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Estado de Minas

Cortes na preservação ambiental são novo predador da Amazônia brasileira

Este ano, Michel Temer anunciou um corte de 43% no orçamento do Ministério do Meio Ambiente


postado em 13/10/2017 08:37 / atualizado em 13/10/2017 09:17

(foto: Gustavo Marcondes/CB)
(foto: Gustavo Marcondes/CB)

Seis dias antes do previsto, Benedito de Souza removeu a areia, em busca do ninho de tartarugas-da-amazônia que escondeu semanas atrás dos predadores. Estava tão escondido que demorou a encontrá-lo e, quando conseguiu, se surpreendeu com as dezenas de filhotes em debandada.


Durante a seca, o sinuoso rio Purus, ao sul da Amazônia brasileira, recua, deixando em descoberto vastas praias onde milhares de tartarugas desovam a cada ano. Das embarcações são visíveis as pegadas, um rastro que os caçadores aproveitam, o que deixa Benedito obcecado.


"São como meus filhos", diz, à beira das lágrimas, improvisando um saco com sua camiseta para recolher rapidamente os velozes répteis, os primeiros a nascer na temporada.


Este líder comunitário fez seu primeiro curso ambiental em 2007 e, com outros vizinhos, cuida das margens na reserva protegida Médio Purus durante a desova, entre junho e novembro.


As tartarugas-da-amazônia, que chegam a medir um metro, ainda não são consideradas ameaçadas, mas "de fato estão", esclarece Roberto Lacava, diretor do Programa Quelônios da Amazônia, vinculado ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama), visa a proteger as espécies amazônicas de tartarugas em seus hábitats de forma sustentável.


Com apenas vinte funcionários para oito estados, o programa depende de voluntários no Amazonas que, com uma superfície maior que a do vizinho Peru, representa um desafio em particular.


Ali se inserem os moradores do Médio Purus que desde 2014 perderam apoio econômico do Ibama. Vendo a atividade ilícita como mais rentável, voluntários treinados aproveitaram seus conhecimentos para virar traficantes.


"Muitos esperavam ser remunerados e como não foram, se tornaram predadores", explica Benedito, acomodando os filhotes em um tanque para levá-los a um lago, aumentando suas chances de sobrevivência.


Este ano, o governo anunciou um corte de 43% no orçamento do Ministério do Meio Ambiente, ao qual o Ibama está vinculado, e o presidente Michel Temer vem colecionando críticas sobre seu posicionamento no tema ambiental.


"De fato é uma preocupação bem grande. Houve uma redução bem drástica, teremos que enviar menos servidores a campo e isso pode se mostrar, ter algum impacto grande nos resultados que a gente vem obtendo", avalia Lacava.


"Sem pernas"


O cacique Zé Bajaga é coordenador técnico da Fundação do Índio (Funai) em Lábrea, cidade situada no Médio Purus. "Aqui é difícil. Estamos sem recursos, sem pessoal e sem pernas para cuidar da região", diz.


Bajaga acaba de voltar da primeira operação de fiscalização ambiental na área desde 2015. "O ideal seria realizar três por ano, mas por falta de recursos, terminamos fazendo uma a cada dois anos", lamenta.


Após quase um mês rio acima, em um trajeto que remete a imagens de "Fitzcarraldo", de Werner Herzog, Bajaga constatou que as populações de quelônios e peixes não haviam aumentado em vários locais, devido à captura ilegal.


"O comércio ilegal cresce na ausência do Estado", afirma Ana Torres, coordenadora do Programa de Manejo de Pesca do Instituto Mamirauá, baseado em Tefé, Amazonas.


O programa de proteção iniciado em 1997 tem entre seus protagonistas o pirarucu, ameaçado desde 1975, segundo a lista de espécies ameaçadas da convenção Cites.


Com dezenas de dentes e escamas tão grandes e duras que são usadas pelos ribeirinhos como lixa de unhas, o pirarucu, que chega a pesar 220 quilos e medir quase três metros, é um dos maiores peixes de água doce do mundo.


"Se consideramos os números em termos de estoque, poderíamos dizer no estado do Amazonas que recuperamos a população", afirma Torres.


No Médio Purus, o pirarucu é encontrado em 200 lagos, mas só 16 têm programas de manejo, explica José de Oliveira, gestor local do Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade (ICMBio).


No lago da Sacada, o primeiro a adotar o programa de manejo na reserva, Ednildo de Souza - filho de Benedito - e Cristóvão de Breto pescam.


"Melhorou quando se legalizou", afirma Ednildo, enquanto ergue um peixe que se revira na rede. "Só 50 quilos, é pequeno", avalia, antes de soltá-lo. O manejo só permite pescar exemplares com mais de 1,5 metro.

Desastre ecológico

Durante a seca, o acesso aos lagos é estreito, limitando a passagem de grandes embarcações. No entanto, Zé Bajaga afirma que o tráfego está aumentando.


"Sem vigilância, o programa de manejo perde força. Aqui precisamos, pra ontem, de uma força-tarefa", diz.


Para as tartarugas-da-amazônia, o panorama não é diferente.


"Apenas um ano sem vigilância pode ser suficiente para que a espécie se extinga localmente", diz Lacava.


"O Estado sempre esteve ausente e nunca houve uma política de investimento ambiental de fato (...) Nosso enfoque é o que a gente pode fazer para mudar isso", explica Ana Torres.


Além do tráfico, fatores climáticos e a construção de hidroelétricas na Amazônia ameaçam os animais, diz Lacava. No sul do município também avança o desmatamento.


"A situação aqui é muito perigosa", alerta Zé Bajaga. "Estamos à beira de um desastre ecológico".


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