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Estado de Minas

Uigures exilados em todo o mundo vivem à sombra da ameaça chinesa


postado em 25/07/2019 15:19

Os muçulmanos uigures que fugiram da repressão na região chinesa de Xinjiang ainda vivem com medo.

Viver no exterior e ter um passaporte ocidental não é suficiente para que se sintam protegidos e livres da impiedosa campanha chinesa de intimidação.

Textos e mensagens de áudio inquietantes ou ameaças explícitas a parentes que ainda vivem em Xinjiang demonstram que a sombra do poderoso aparato de segurança do Estado chinês vai longe. A tentativa de silenciar os opositores e recrutar informantes chega a democracias tão longínquas como os Estados Unidos e a Nova Zelândia.

Grupos de defesa dos direitos humanos suspeitam que a China tenha internado até um milhão de pessoas, uigures e outros membros de minorias sobretudo muçulmanas, em campos de reeducação chineses.

Aqueles que conseguiram fugir e se estabelecer no exterior explicam que isto não lhes dá segurança, e se queixam de que tanto eles quanto suas famílias sofrem com um assédio à distância que os leva ao desespero.

Guly Mahsut, de 37 anos, que fugiu para o Canadá, conta que teve vontade de se matar e foi hospitalizada depois de receber uma saraivada de mensagens da polícia de Xinjiang, ameaçando sua família.

"Você deveria ter sido mais colaborativa. Não seja a causa da desgraça dos seus entes queridos e da sua família em Toksun. Deveria ter sido mais atenta à sua família", diz uma das mensagens.

Ela acha ter sido alvo da Polícia por ter denunciado as autoridades de Pequim na Internet e ajudado outros uigures a buscar ajuda no exterior.

Recebeu também mensagens de seus familiares, de sua irmã mais velha, implorando que abandonasse as atividades políticas e cooperasse com as autoridades.

Uma investigação da AFP revelou recentemente que inclusive os uigures radicados na França sofrem pressões das autoridades chinesas.

- Números usurpados -

A agência entrevistou mais de uma dezena de exilados em quatro continentes e teve acesso a múltiplas mensagens atribuídas aos serviços de segurança chineses. Tudo aponta para uma campanha sistemática de Pequim para se infiltrar na diáspora no mundo todo, recrutar informantes, gerar desconfiança e sufocar as críticas ao regime.

Shir Muhammad Hassan, de 32 anos, conseguiu chegar à Austrália em 2017. Na condição de refugiado, pensou estar a salvo. No entanto, apenas um ano depois, começou a receber mensagens sinistras.

"Suponho que a sua família já tenha dito que estou te procurando", diz a primeira mensagem. Outros textos a seguiram, pedindo-lhe que enviasse detalhes sobre sua vida antes de exigir um encontro "para se conhecerem".

"Pedi que me enviasse um breve resumo sobre o senhor, mas não o fez", escreveu o autor da mensagem em dialeto uigur, pontuado pelo mandarim falado na China. "Temos que nos sentar e conversar".

Este bombardeio durou seis meses e parou abruptamente. Angustiado, o jovem não sabe se, nem quando, seu tormento vai recomeçar.

A AFP não tem como verificar a identidade dos remetentes das mensagens, enviadas de contas cifradas do WhatsApp, vinculadas a celulares inativos de Hong Kong ou às vezes a números usurpados.

Perguntada sobre esta investigação, a porta-voz do ministério chinês de Relações Exteriores, Hua Chunying, declarou que os testemunhos da diáspora uigur "não têm fundamento" e que procedem de "críticos profissionais" que tentam sair e caluniar a China.

No entanto, existem semelhanças assombrosas no modus operandi descrito pelos exilados. De cara, são contatados pela família em Xinjiang, depois são as pessoas próximas as que fazem as perguntas e, por fim, são diretamente contatados por suspeitos de pertencer a serviços chineses através de um programa de mensagens seguro.

Um uigur que mora com a esposa nos Estados Unidos diz que pediram a seus familiares em Xinjiang "informação sobre minha escola, minha condição, como pude ir para o exterior".

"Quando perguntei por que precisavam desta informação, me disseram que tinham que preencher um formulário", explicou.

- O salário dos espiões -

Os serviços de segurança pediram a outras famílias de Xinjiang os números de telefone dos exilados, dando início a campanhas de assédio.

Estas práticas têm efeitos devastadores para muitos exilados, paralisados pelo pânico do que poderia acontecer com seus familiares na China caso não se submetam.

Arslan Hidayat mora em Istambul. Não foi assediado diretamente, mas trolls nacionalistas invadiram sua página no Facebook.

