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Estado de Minas

Campanha de resistência na polícia russa após prisão de ex-agente


postado em 03/07/2020 09:07

Numa manhã de maio, uma unidade das forças especiais invade um apartamento em Moscou. Seu objetivo: um ex-policial que se tornou um denunciante dos abusos na polícia russa.

Durante cinco horas, os investigadores revistaram a casa de Vladimir Vorontsov, ex-membro do departamento de luta contra o "extremismo", que tem como alvo o islamismo e a oposição.

"Nossa filha acredita que alguns bandidos vieram e levaram seu pai", disse Aleksandra Vorontsova à AFP, descrevendo a operação. Durante a busca, os investigadores até vasculharam os brinquedos, meias e roupas íntimas da filha de quatro anos, explicou ela.

Vladimir Vorontsov é o criador do grupo online Ombudsman da Polícia, um conjunto de contas vinculadas às redes sociais para denunciar abusos cometidos na polícia, que se tornou muito popular, com meio milhão de inscrições.

Entre suas cruzadas está a revelação de atos de corrupção e violência policial, pressão sobre policiais para alcançar cotas e horas extras e casos de suicídio, uma questão delicada sobre a qual não há estatísticas oficiais.

Sua prisão e a de seu colaborador Igor Khudiakov causaram alvoroço incomum entre a polícia russa, cujos 750.000 membros são um dos pilares do sistema dirigido por Vladimir Putin há 20 anos.

O homem de 35 anos, que deixou a polícia em 2017 após 13 anos de serviço, foi preso por extorsão e desde então também foi acusado de distribuir e produzir material pornográfico.

Seus apoiadores asseguram que são acusações falsas fabricadas para encerrar sua atividade como "mediador da polícia".

O mais impressionante na Rússia é que, pela primeira vez, policiais criticaram publicamente as autoridades, o funcionamento e os métodos da força policial.

Nas redes, dezenas de membros e ex-membros das forças de segurança pediram a libertação de Vorontsov. Alguns publicaram sua foto e outros imagens anônimas de seus cartazes de protesto. E isso apesar das possíveis repercussões.

- "Somos Vorontsov" -

"Se não defendermos Vorontsov agora, as coisas só vão piorar", declarou o ex-inspetor Georgui Zaria, 36 anos.

Ele protestou sozinho - o único ato de protesto público permitido sem autorização prévia - do lado de fora da sede da polícia de Moscou para exigir a demissão de seu chefe. Uma iniciativa que lhe rendeu duas horas de detenção.

Zaria pediu demissão no final de 2018, criticando as longas horas de trabalho, um salário muito baixo e a violação de seus direitos trabalhistas.

Enquanto estava de serviço, criticou o sistema de cotas da polícia, sob o qual os policiais geralmente são incitados a executar um certo número de multas ou prisões.

"É uma praga do Ministério do Interior", disse Zaria.

Depois de mais de 12 anos trabalhando, Zaria não tem onde morar, pois não recebeu o subsídio habitacional correspondente.

Vorontsov o ajudou a denunciar o caso ao Ministério do Interior.

Mikhail Tsaplin também apoiou publicamente Vorontsov, duas semanas antes de deixar a força policial de Gus-Jrustalny, cidade 250 quilômetros a leste de Moscou, depois de 20 anos.

Postou uma foto de si mesmo, vestido com uniforme, em Vkontakte, o equivalente russo do Facebook, com a mensagem: "Eu / nós somos Vorontsov. Não tenho medo".

Para o homem de 39 anos, a prisão de Vorontsov pelas forças especiais foi excessiva. "Ele não é terrorista, nem extremista, nem assassino, nem pedófilo", afirmou.

Tsaplin garante que saiu da polícia porque não queria continuar fazendo parte de um sistema defeituoso.

"Não posso mais usar o uniforme", disse ele. "Não gosto do que está acontecendo. O sistema está desmoronando por dentro".

Outro policial, investigador em uma grande cidade russa, explicou à AFP que ele e um colega se tornaram alvo de uma investigação interna após publicar fotos mostrando seu apoio ao ativista. Agora, tem medo de ser demitido.

Segundo o investigador, que pediu à AFP para permanecer sob anonimato, os policiais devem obedecer ao que ele chamou de "ordens criminosas" para dispersar protestos pacíficos e acusou as autoridades de colocar a polícia contra os cidadãos.

"Você já viu um protesto da polícia? Não. Estamos satisfeitos com tudo? Não", acrescentou.

Mas Mikhail Pashkin, presidente do Sindicato da Polícia de Moscou, suspeito de ser próximo das autoridades, acusou Vorontsov de tentar ganhar "muito dinheiro" ajudando os policiais.

Mas, no fundo do problema, reconhece que "os funcionários do Ministério do Interior os tratam muito mal e muitos superiores os consideram escravos".

Os policiais reclamam de ter que comprar seus uniformes e de horas extras não remuneradas ou demissões injustas.

O ministério do Interior se recusou a fazer comentários à AFP.

- Navalny -

Vorontsov fez inimigos nos mais altos escalões da polícia e vários oficiais veteranos perderam seus empregos por causa de seu ativismo, afirmam seus apoiadores.

Em um caso bem conhecido, o chefe de polícia da região siberiana de Novosibirsk, Yuri Sterlikov, renunciou em abril, depois que o Ombudsman da Polícia publicou uma gravação em que uma agente ordena que seus subordinados apliquem multas por violação do confinamento para atender às cotas estabelecidas.

Para alguns, o projeto de Vorontsov também permitiu que alguns policiais expressassem suas opiniões anti-Kremlin, disse um ex-comandante da polícia que pediu anonimato. "Existem muitos", apontou.

Visando uma das estruturas das forças de segurança (exército, polícia, serviços especiais), Vorontsov atacou o poder de Vladimir Putin, um ex-membro da KGB e de seu sucessor, o FSB, que poderia permanecer no poder até 2036 após um referendo constitucional realizado esta semana.

"Para as autoridades é de fundamental importância conservar a lealdade das forças de segurança", sustentou Sergei Davidis, da organização de defesa de direitos Memorial.

No entanto, a campanha pró-Vorontsov pode ser indicativa de uma mudança na "conscientização do público", afirmou Davidis, enquanto algumas pesquisas mostram que a popularidade de Putin está caindo no contexto da crise econômica decorrente do coronavírus.

Além disso, sua causa ganhou apoio fora da polícia, incluindo do proeminente jornalista e ativista da oposição Ilya Azar, que ficou preso por 10 dias após protestar do lado de fora da sede da polícia de Moscou.

Alguns dizem que a fama subiu à sua cabeça, mas até vários de seus detratores reconhecem a importância de seu trabalho.

A equipe de Alexei Navalny, principal crítico do Kremlin, pediu às forças de segurança que apoiem o ex-policial da unidade de combate ao extremismo, acusada de assediar militantes anti-Kremlin.

Nos últimos meses, Vorontsov entrou em contato com ativistas da oposição, em particular a equipe de Alexei Navalny, que muitas vezes é alvo de buscas.

Embora a magnitude da mobilização seja incomparável, seu caso lembra o do jornalista Ivan Golunov, preso e libertado após uma campanha de protestos no ano passado.

Na quinta-feira, em audiência, a detenção de Vorontsov foi prorrogada por um mês, até 6 de agosto, disse seu advogado Sergei Badamchin à AFP.

Aleksandra Vorontsova afirmou que seu marido imaginava que o governo iria exercer pressão, mas não esperava que acabasse na prisão.

"Agora entende que podem vir por qualquer coisa, mas está preparado para lutar", acrescentou.


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