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Estado de Minas

Nigerianas lutam para criar seus filhos nascidos de estupros na Líbia


postado em 01/08/2019 15:31

Joy tinha apenas 18 anos quando deu à luz em um apartamento em Trípoli, sem ajuda nem médicos, apertando a mão de sua melhor amiga, com quem embarcou na perigosa travessia da Nigéria para a Europa.

O pai biológico do menino era um guarda líbio do centro de retenção em que estava. Quando ele propôs que ela fosse morar com ele, ela não soube dizer não.

Joy (nome fictício) se tornou sua escrava e, durante um ano, não pôde sair.

Quando ela ficou grávida, ele tentou por todos os meios enviá-la de barco a Itália, mas após várias tentativas infrutíferas, ameaçou matar ela e sua filha.

"Dizem que somos negras e que não somos muçulmanas, que não temos direito a ter seus filhos", conta a jovem, hoje com 19 anos.

Joy finalmente conseguiu fugir e se esconder na casa de sua amiga. Nunca havia visto um obstetra e tinha medo de ir ao hospital e sequestrarem sua filha. "Há muitas histórias assim".

"Lá podem te bater, maltratar, estuprar ou inclusive matar", explica na creche de um centro de formação da cidade nigeriana de Benin City (sul), onde vive agora.

- Pele clara -

Joy regressou a Nigéria no ano passado com sua filha, então de dois meses, graças a um programa de retorno voluntário de migrantes estabelecido pela Organização Internacional para as Migrações (OIM).

Graças a esse plano, mais de 14.000 nigerianos, 35% deles mulheres, regressaram da Líbia desde 2017. No entanto, não há estatísticas oficiais sobre a quantidade de crianças, "para protegê-las", segundo este organismo das Nações Unidas.

A OIM calcula que na Líbia ainda há 60.000 nigerianos e 600.000 migrantes de 39 nacionalidades diferentes, em sua maioria em centros de retenção, prisões, prostíbulos ou em centros clandestinos administrados por máfias ou milícias.

Joy vive agora em um centro de reintegração e sua filha, de um ano e meio, é a estrela da creche. A cor clara de sua pele faz com que se destaque entre o resto das crianças.

"Digo às pessoas que é filha de um branco", afirma Joy.

- "Crianças árabes" -

Em geral, os filhos dos migrantes nascidos de pai líbio são assassinados ou roubados de suas mães, ou estas não voltam nunca.

A grande maioria das crianças nascidas na Líbia que chegam a Nigéria são negras, fruto de estupros cometidos por outros africanos - traficantes de pessoas ou clientes dos prostíbulos nos que prendem as migrantes -, contam estas mulheres e as associações que trabalham com elas.

No entanto, na Nigéria as chamam de "crianças árabes", porque foram concebidas na Líbia.

"Algumas famílias dirão: 'Não quero estes pequenos árabes na minha casa'", conta Jennifer Ero, coordenadora nacional da Rede de Proteção da Infância, uma associação nigeriana.

"Quando elas vão embora é para ajudar sua família. Mas regressam, sem nem sequer ter chegado a Europa, com dívidas acumuladas para pagar sua viagem e, além disso, uma nova boca para alimentar", explica.

Ero, que também realiza acompanhamento psicológico em seu centro de proteção para mães jovens, afirma que todas as mães que voltaram da Líbia queriam abortar, mas não tiveram a oportunidade ou os meios. Algumas se mostram especialmente agressivas com seus bebês.

- Em alerta permanente -

Justice, muito pequeno para seu um ano e meio de idade, está sempre em alerta e quando vê sua mãe chorar, corre para junto dela.

Faith (nome fictício) tinha 19 anos quando ficou grávida no que ela chama de "gueto", umas edificações de Al Qatrun, no deserto do sul da Líbia, onde os migrantes se amontoam.

"Os traficantes nos mantinham lá até que nossas famílias pagassem o resgate", conta Faith. "Torturam os homens, penduram-os em cruzes como Jesus, queimam-os. E com as meninas se deitam o tempo todo".

Joy é uma dos mais de 14.000 nigerianos que deixaram a Líbia e voltaram para casa por meio da Organização Internacional para as Migrações. Muitas mulheres viajaram com crianças nascidas após estupros sofridos na tentativa de chegar à Europa.

Ela passou dias sem comer, em várias ocasiões. "Estava grávida e a fome me devorava por dentro", recorda entre lágrimas.

No fim, foi vendida como escrava sexual. "Fiquei na casa de um homem que abusou de mim até o último dia da minha gravidez", conta Faith enquanto o pequeno Justice se mostra preocupado ao seu lado. "Se me negava, não me dava comida, não me levava ao hospital e me batia".

Faith ainda não encontrou trabalho na Nigéria e tem dificuldade para reconstruir sua vida em um país em que a imensa maioria da população vive abaixo da linha da pobreza.

"Mas digo a mim mesma que enquanto meu filho e eu estivermos vivos, há esperança", afirma.


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