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Estado de Minas

Saída dos britânicos da União Europeia respinga em brasileiros

Turbilhão do Brexit começa a pesar no bolso de pessoas que vivem legal ou ilegalmente na Inglaterra, com a desvalorização da libra. Xenofobia também é preocupante


postado em 06/07/2016 07:50 / atualizado em 06/07/2016 08:04

Apesar de londrinos defenderem a permanência na UE, no referendo a maioria do Reino Unido optou pela saída(foto: Niklas Hall/AFP)
Apesar de londrinos defenderem a permanência na UE, no referendo a maioria do Reino Unido optou pela saída (foto: Niklas Hall/AFP)
Londres – O referendo que decidiu pela saída do Reino Unido do bloco de 28 países que formam a União Europeia já causa reações também entre a comunidade brasileira que vive na Inglaterra. Atentos às mudanças que podem surgir com o rompimento das relações livres até então mantidas pelo grupo, brasileiros em situação legal, aqueles ilegais ou mesmo os que desejam vir para a Grã Bretanha temem ser afetados por regras mais rigorosas de controle de imigração. Também refutam o que classificam como o “caráter xenofóbico” da medida e se sentem ameaçados pela desvalorização da libra esterlina frente a outras moedas, principalmente o real. É que, como muitos brasileiros estão na terra da rainha Elizabeth II com o objetivo de poupar dinheiro para enviar ao Brasil, a queda no valor da moeda britânica pode significar prejuízo.

Nesta semana, a reportagem do Estado de Minas repercutiu, em Londres, a histórica decisão tomada pelos britânicos em 23 de junho, quando a maioria deles votou a favor do “out”. A negociação da ruptura, nomeada de Brexit – fusão das palavras saída (exit) e britânica (Br, na abreviação), – em inglês, deve durar dois anos. Entre os votos apurados nos 382 distritos do Reino Unido, a saída foi aprovada em 51,9% deles, contra 48,1% contrários à decisão.

Desde então, é grande o impacto nos mercados financeiros. A libra vem progressivamente seguindo em tendência de baixa. Na comparação com o real, a moeda que valia R$ 5 em 23 de junho, chegou, na segunda-feira, à cotação de R$ 4,15, com queda de 17% em apenas 11 dias. Ontem, a libra era cotada a R$ 4,30.

Lunarde de Oliveira, de Contagem, não acredita na perda de receita de sua empresa de eventos, mas teme a queda no valor da libra (foto: Arquivo pessoal)
Lunarde de Oliveira, de Contagem, não acredita na perda de receita de sua empresa de eventos, mas teme a queda no valor da libra (foto: Arquivo pessoal)
É essa reação de queda que preocupa o empresário Lunarde de Oliveira, de 33 anos, que vive em Londres há quase uma década e que somente há um ano conseguiu legalizar sua situação, depois de se casar com um inglês. Natural de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, ele está confiante de que a Lunarde Martins Event Co, sua empresa especializada em eventos, não será afetada por questões econômicas advindas da ruptura. Mas, o mineiro teme pela perda de valor do dinheiro que envia periodicamente ao Brasil. “Não acredito em baixa nos negócios porque Londres é uma cidade cosmopolitana e muito aberta ao turismo. Mas a queda no valor da moeda é preocupante”, avalia.

O interesse econômico também pesa na meta traçada pela faxineira S.C, de 50 anos, natural de Goiânia (Goiás), que entre idas e vindas ao Brasil, acumula 10 anos morando ilegalmente em Londres. Ela conta que chegou à capital da Inglaterra em um momento muito conturbado de sua vida e que, na primeira vez, teve que começar do zero. Nas duas viagens seguintes, já chegou à 'terra da rainha' com a conta bancária no vermelho.

“O investimento pra vir foi muito alto porque em uma das vezes tive que pagar para pessoas me buscarem de carro em Paris, para fugir da imigração, pois já havia sido barrada no aeroporto de Londres. Na outra, paguei para atravessadores me encontrarem no aeroporto. Nesta última vez, em 2014, acumulei muitas dívidas e somente neste ano comecei a guardar algum dinheiro. Com a queda no valor da libra, minha meta de economizar para retornar ao Brasil em três anos fica ainda mais distante”, afirma.

A faxineira, que cobra 12 libras por hora e chega a trabalhar 10 horas por dia, diz ainda estar preocupada com aumento do rigor para pessoas em situação ilegal no país. “Eu já tive a imigração (funcionários do órgão) na minha porta. Eles tocaram a campainha por 40 minutos e eu não atendi e depois mudei de endereço. Ando em alerta na rua e evito locais em que possam ocorrer brigas para não ser pega pela imigração. Com essa ruptura com a União Europeia, vou ficar ainda mais atenta porque tenho medo de ser deportada”, disse. Ela acredita que, como o cerco deve se fechar para imigrantes da União Europeia, brasileiros e pessoas e outras nacionalidades podem ser afetados por essa decisão na hora de passar pela fronteira da Inglaterra. “Com isso, penso que a corrupção que já existe, de venda de passaporte ilegal e casamentos pagos, deve aumentar”, avalia.

