Ferney Santa sabe a dureza que é recomeçar. Por duas vezes teve que abandonar suas terras pelo conflito armado na Colômbia e seguir adiante em cidades hostis, mas hoje, de volta à casa, acredita na paz e abre seus braços àqueles que lhe tiraram tudo.
Como deslocados "nós tivemos que lutar contra isso (...) para poder sobreviver", disse à AFP este camponês de 51 anos em sua propriedade em Trujillo, 120 km a sudoeste de Cali, de onde saiu ao ser perseguido em 1998 pelo Exército de Libertação Nacional (ELN, guevarista) e em 2005 por milícias irregulares de extrema-direita.
Agora essas "pessoas necessitam também sair dos grupos (armados) para poder trabalhar e subsistir. Além disso, a vida armada não deve ser muito boa", aponta sobre a reincorporação de ex-combatentes na sociedade após o processo de paz que o governo avança com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc, marxista), e os anunciados diálogos com o ELN, segunda guerrilha do país.
Como Ferney, milhares de vítimas do conflito armado de mais de meio século na Colômbia preparam-se para se reencontrarem com seus agressores, desta vez sem armas.
"Logo que houver a assinatura de paz não teremos que voltar a nos preocuparmos com esses grupos", afirma Santa, que se declara disposto a conviver com os reinseridos. "Desde que eles estejam com vontade de trabalhar, eu também trabalharia com eles", assegura.
"Que não voltem a repetir o que vivemos nesse período (...) mas ele merecem uma segunda oportunidade", concorda Alba Santa, também deslocada pela violência e vizinha de Ferney, ainda que não sejam parentes.
Esta camponesa de 62 anos teve que fugir com sua família em 1990 e ficar em um município a 150 km de suas terras após ameaças de grupos paramilitares, surgidos nos anos 1980 para combater os rebeldes e desmobilizados há uma década.
Acusaram-nos em uma "fofoca de ajudar a guerrilha", relata com indignação, ao relembrar como no início fizeram pouco caso das intimidações, mas começaram a levá-las a sério quando as "pessoas começaram a desaparecer".
"Nós sentimos muito medo de tudo, mas não temos tanta (vontade de) vingança contra eles porque nossa família não desapareceu",acrescenta.
Razões para desconfiar
Para o diretor da estatal Unidade de Restituição de Terras (URT), Ricardo Sabogal, os deslocados "têm razão" para serem desconfiados com os ex-combatentes ou com o Estado, pois se sentiram desprotegidos "e por isso os vitimizaram".
"Você pode fazer o maior esforço militar do mundo, mas se você não conseguir gerar um ativo, uma renda para essas famílias, esse filhos serão muito facilmente engajados em expressões ilegais. O que determina que nunca mais isso vai acabar (...) é gerando uma renda sustentável, uma casa, uma titulação", assegura à AFP.
Ferney e Alba engrossam a lista de vítimas de deslocamento interno na Colômbia, que hoje soma 6,9 milhões, o maior número do mundo segundo a ONU.
Mas seus casos não são isolados nesta região do Valle del Cuaca, atingida pelo conflito armado desde o fim dos anos 1980 e até meados de 2013, por ser um "corredor estratégico" para o tráfico de drogas que tem financiado os rebeldes.
Assim diz à AFP o tenente-coronel Fernando Caicedo, comandante do Batalhão do Exército encarregado dessa área, que os qualifica de "livres grupos armados".
No Valle del Cuaca, onde desde 1985 até 2016 pelo menos 328.000 pessoas foram deslocadas pela guerra interna, a URT devolveu a seus proprietários 7.200 hectares, de 189.036 que tem a sentença restituitória em todo o país.
"Tudo está muito bem e já não vê grupos armados", diz Alba, que antes cultivava café e agora acrescentou a criação de gado e piscicultura após o acompanhamento da URT, lhe intitulou suas terras, outorgando créditos para projetos produtivos.
A camponesa recorda com medo as épocas de medo e angústia, mas ela se esforça para esconder a esperança quando menciona o tempo de paz que pode vir. "Já pode ser que Deus queira que não haja mais guerra, que acabe o conflito armado", sustenta.