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Estado de Minas CORONAVÍRUS

Fuga, medo e contrabando de máscaras: italiano relata a rotina caótica no país

No princípio da epidemia, muitos cidadãos do Norte buscaram proteção 'fugindo' para a Sicília, mas a ilha também foi colocada em quarentena, confinando os moradores em suas casas


postado em 17/03/2020 04:00 / atualizado em 26/04/2020 21:40

(foto: Roberto Librizzi)
(foto: Roberto Librizzi)

Em meio ao surto de coronavírus, é a Itália o país europeu que mais sofre, já acumulando dezenas de milhares de casos confirmados e atingindo mais de 2 mil mortes. Por lá, como vem noticiando a mídia nos últimos dias, a Região Norte é a mais afetada, mas cidades do Sul, bastante conhecidas por brasileiros, também são motivo de preocupação. Nos últimos dias, a região da Sicília, ilha localizada na ponta da bota italiana, recebeu grande número de pessoas que moram no norte do país.

“No momento, a situação no Norte é dramática porque os hospitais estão quase sem vaga e, agora, eles estão tentando abrir novos lugares para colocar camas e sistemas respiratórios. Mas na Sicília a situação nos hospitais é ainda pior, porque nós não temos hospitais e médicos suficientes”, conta Roberto Librizzi, italiano de 27 anos que mora em Palermo, capital da Região da Sicília.

Em conversa com o Estado de Minas, Librizzi conta que a preocupação dos sicilianos veio principalmente no final de fevereiro, quando o governo confirmou o primeiro caso diagnosticado do novo coronavírus em território italiano. Dias depois, na Região de Veneza (Norte do país), foi também confirmada a primeira morte em decorrência da doença. “As pessoas começaram a ficar muito preocupadas com o coronavírus, quando vimos que o número de casos aumentava rapidamente todos os dias”, conta.

"A minha rotina é ficar em casa. O governo disse que isso é mais seguro, então a gente só sai para ir a supermercados e, se a gente precisar, a farmácias. Só isso"

Roberto Librizzi, economista


A preocupação dos sicilianos é tão grande que a Companhia de Saúde Provincial de Enna (comuna da Sicília) montou uma rede de operados dedicada a receber os telefonemas daquelas pessoas que foram afetadas mentalmente pela propagação do coronavírus.

Ao todo, segundo o último boletim do governo italiano, o país registra 27.980 casos confirmados e 2.158 mortes por causa do vírus; outras 2.749 pessoas foram curadas. Já na Sicília, 213 pessoas foram contaminadas pelo COVID-19 e duas acabaram morrendo. O relatório da Unidade de Crise da região confirma que existem 95 pessoas hospitalizadas (20 em terapia intensiva), 108 em isolamento domiciliar e 8 recuperados. Em escala provincial, Catânia é a área com o maior número de pessoas infectadas.

Devido ao número relativamente baixo de casos, em comparação com o cenário nacional, a Sicília foi um dos destinos de fuga mais procurados por italianos que moram no norte do país. Em 7 de março, o primeiro-ministro da Itália, Giuseppe Conte, decretou quarentena em toda a região da Lombardia, incluindo Milão, a capital financeira do país. Com a notícia, que acabou chegando aos italianos ainda antes da assinatura de Conte, cerca de 30 mil pessoas deixaram o norte em direção à Sicília – a população da ilha é de 5,027 milhões de habitantes.

No entanto, os italianos que fugiram para o sul em busca de uma rotina mais tranquila foram surpreendidos dois dias depois. Em 9 de março, Conte aumentou a área de quarentena para todas as províncias do país, colocando a população em isolamento. Atualmente, bares e restaurantes da Itália devem fechar às 18h; já pubs, discotecas e bingos não podem abrir. Está proibida, ainda, a realização de missas, casamentos e funerais.

“A minha rotina é ficar em casa. O governo disse que isso é mais seguro, então a gente só sai para ir a supermercados e, se a gente precisar, a farmácias. Só isso”, conta Librizzi. As restrições valem até 3 de abril, mas a previsão é de o governo deve prorrogá-las.

