 de setembro, o diretor do Charlie Hebdo - que levou um tiro no ombro no ataque - compareceu a todas as audiências, sentado no fundo da sala do tribunal, em silêncio. Em seu depoimento, falou longamente sobre o sofrimento que sua equipe experimentou.

"A sensação imediata após o ataque é que você foi cortado ao meio, como se uma parte de você tivesse sido roubada", diz Riss, descrevendo a sensação de "vazio" criada pela carnificina, na qual 10 pessoas morreram.

"É outra mutilação, talvez ainda mais terrível que a dos corpos: é uma amputação", diz Riss, que há cinco anos tem em sua mente a imagem do corpo de seu amigo Charb na redação.

Sigolène Vinson, colunista do semanário, também tem que lutar com as memórias. "Esse ataque está em mim, incorporado em minha pele", diz a mulher, que, "impotente", presenciou o ataque.

Depois da tragédia, a jornalista teve o mesmo pesadelo por muito tempo: os disparos, diante de si, de Hayat Boumeddiene, companheira de Amédy Coulibaly, cúmplice dos irmãos Kouachi. Hoje, ela mora à beira-mar e tenta se reconstruir.

Apesar do tempo, "as feridas não cicatrizaram", disse Patrick Pelloux, médico de urgências e colaborador de longa data do Charlie Hebdo, que chegou ao local da tragédia poucos minutos após o ataque.

- "Em prisão domiciliar" -

Quanto tempo vai durar esse sofrimento? Será que algum dia vai desaparecer? A viúva de Frédéric Boisseau, trabalhador da manutenção assassinado pelos irmãos Kouachi antes de entrar na redação do Charlie Hebdo, tem poucas esperanças.

Eles podem ir para a cadeia, mas fomos condenados "à vida", disse a mulher, referindo-se aos 14 réus que estão sendo julgados por supostamente fornecerem apoio logístico para o crime. Os autores foram mortos pela polícia.

Desde o ataque, os sobreviventes vivem sob proteção policial permanente. "É como se eu estivesse em prisão domiciliar. Tenho que relatar tudo o que faço", diz Riss.

Para enfrentar o drama, Simon Fieschi evita "fazer muitas comparações entre o antes e depois" e não se ver como uma "vítima".

- "Sinto muitíssimo" -

Os réus, por sua vez, se declararam "emocionados" nesta sexta-feira com a história dos sobreviventes e de pessoas próximas às vítimas.

Em declarações feitas a pedido do presidente do tribunal, garantiram que nada sabiam sobre o plano de ataque e disseram "condenar" os atentados e o terrorismo.

"Quero apresentar as minhas condolências às famílias: fiquei impressionado com a sua coragem e dignidade", disse Miguel Martínez, acusado de ter ajudado Said Kouachi a obter armas.

A mensagem foi amplamente compartilhada por seus corréus. "Eu sou muçulmano e não entendo porque mataram em nome de Deus [...] Não se mata por ter feito um desenho, isso não entra na minha cabeça", acrescentou Metin Karasular.

O réu principal, Ali Riza Polat, se "desvinculou" das ações dos autores, que após o atentado contra o Charlie Hebdo, atacaram uma policial e um supermercado kosher, em um total de 17 mortes.

"Lamento muito pelas famílias. Não tenho nada a ver com isso", alegou.


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