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Estado de Minas COVID-19

"O pior ainda nem começou"

Mineiro relata os dias de confinamento na Irlanda, país que adotou o lockdown, medida em que as pessoas só podem sair às ruas em casos de extrema necessidade


postado em 07/04/2020 04:00

Lockdown na Irlanda começou no fim de março. Para o publicitário mineiro Vinícius de Paula, que vive no país, medidas tomadas a tempo pelo governo podem ter conseguido achatar a curva da contaminação(foto: AFP)
Lockdown na Irlanda começou no fim de março. Para o publicitário mineiro Vinícius de Paula, que vive no país, medidas tomadas a tempo pelo governo podem ter conseguido achatar a curva da contaminação (foto: AFP)

 
Quando as comemorações do St. Patrick’s Day foram canceladas na Irlanda, ficou claro para o brasileiro Vinícius de Paula que as coisas começariam a mudar por causa da pandemia do novo coronavírus. “A festa foi cancelada antes de 12 de março, quando o governo recomendou que todos que pudessem trabalhassem de casa. É um evento superimportante aqui, feriado nacional. É importante para o setor de turismo também, é quase um carnaval irlandês”, resume o publicitário de 34 anos, que há sete mora no país, lamentando ter perdido a que seria a primeira comemoração de que participaria como cidadão irlandês. 

Ao menos ficou o consolo de o país não ter demorado tanto quanto o vizinho Reino Unido a estimular os cidadãos a ficar em casa para conter o rápido avanço da doença e consequente colapso do sistema de saúde. “Em 12 de março de manhã já tinha um boato de que as coisas iriam mudar gradualmente. Naquela noite, o primeiro-ministro pediu para que todos ficassem em casa. Escolas, universidades e creches foram fechadas. No dia 15, os pubs também foram fechados. Mas o lockdown mesmo, em que se pode sair apenas para comprar comida e medicamentos, com exceção dos trabalhadores com funções essenciais, foi adotado no último sábado de março, dia 28.

Natural de Belo Horizonte, Vinícius comemora o achatamento do índice de contaminações, efeito que ele atribui à antecipação das medidas de restrição e à boa comunicação entre o governo e a população do país, que soma quase 5 milhões de pessoas. Mas, ainda assim, a Irlanda tinha, até o último levantamento publicado ontem, 167 mortes confirmadas em hospitais e 4.916 casos registrados da doença. “Por aqui, todo mundo está de acordo com o isolamento social. Pelo menos não vi ou li nenhuma reportagem que dissesse o contrário”, avalia.

Trabalhando como executivo de mídia programática, o publicitário está em regime de home office desde 12 de março. “O lockdown em si não fez muita diferença para mim. Já estou há quase três semanas na mesma rotina de sair de casa só para o essencial mesmo. Tenho trabalhado de casa, então, às vezes é difícil dizer quando é dia de semana ou fim de semana. Essa é a parte mais difícil, mas, além do trabalho, tenho gastado mais tempo cozinhando, jogando videogame, ligando para amigos e família. Ah, e limpando...”, ironiza. Mas o sentimento também é de angústia: “Primeiro, porque o pior nem começou ainda. Segundo, porque ninguém sabe o que esse trem é direito, e até quando vamos ter de viver assim”, explica.

O sentimento de solidão é amenizado com a presença constante do marido, o irlandês Tom Donnelly, que é produtor na rádio estatal de Dublin e também trabalha em casa na maioria dos dias. Questionado se já tinha passado tanto tempo ao lado do companheiro, Vinícius responde que, com esta intensidade, não. “Lembro-me de termos passado o tempo todo juntos só em viagens de no máximo 10 dias. Mas nossa convivência é ótima, o que ajuda. Somos um bom time juntos”, orgulha-se. Além da maior convivência conjugal, o publicitário é cauteloso quanto a tirar coisas positivas a respeito do cenário imposto pelo coronavírus: “Ainda é cedo para saber das consequências e não quero romantizar essa pandemia”.

A respeito dos cuidados especiais de higiene adotados a partir da chegada da doença, Vinícius conta que usa luvas plásticas quando sai para fazer compras, apesar de não ver muito sentido. Ele ainda lista que quando chega em casa, o casal deixa os sapatos na porta, coloca as roupas direto na lavanderia, lava as mãos e veste as roupas de ficar em casa. Apesar de no início do confinamento ter faltado itens como álcool em gel, produtos de limpeza e massas, o publicitário relata que os supermercados estão abastecidos e que as primeiras horas da manhã são dedicadas apenas aos idosos. “Nesse sentido, parece que as coisas vão se manter normais. As  pessoas relaxam um pouco quando percebem que não vai faltar comida”, conta.

Desemprego

De acordo com Vinícius, com a chegada do coronavírus e a necessidade de ficar em casa, cerca de 300 mil pessoas perderam o emprego na Irlanda. “Graças a Deus nossa renda não foi impactada. Para quem perdeu o emprego, o governo disponibilizou um benefício de 350 euros por semana, além de 410 euros por semana referentes ao salário de empregado das empresas que se comprometeram a não demitir”, explica. O governo da Irlanda também congelou o valor dos aluguéis e financiamentos, proibiu que as pessoas sejam despejadas de casas alugadas e estatizou os hospitais privados temporariamente.

Sobre o sistema de saúde irlandês, o publicitário explica que, diferentemente do Brasil, não é universal. “Só é gratuito para a população muito carente. A maioria das pessoas tem planos de saúde e mesmo assim tem que pagar metade da consulta para acessar o sistema. Por mais que tenha seus defeitos – até o NHS (sistema de saúde público do Reino Unido) tem –, o SUS é uma vantagem nessa hora”, avalia. Vinícius relata que a estrutura vem sendo ampliada desde janeiro. Muitos médicos irlandeses que atuavam fora do país voltaram para ajudar. “Desde o começo do mês, o governo recebeu 40 mil inscrições de profissionais de saúde para atuar na linha de frente, mas os leitos ainda estão em falta”, afirma.

No Brasil, Vinícius deixou os pais, dois irmãos e duas famílias grandes. A maior preocupação é a avó, que, com idade na casa dos 90 anos, pertence ao grupo de risco. Na casa dos 60, seus pais têm boa saúde e estão isolados em Piracema, Região Sul de Minas Gerais, onde, segundo o publicitário, nem internet tem. Por esse motivo, toda a comunicação é feita por meio dos irmãos. “Apesar do isolamento, de certa forma também me preocupa eles estarem lá. Talvez BH esteja mais bem equipada para lidar com os casos”, avalia. Perguntado sobre o que pretende fazer quando esse cenário nebuloso passar, o mineiro-irlandês surpreende: “Cortar o cabelo”. Mas em seguida acrescenta que também pretende tomar umas cervejas e abraçar muito a família e os amigos.



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