Em meio ao caos, o prefeito de Palermo, Leoluca Orlando, desconfiou de que estaria contaminado pelo vírus, mas, depois de realizar testes, descartou a hipótese. Além disso, ainda para piorar a situação, o governo regional está tendo que lidar com o contrabando de máscaras. Nesse fim de semana, a Guardia di Finanza de Catania (uma das polícias da região), apreendeu 10 mil máscaras que não adotavam os selos de qualidade do governo italiano. De acordo com o jornal local Corriere Della Sera, as mercadorias foram encontradas em um armazém de uma empresa de um cidadão chinês.

No Norte da Itália, relatos de xenofobia

Assim que a propagação do COVID-19 alcançou números assustadores, provocando mortes em vários países e chamando a atenção da mídia ocidental, pessoas com ascendência asiática começaram a sofrer constantes ataques. Na Europa, EUA e, até mesmo no Brasil, situações xenofóbicas vieram à tona e geraram mais um debate em meio ao surto. Natural de Taiwan, e atualmente cursando violino em Cremona, na Região da Lombardia, Ho Kung conta ao EM que percebe, ao andar na rua, pessoas tentando se afastar de asiáticos.

“Algumas pessoas estúpidas acham que asiáticos são uma coisa só ou que nós que causamos todos esses problemas”, conta o jovem. Embora Kung não tenha sofrido ataques diretos, ele dá o exemplo de uma ofensa que uma amiga japonesa sofreu na cidade. “Ela estava andando na rua, quando um cara italiano olhou para ela e cobriu o nariz de propósito”, afirmou.

''Eu decidi voltar para Taiwan porque agora na Itália tem mais de 20 mil pessoas contaminadas e em Taiwan tem menos de 60''

Ho Kung, estudante



Por causa do avanço avassalador da pandemia pela Itália, o jovem deixou o país no último sábado em direção à sua terra natal, a 943 quilômetros de Wuhan, cidade chinesa onde o vírus apareceu primeiramente e que mais registrou mortes no mundo. Apesar da proximidade, até ontem, Taiwan tinha registrado 67 casos e uma morte. 

“Eu decidi voltar para Taiwan porque agora na Itália tem mais de 20 mil pessoas contaminadas e em Taiwan tem menos de 60. Então, é muito menos do que na Itália. Além disso, todos os hospitais estão lotados, sem espaço livre. Então, se eu tivesse algum problema eu não poderia resolver. Na minha opinião, voltar foi mais seguro”, explica.

De volta a seu país, Kung está isolado em um hotel reservado para pessoas que voltaram da Europa nas últimas duas semanas. “Eu não posso nem sair do meu quarto. Estou adorando contar meus sentimentos, porque agora eu estou realmente odiando esse vírus”, conta de forma mais humorada.

Semelhança

Italianos e brasileiros possuem traços em comum. Os dois povos compartilham o gosto pela música e desfrutam de relações muito mais íntimas se comparadas aos asiáticos, britânicos e escandinavos. No entanto, o que parecia ser uma vantagem ou algo a se celebrar gerou questionamentos nos últimos dias. Seria essa aproximação algo que influenciou a disseminação acelerada de número de casos no país europeu? Será que isso pode influenciar o cenário epidemiológico brasileiro?



Desde que a crise do novo coronavírus veio à tona, médicos e infectologistas alertam para a redução do número de abraços, beijos e apertos de mão, como forma de evitar a propagação do vírus. Apesar de concordar com os cientistas, Roberto Librizzi, descarta a ideia de que a intimidade dos italianos possa ter influenciado na situação atual. “O problema é que a gente vive em um mundo globalizado e a Itália recebe muitas pessoas de vários lugares do mundo. Esse desastre só pode acabar se os cientistas conseguirem criar uma cura para a doença, porque nós podemos conter o vírus, mas não eliminá-lo como um todo”, defende.

Como os brasileiros, os italianos criam situações de alegria em meio ao caos. Desde sexta-feira, italianos aproveitam os momentos de quarentena e, por duas vezes ao dia, vão à sacada de suas casas e cantam juntos músicas nacionais. Parafraseando uma expressão bastantes conhecida no Brasil e na Itália, nos dois países “lá speranza è l’ultima a morire”.  



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