(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

De Washington a Iowa, uma jornada por um país diverso em ano eleitoral


postado em 01/02/2020 09:07

Os Estados Unidos estão mudando. Os trabalhos estáveis se tornaram precários, o pensamento tradicionalmente moldados pelos meios de comunicação deu espaço à cacofonia das redes sociais, comunidades que pareciam monopolíticas se transformaram pela diversidade.

Ao começar um ano eleitoral, os americanos estão politicamente muito divididos, mas em algo coincidem: as presidenciais de 3 de novembro serão fundamentais para marcar o rumo da nação.

Antes das primárias da segunda-feira (3) em Iowa, onde se inicia o processo para a escolha dos candidatos de cada partido, uma equipe de jornalistas da AFP se propôs a medir o pulso do país em uma viagem rodoviária de Washington até este estado rural do Meio Oeste americano.

Nos 2.900 quilômetros percorridos, passando por chaminés fumegantes da indústria siderúrgica e as barulhentas cidades universitárias e remotas fazendas de criação de suínos, a simples menção do presidente Donald Trump, que tentará a reeleição, bastou para provocar intensas reações, embora para além das características pessoais, muitos queiram falar a fundo de temas que os preocupam.

- "A Amazon está me matando" -

Em Ashtabula, Ohio, Mary Wilson, de 62 anos, comanda uma loja que vende uniformes médicos. Ela não tem mais forças para trabalhar como assistente de terapias ocupacionais, mas tampouco pode se aposentar.

Seus cachorros da raça Shih Tzu correm para saudar os clientes nesta cidade às margens do lago Erie, na fronteira com o Canadá. Aqui, os outros trabalhos disponíveis, embora abundantes, são postos de baixos salários em restaurantes ou na indústria do turismo de verão, diz.

A automatização à qual culpa por acabar com o emprego nas fábricas de Ohio também a afetou: agora, as pessoas compram pela Internet.

"A Amazon está me matando. Não paga impostos, mas usa as escolas, as estradas, a Polícia", afirma. "As empresas locais contam com o apoio dos moradores que compram ali. Mas os mais jovens já crescem fazendo tudo 'on-line'. Essa é a tendência e é assim".

Wilson apoia os esforços do Partido Democrata de ampliar o acesso à atenção médica, mas o condado de Ashtabula votou em Trump em 2016, atribuindo ao republicano uma vitória de quase 19 pontos onde duas vezes antes havia vencido o democrata Barack Obama.

Mais de 200 condados elegeram Trump em 2016 depois de votar em Obama, principalmente nos estados do norte semi-rurais, mais afetados pelo declínio industrial e pela epidemia de dependência de opioides que castiga o país.

Na região do carvão na Pensilvânia, chave para selar a inesperada vitória de Trump, Floyd Macheska, um mineiro da terceira geração, se diz democrata. Mas critica a prioridade que o partido dá às energias renováveis, questionando o consenso científico de que o mundo esquenta perigosamente.

"Sempre disseram que os democratas estavam lá pelos trabalhadores, o que não é 100% verdade. As coisas mudaram nos últimos seis ou quatro anos", diz Macheska, que sofre de pulmão negro devido aos anos de trabalho em minas.

"No passado no chamaram de camponeses. E muita gente se ofendeu com isso. Então, ficaram mais conservadores", diz, com a voz rouca.

- Latinos dispostos a votar -

Embora Trump tenha atraído os eleitores cansados do "status quo", sua Presidência também polarizou o país. As minorias sentem isso especialmente.

Durante a campanha de 2016, Trump propagou uma teoria infundada de que Obama o primeiro presidente negro do país, teria nascido na África, e prometeu manter afastados os imigrantes mexicanos e muçulmanos.

Cerca de 13,6% da população americana tem origem estrangeira e em pequenos povoados distantes das cidades é cada vez mais fácil encontrar lojas mexicanas ou vietnamitas. E os únicos médicos podem ser indianos.

Roselia Ocampo, de 28 anos, que administra o restaurante mexicano da família em West Liberty, Iowa, a primeira cidade de maioria hispânica em um estado majoritariamente branco, não se envolveu muito em política há quatro anos.

Mas ficou surpresa quando uma tia com seus três filhos foi detida e obrigada a usar uma tornozeleira eletrônica antes de ser deportada para o México. "Comecei a pensar que talvez meu voto realmente conte", diz.