Apesar de ter nascido na Austrália e querer falar, seus parentes mais velhos, inclusive sua sogra - cujo marido está preso - acreditam que guardar segredo vai conter a ira das autoridades.

Os esforços chineses por criar redes de informantes também são motivo de atrito e desconfiança entre as comunidades uigures no exterior.

Durante a maior parte da última década, pedia-se muita informação delicada aos estudantes uigures que ganhavam bolsas de estudo no exterior. Alguns acreditam que o que lhes demandavam na verdade era que fossem espiões.

"Ao pedir uma bolsa, os solicitantes devem dar informação detalhada sobre sua família na China, mas também sobre seus estudos, sua vida, suas atividades no país anfitrião", diz um estudante de doutorado que agora mora na Austrália.

"Uma condição para obter a bolsa é manter contato estreito com a embaixada da China e com um contato da Secretaria de Educação de Xinjiang", explica.

O estudante acrescenta: "isso pode servir para reunir informação sobre os solicitantes e suas famílias ou pior, é o salário de um espião disfarçado de bolsa".

- "Podemos te encontrar" -

Segundo James Leibold, especialista em relações étnicas na China e professor da Universidade La Trobe de Melbourne, a intimidação é metódica.

"O alcance do Estado-Partido chinês é hoje muito maior. Viola de uma certa maneira a soberania de diferentes países através do mundo, ao se intrometer na vida dos cidadãos desse país", afirma.

Pequim quer que os exilados "se calem sobre estes assuntos, que se abstenham de fazer pressão na classe política local, de falar com a imprensa, de causar problemas a embaixadas e consulados da China", continuou Leibold.

Meios de comunicação têm reportado campanhas similares contra os tibetanos, os dissidentes, os militantes taiwaneses, os membros da seita proibida Falun Gong e os estudantes chineses no exterior.

Alguns uigures, inclusive aqueles que têm nacionalidade estrangeira ou uma permissão de residência permanente, acreditam que não há forma de escapar do Estado policial chinês.

Nos últimos cinco anos, Tailândia e Egito detiveram uigures e os devolveram à China. Mas a vida tampouco é cor-de-rosa em democracias como a Nova Zelândia ou a Finlândia.

Shawudun Abdughupur, de 43 anos, fugiu para Auckland após presenciar os violentos distúrbios interétnicos de julho de 2009 em Xinjiang.

Embora seja cidadão neozelandês, ele não gosta de falar em público: teme o que possa acontecer a ele, mas também à sua mãe de 78 anos. Acredita que esteja em um campo.

"Não posso contar muito", diz à AFP em sua primeira entrevista filmada, lutando para conter as lágrimas. "Não sei se o governo da Nova Zelândia pode me proteger. Como poderiam me proteger?"

Depois de se negar a dar detalhes de suas reuniões com outros uigures, recebeu uma mensagem inquietante: "Podemos te encontrar. Estamos na Nova Zelândia".

- 'Não me sinto seguro' -

Quando Abdughupur denunciou o incidente à Polícia neozelandesa, o trataram como se fosse uma ligação qualquer, remetendo-o à organização de segurança on-line sem fins lucrativos Netsafe, que o remeteu novamente às forças de ordem.

A Polícia neozelandesa, assim como outras do mundo todo, disse que não podia discutir os casos por questões de privacidade.

Halmurat Uyghur, um jovem de 35 anos que mora no norte de Helsinque, disse que em várias ocasiões denunciou mensagens ameaçadoras à Polícia finlandesa, mas nada mudou.

"Não me sinto seguro, quem sabe o que vai acontecer depois?", questiona.

Um ex-alto funcionário da segurança nacional americana confirmou que a questão da perseguição chinesa aos chamados "fugitivos" no exterior foi apresentada a Pequim "através dos canais das forças de ordem e também no mais alto nível".

Autoridades americanas admitiram estar a par de notícias de intimidação contra os uigures nos Estados Unidos, mas se negaram a fazer comentários a respeito.

Ben Rhodes, que trabalhou oito anos como auxiliar de segurança nacional durante o mandato do presidente de Barack Obama, afirma que as democracias poderiam mitigar algumas ações da China, mas os aliados teriam que "cerrar fileiras".

Pequim é "geralmente intransigente sobre a coisas que sente que são assuntos internos", diz.

"A forma de enfrentá-la realmente seria que os Estados Unidos reunissem outros países para encarar coletivamente os chineses neste assunto", acrescenta.

-- Com a colaboração de jornalistas da AFP em Auckland, Bangcoc, Berlim, Pequim, Cairo, Hong Kong, Istambul, Melbourne, Washington e Wellington --


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