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Estado de Minas

Aos 104 anos, Marko Feingold relembra anexação da Áustria por nazistas


postado em 19/03/2018 09:54

"Antes do 'Anschluss' (a anexação), os austríacos já usavam a insígnia nazista oculta na lapela da jaqueta". Marko Feingold, um sobrevivente do Holocausto de 104 anos, fala sobre a anexação de seu país por Hitler em 1938. E do antissemitismo do Pós-Guerra.

"O antissemitismo já estava muito presente nos anos 1920". Havia tamanha pobreza "que 80% dos austríacos celebraram o 'Anschluss'", recorda esse homem nascido antes da Primeira Guerra Mundial e que ainda preside a comunidade judaica de Salzburgo, no oeste do país.

Para fugir da miséria, ele foi viver na Itália nos anos 1930. Marko Feinglod estava em Viena para realizar trâmites administrativos quando as tropas alemães entraram, triunfalmente, na capital. Foi em 13 março, há 80 anos.

Com 24 anos, não tinha "a menor ideia" do que estava por vir. A cidade ficou mergulhada em uma euforia própria de um carnaval.

Logo veio, porém, a cruel realidade.

"Dizem que foi a Alemanha que ocupou a Áustria. Na realidade, foram as austríacas que ocuparam os alemães. Cada soldado tinha enxames de mulheres a seu redor", lembra.

- 'Três meses de vida' -

A partir de 13 de março, as coisas se complicam.

"A Gestapo veio prender meu pai, que constava em uma lista elaborada de antemão porque era suspeito de atividades políticas. Como ele não estava, levaram eu e meu irmão", completou.

"Eles nos levaram e, depois de três semanas, nos deixaram em liberdade com a ordem de deixar o país", acrescentou.

Depois de várias peregrinações, foram detidos em Praga e deportados para Auschwitz, em 1940.

"Os trens paravam a dois quilômetros do campo. A gente tinha que caminhar sob as coronhadas das SS. Me disseram que eu tinha três meses de vida. Era verdade: ao fim de dois meses e meio estava prestes a morrer de esgotamento, quando, por sorte, fiz parte de um comboio com destino a Neuengamme".

Com número de matrícula 11.996, mais tarde Marko Feingold foi transferido para outros dois campos de concentração - Dachau e Buchenwald -, onde sua vida foi salva por ser pedreiro.

A libertação do campo pelos americanos em abril de 1945 não significou seu retorno para Viena.

"No campo, havia (pessoas de) 28 países. Todas conseguiram ir embora, menos os austríacos, que tiveram de ficar em Buchenwald até maio", afirmou.

- "Os judeu, não" -

Quando tentou voltar à capital com outros 127 sobreviventes, foi impedido de transitar pela zona de ocupação soviética.

"Um soldado russo nos disse que tinha ordens de não nos deixar passar: o novo chanceler (socialdemocrata) Karl Renner havia dito: 'Não aceitaremos os judeus de volta'", relembra.

Único sobrevivente de sua família, Feingold se estabeleceu em Salzburgo, em zona americana. De lá, criou uma rede que até 1947 permitiu a "100.000 judeus emigrarem para a Palestina" através da Itália.

O antissemitismo era onipresente no país, o qual, ao contrário da Alemanha, acomodou-se por muito tempo no papel de "vítima" do Terceiro Reich, sem querer ver seu papel no Holocausto.

"Tive que me justificar para funcionários ex-nazistas sobre minha situação administrativa durante minha deportação", conta ele.

Além disso, "era impossível achar trabalho. Alguém que voltava dos campos (de concentração) era forçosamente um criminoso. Tive que trabalhar por conta própria". Em Salzburgo, ele montou uma loja de roupa que prosperou.

E Marko se negou a emigrar.

"Me fizeram essa pergunta milhares de vezes e eu sempre respondo: 'Irei para Israel no dia em que vocês (católicos) forem a Roma'".

- Uma chance para a extrema direita -

Sempre que pode ele dá seu testemunho sobre o ocorrido, como se fosse uma promessa feita em Auschwitz. Apesar de sua avançada idade, dá conferências e fala em colégios.

"Acho que, ao todo, devo ter falado para meio milhão de pessoas", estima.

Resultado? "Continua havendo antissemitismo, embora as pessoas não saibam por que são antissemitas. Mas tenho a sensação de que recua nas grandes cidades", diz ele.

A comunidade judaica de Salzburgo tinha 600 membros depois da guerra. Agora, são cerca de 30. Nos anos 1960, "muitos emigraram, porque acharam que seus filhos não encontrariam seu lugar na Áustria".

No final da década de 1970, houve uma mudança.

"Desde essa época, me cobrem, literalmente, de honras oficiais", afirma Marko Feingold.

A próxima homenagem será em 28 maio, quando o jovem chanceler conservador Sebastian Kurz e o vice-chanceler de extrema direita Heinz-Christian Strache (chefe do partido FPÖ) vão recebê-lo por seus 105 anos de vida.

A comunidade judaica de Viena decidiu boicotar os dirigentes desse partido criado por antigos nazistas, mas Feingold acredita que "sempre é bom falar com as pessoas e lhes dar uma chance".


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