- Abismo racial -

Em uma escola de ensino médio de Genebra, Ohio, Kelly Bullock Daugherty acompanha seus filhos em uma competição de atletismo. Esta professora negra americana diz que seu filho mais velho foi detido enquanto batia de porta em porta com os colegas para arrecadar fundos. Alguém chamou a Polícia.

"Desde as eleições, como minorias em particular, ensinamos mais nossos filhos sobre as relações raciais. Infelizmente, é preciso saber como reagir em certas situações", afirma.

Outro afro-americano, Alvin Ross, dono de uma loja de carros usados, se diz assombrado em ouvir as pessoas usarem abertamente a "palavra n" para se referirem pejorativamente aos negros.

"Na minha opinião, este lugar nunca foi tão focado na raça", diz este homem de 56 anos, enquanto toma café da manhã em Charleroi, Pensilvânia. "Deixem os mexicanos em paz. Não incomodam ninguém. Trabalham mais que todo mundo".

Ross também se diz surpreso com as queixas pelas restrições do governo Trump aos cupons de alimentos, mas depois as pessoas que reclamam penduram o cartaz com o slogan do presidente, "Fazer os Estados Unidos grandes de novo".

"Quando as pessoas de cor veem estes cartazes, dizem a si mesmas, 'Aqui tem um racista'. Não há razão para votar em Trump quando você é pobre", acrescenta.

Para Ross, o único ponto sutilmente positivo a respeito de Trump é sua linha mais dura com as práticas comerciais da China.

Em uma mesa próxima, Tim Bailey, de 72 anos, diz ver as coisas de forma totalmente diferente. Ex-funcionário de uma siderúrgica que apoiou Bill Clinton e outros democratas, ele garante que muitas pessoas estão mal informadas sobre Trump.

Os principais veículos de comunicação não falam dos feitos do presidente, diz. E acrescenta que tampouco mostram seu ponto de vista sobre o tema da Ucrânia, pelo qual a Câmara de Representantes controlada pelos democratas acusou o presidente de abuso de poder e o levou ao julgamento político que enfrenta agora no Senado.

"A gente sabe mais das coisas na Fox do que na CNN. Na CNN, suprimem coisas", afirma. "Esses canais de televisão e jornais são progressistas. Querem impor sua agenda. As escolas também. Não ensinam mais nada sobre a nossa história".

- "Notícias falsas" -

Em cinco estados visitados, praticamente todos os partidários de Trump - que costuma denunciar os veículos críticos como porta-vozes de "notícias falsas" - disseram que costumam assistir ao Fox News, canal favorito do mandatário.

Muitos americanos disseram que apenas poderiam entrar em acordo sobre fatos comuns com vizinhos que acompanhavam as notícias pela Internet.

Toni Carlisle, que tem uma loja de presentes no revitalizado centro de Ashtabula, lamenta que o discurso político se tornou "desagradável, feio e defensivo".

Diante de um prato de tacos, após dirigir 25 km pois não há comida mexicana na cidade de Wilton, Iowa, Mike Collins, um sindicalista aposentado de 69 anos, assegura ter perdido amigos no Facebook por causa da política.

"Com a idade que eu tenho, nunca tinha visto as pessoas falarem de política como hoje", diz, culpando a "retórica que sai da Casa Branca" pelo clima tenso.

- "Vodca, Viagra, livros obscenos" -

A era Trump pode ter acabado com amizades, mas a gentileza persiste neste país dividido. A AFP se aproximou de dezenas de estranhos para perguntar sobre suas vidas e opiniões e ninguém foi descortês, mesmo quando não queria falar.

Em Aliquippa, Pensilvânia, que nunca se recuperou do fechamento de uma siderúrgica em 1984, amigos e familiares com desavenças políticas se reúnem com frequência para jogar boliche.

Os donos do estabelecimento, Richard D'Agostino e sua esposa, Jeannie, criaram um clima agradável e conquistaram a lealdade dos clientes com ofertas especiais. Criaram, inclusive, um espaço musical no sótão com um lema provocativo: "Vodca, Viagra, livros obscenos".

Como comerciante, Rick geralmente não toma partido, mas gosta de brincar de advogado do diabo sobre Trump. "Não sou realmente contra suas políticas econômicas, mas sua personalidade, seu tom irritante e algumas das coisas que faz, acho que levam as pessoas a odiá-lo", diz.

"Felizmente, não temos muitas brigas", completa, com um sorriso. "Temos pessoas que se insultam, mas normalmente é um ambiente muito bom".


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)