Autoridades da Nicarágua libertaram, nesta terça-feira (24), dezenas de jovens presos nos protestos da última semana, além de terem retirado o bloqueio à transmissão de uma última emissora censurada, abrindo caminho para o diálogo.
A proposta de diálogo nacional para superar a crise parece avançar com a decisão dos bispos católicos de mediar o processo, o que foi saudado pelo presidente nicaraguense, Daniel Ortega, e pelo secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro.
O arcebispo de Manágua, Leopoldo Brenes, aceitou servir de "mediador e testemunha" do diálogo, mas insistiu em que o governo "evite qualquer ato de violência".
Ortega manifestou "sua gratidão, em nome das famílias nicaraguenses e do governo (...), pela disposição (dos bispos) de participar como mediadores e testemunhas destes importantes eventos da história presente da Nicarágua".
Almagro congratulou os bispos e fez votos para que o diálogo "gere resultados para resolver os temas institucionais que afetam o país".
Os protestos, com saques e violentos choques entre manifestantes e polícia, deixaram pelo menos 27 mortos, segundo o governo.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos pediu que "as autoridades nicaraguenses assegurem que haja investigações em breve, profundas, independentes e transparentes sobre essas mortes".
Dezenas de manifestantes tinham sido presos desde o início dos protestos, na quarta-feira passada, contra a reforma do sistema previdenciário, um decreto finalmente revogado pelo presidente Daniel Ortega no domingo, embora o clima de tensão tenha permanecido.
A vice-presidente Rosario Murillo anunciou na segunda que o governo tinha aceitado libertar os jovens presos a pedido do arcebispo de Manágua, o cardeal Leopoldo Brenes, a fim de criar um clima propício ao diálogo, para buscar uma saída à turbulência no país.
As autoridades do sistema penitenciário "não querem reconhecer a quantidade de detidos, mas os que foram libertados afirmam que são centenas de presos em celas lotadas", apontou Carrión.
O governo de Donald Trump considerou "repugnante" a violência política desatada, em particular contra estudantes universitários, que atribuiu a "valentões pró-governamentais".
"Os Estados Unidos condenam a violência e a repressão propagadas pelo governo da Nicarágua e o fechamento de meios de comunicação", anunciou a Casa Branca em comunicado.
"A administração se une à comunidade internacional nos chamados a um diálogo amplo e no apoio ao povo da Nicarágua, que almeja a liberdade de expressão política e as verdadeiras reformas democráticas que tanto merece", acrescentou.
A Comissão Interamericana dos Direitos Humanos lamentou as mortes durante a repressão aos protestos e pediu ao governo de Daniel Ortega que investigue "de forma rápida e exaustiva" a resposta da força pública às manifestações e aplique as sanções correspondentes.
- Canal retoma transmissão -
Em outro sinal de distensão, a emissora privada 100% Noticias voltou a transmitir por seu sinal a cabo, após ser bloqueada pelas autoridades no começo das manifestações, quando transmitia os protestos ao vivo.
Quatro canais foram bloqueados, mas três deles recuperaram o sinal em menos de 24 horas.
Jaime Suárez, diretor de um dos veículos bloqueados, o Canal 23, comentou com a AFP que o bloqueio teve efeitos além do tempo fora do ar.
"Os anunciantes começaram a nos ver com receio, acham que se somos uma empresa que tem problemas com o governo, melhor não terem relação conosco", comentou.
Analistas consideram que a crise vivida na Nicarágua expôs a discordância com as tendências autoritárias do governo de Ortega e a necessidade de abrir espaços democráticos.
"As pessoas querem democracia, liberdade, eleições livres, um governo transparente, separação de poderes, Estado de direito, nós queremos liberdade", declarou o ex-chanceler nicaraguense Norman Caldera à AFP.
- Ortega e Somoza, iguais -
Os nicaraguenses parecem fartos depois das manobras de Ortega para conseguir sua reeleição em 2011 e em 2016, e concentrar o poder, controlar o Congresso, assim como a Justiça e o Tribunal Eleitoral.
"Daniel e Somoza são a mesma coisa", afirmavam alguns cartazes na marcha de segunda. O regime de Anastasio Somoza, cuja família governou a Nicarágua com mão de ferro, foi derrubado pela revolução sandinista em 1979.
"Fora Ortega e Murillo", também gritavam os manifestantes para exigir a saída do presidente e de sua mulher e vice-presidente, Rosario Murillo.
Porta-voz do governo, Rosario Murillo tentou acalmar os ânimos com frases como "temos a fé de sairmos unidos, que somos capazes de voltar a nos entender como nos tempos difíceis e retomar as formas de reconciliação".
- Menosprezo -
Os manifestantes se apoiaram nas redes sociais para fazer convocações, denunciar e publicar vídeos sobre a forma como seus companheiros tinham sido mortos, ou feridos, o que despertou uma indignação nacional. Isso lançou um desafio aos esforços do governo para controlar a informação em seus veículos de comunicação.
O ex-chanceler Caldera considerou que o primeiro passo para resolver a crise é abrir um diálogo inclusivo.
A Assembleia Nacional aprovou nesta terça, por unanimidade, um "chamado ao diálogo e à paz", disse o deputado oficialista Carlos López, enquanto ativistas exibiam cartazes em frente à sede legislativa.
O governo "deve se abrir à discussão dos mais básicos valores da democracia, a institucionalidade, o Estado de Direito e os direitos humanos", pediu Serrano.
Ortega convocou no sábado o setor privado a um diálogo, mas o poderoso Conselho Superior da Empresa Privada (Cosep) - que era seu aliado desde 2007, até o despertar dessa crise - condicionou o encontro ao fim da repressão, à libertação dos detidos nos protestos e à inclusão de todos os setores da sociedade.