IMIGRAÇÃO
Outro aspecto levantado por brasileiros a respeito da ruptura do Reino Unido com a União Europeia é o que eles classificam como “limpeza étnica”. Na avaliação do chef de cozinha Aquiles Campos, de 47 anos, mineiro natural de Belo Horizonte, que vive legalmente em Londres há dois anos, o resultado do referendo não é um retrato do que pensam os moradores de Londres, mas sim do tradicionalismo do povo do interior. “Londres é uma cidade completamente aberta aos imigrantes”, observa. “Esse é um pensamento de uma direita conservadora, de moradores do interior da Inglaterra que de tanto valorizar sua cultura chegam a ser preconceituosos com pessoas que vêm de fora”, disse o mineiro, que no último domingo participava de um encontro de brasileiros com europeus no Hide Park, no Centro de Londres.

A gaúcha Juliana Wernes e Aquiles Campos, de Belo Horizonte, dançam no Hide Park, em Londres, e concordam que preconceito é maior no interior (foto: Valquíria Lopes/EM/D.A/Press)
A gaúcha Juliana Wernes e Aquiles Campos, de Belo Horizonte, dançam no Hide Park, em Londres, e concordam que preconceito é maior no interior (foto: Valquíria Lopes/EM/D.A/Press)
No mesmo evento, a bailarina gaúcha Juliana Wernes, de 31, disse ter entendimento parecido. “Londres não teve a mesma posição que a maioria do Reino Unido teve. Vejo que o motivo maior da saída do bloco é a xenofobia”, contou a brasileira, que chegou a Londres em fevereiro e tem um visto de turista.

Já o mineiro Edson Silvério Cruz, de 45, natural de Ipatinga, no Vale do Aço e que há três meses trabalha como motorista de uma empresa de peças automotivas em Londres, acha importante a rediscussão do sistema que une o bloco. Edson vivia na Itália antes de se mudar para Londres e já acumula 17 anos de vida na Europa. “Vejo que há uma preocupação da Inglaterra em controlar melhor a imigração, mas não acredito que vão fazer uma caçada a imigrantes na rua”, afirmou.

Enquanto isso....riscos em cascata


Ontem, o Banco da Inglaterra tomou medidas para movimentar a economia britânica e enfrentar os efeitos adversos do Brexit, que obrigaram dois fundos de investimentos imobiliários a suspender as atividades para frear a retirada de capitais. A primeira emissão da dívida britânica desde o referendo teve os juros mais baixos da história. O Comitê de Política Financeira da instituição decidiu rebaixar os fundos que os bancos devem salvaguardar para enfrentar turbulências. As medidas deveriam servir para que sejam destinados cerca de 150 bilhões de libras (US$ 197,24 bilhões) adicionais a empréstimos a famílias e empresas. Para conseguir isso, o BoE reduziu de 0,5% para 0% o colchão financeiro exigido dos bancos para contingências. Foi a terceira intervenção feita desde o Brexit. Também ontem, a ministra britânica do Interior, Theresa May, confirmou que é a favorita para substituir o primeiro-ministro David Cameron com sua vitória na primeira rodada da votação para a sucessão. Atrás de May está a ministra da Energia, Andrea Leadsom; seguida pelo ministro da Justiça, Michael Gove. A decisão deve sair em setembro.

Porta menos aberta

Entre os brasileiros, aqueles naturalizados em países da União Europeia que não incluam a Grã-Bretanha podem ser os mais afetados pelo Brexit. Essa é a avaliação do consultor de imigração da Associação Brasileira do Reino Unido (Abras), com sede em Londres, Ricardo Zagotto. A declaração faz parte de entrevista à rede de rádio brasileira CBN, publicada na página da entidade na internet. Segundo ele, como a livre movimentação entre moradores dos países do grupo deixará de ocorrer, é possível que a entrada seja mais difícil. “A previsão é que o próprio europeu tenha que pedir o visto. Ainda não se sabe o quão demorado isso será e quais serão os requisitos, mas se isso ocorrer, os brasileiros naturalizados em países-membros também serão afetados”, destacou.

A Abras não tem um estimativa do número de brasileiros nessa situação, mas de acordo com Ricardo, o último censo, de 2011, apontou que existiam 65 mil brasileiros vivendo no Reino Unido, incluindo vistos temporários.
De acordo com o consultor, os brasileiros reagiram com surpresa ao resultado do referendo. “A maioria acreditava na vitória da permanência”, lembrou. Ele afirmou ainda que, além da surpresa, há uma certa apreensão sobre o quanto os brasileiros serão afetados pela medida.

Residentes de forma legal em Londres, o casal de empresários brasileiros Ana e Rafael Cossetti, de 26 e 28 anos, já pressente que o rigor com moradores de países-membros fora do Reino Unido pode se acirrar. Ana conta que um dia após a votação do Brexit, o marido dela, naturalizado na Itália, foi submetido a um teste de italiano na entrada em Londres, depois de uma viagem de férias do casal. “Seria apenas uma coincidência ou já é o cerco que começa a se fechar?”, questiona Ana, que diz ter ainda outras muitas dúvidas sobre como serão as regras de imigração no país. (VL)

Memória

Sem justiça para Jean Charles

Jean Charles de Menezes, mineiro de Gonzaga, tinha 27 anos quando recebeu oito tiros da polícia britânica. Inocente, ele foi confundido com um terrorista árabe na estação de metrô de Stockwell, no Sul de Londres. O erro foi admitido, mas até hoje não houve condenados. A tragédia do brasileiro, que só queria juntar dinheiro para ajudar os pais, e que virou até filme, foi apenas uma amostra do temor alimentado pelos britânicos frente a migrantes e refugiados. Jean foi morto em 24 de julho de 2005, depois de viver três anos na capital da Inglaterra com visto de estudante. Hoje, há uma homenagem para ele, no metrô de Londres (foto).


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