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Estado de Minas

Jamaica ainda se adapta à descriminalização da maconha, em vigor desde abril

Mais recente país a descriminalizar a maconha, a ilha do Caribe se adapta a nova realidade, mas erva ainda segue marginal e é vendida com preços bem distintos para locais e turistas


postado em 31/05/2015 06:00 / atualizado em 31/05/2015 08:34

Um rastafári fuma um cigarro de maconha, na periferia de Kingston. Para a religião rasta, a ganja, como eles se referem à erva, é sagrada(foto: Daniel Camargos/EM/DA Press)
Um rastafári fuma um cigarro de maconha, na periferia de Kingston. Para a religião rasta, a ganja, como eles se referem à erva, é sagrada (foto: Daniel Camargos/EM/DA Press)

Kingston, Montego Bay e Nine Mile (Jamaica)
– Uma turista belga demonstra dificuldade em acender um graúdo cigarro de maconha. Faz um túnel com as mãos para evitar o vento, mas desiste e pede ajuda a outro compatriota mais jovem que integra o grupo. Com uma tragada forte, o jovem carbura o baseado e a senhora – que aparenta ser uma singela avó de família – inala a fumaça da erva, chamada pelos jamaicanos de ganja. O baseado na mão dela é apenas um entre os vários acesos no mausoléu de Bob Marley, na vila de Nine Mile, no condado de Sant Ann, um dos 14 do país caribenho. Para quem sai de Montego Bay, o paraíso turístico do país, o acesso ao mausoléu da lenda do reggae inclui uma estrada estreitíssima e sinuosa. A única forma de o motorista avisar a existência para um possível carro que surge após a curva na direção contrária é buzinar freneticamente.


A tensão provocada no caminho camicase talvez ajude a entender o mercado frenético de maconha na porta do mausoléu, pois, depois do sufoco, muitos querem apenas relaxar e desanuviar a mente. Mas outras razões não faltam. Os turistas estão na Jamaica, terra do reggae, dos rastafáris, do maior exportador de maconha para os Estados Unidos e onde a ganja é assunto presente entre a população, que discorre sobre os diferentes tipos, sabores e texturas. É como um mineiro de Salinas que fala dos aromas da cachaça ou um francês de Bordeaux filosofa sobre o retrogosto do vinho. Mas o mais importante: desde o início do mês passado a erva foi descriminalizada. Cada jamaicano pode portar 57 gramas e plantar até cinco pés da erva.

O que aconteceu na Jamaica é diferente do que ocorre no Uruguai. Durante o governo do ex-presidente José Mujica, nossos vizinhos foram os primeiros do mundo a legalizar a droga. Lá, qualquer cidadão pode plantar e usar. Se preferir, pode comprar de um mercado regulado – e taxado – pelo governo. Vários outros países já descriminalizaram a maconha, mas o que distingue a Jamaica é a quantidade permitida: 57 gramas ante a 5 gramas na Holanda, 8 gramas no Peru ou 20 gramas na Colômbia, por exemplo.

A montanhosa região de Nine Mile, onde Bob Marley nasceu, é uma das principais produtoras de ganja. Os pés de maconha são plantados entre outras culturas para escapar das patrulhas aéreas. “Se eles não fiscalizavam para valer antes, com a nova lei vão fiscalizar menos ainda”, diz um dos motoristas que aguarda um grupo de turistas na porta do mausoléu de Marley. A descriminalização não permite a venda e nem a produção em larga escala, sendo tolerado apenas para o consumo próprio.

Na estrada sinuosa em frente ao mausoléu, os vendedores oferecem cigarros enrolados. Começam pedindo US$ 20 por unidade. Se o cliente acha caro, a negociação é aberta e um cigarro pode ser vendido até por US$ 5. Vale destacar que o valor é uma cotação turística para a erva. No mercado real, de jamaicano para jamaicano, os preços são bem menos inflados.

Na periferia de Kingston, a capital do país, a reportagem do Estado de Minas presencia a compra de um pacote de maconha por US$ 5. A quantidade é suficiente para enrolar cerca de oito cigarros  generosos como os vendidos em Nine Mile. O local fica próximo ao gueto de River View e sem a ajuda de um jamaicano é praticamente impossível para um turista chegar ao ponto.

Os tipos mais comuns da maconha jamaicana são white ice, kush, purle skunk, mangonani (com leve cheiro de manga) e sensimilla, esta última a preferida de Bob Marley. A ganja é vendida da forma que é colhida, com a erva no galho e sem aditivos químicos comuns na maconha vendida no Brasil – a maior parte de procedência do Paraguai.

POBREZA E VIOLÊNCIA Kingston tem quase 1 milhão de habitantes, mais de um terço dos 2,8 milhões de moradores do país. A cidade não é um ponto turístico. Longe disso. Há quatro anos, foi tomada por uma onda de violência que deixou mais de 30 mortos em confrontos entre traficantes e policiais. O aeroporto da capital chegou a ser fechado. Nas ruas do Centro da cidade, o taxista aponta para uma parede ainda marcada por crivos de bala.

O Centro é próximo de Trenchtown, a favela onde Bob Marley cresceu. No gueto, quem desembarca do carro com máquina fotográfica a tiracolo é rapidamente abordado por alguém pedindo uma gorjeta. A nota de US$ 1 é a senha para que um senhor com cabelo rastafári sorria para a lente.
Trenchtown é citada por Marley nas clássicas Trenchtown rock e No woman no cry. Era lá que havia um terreno onde ele costumava se sentar observando os hipócritas misturados com as boas pessoas, como cantou no trecho de sua canção mais famosa: “Say I remember when we used to sit / In a government yard in Trenchtown / Observing the hypocrites / As they would mingle with the good people we meet”.

Hipocrisia, aliás, é uma boa palavra para explicar por que a maconha era criminalizada na Jamaica baseada em uma lei de 1948. A erva é considerada sagrada para o movimento religioso rastafári, surgido na ilha do Caribe na década de 1920. Os rastas vivem uma vida quase pastoril, longe da febre capitalista. Não cortam o cabelo e fazem o penteado que recebeu o nome do movimento, evitam aparar a barba, seguem uma dieta vegetariana e não usam drogas (a ganja não é um narcótico para eles, é claro!) e adoram Jah, deus que teria reencarnado no imperador etíope Haile Selassie I (1892-1975).

Um pacote é vendido nas ruas da capital jamaicana por US$ 5, equivalente a R$ 16(foto: Daniel Camargos/EM/DA Press)
Um pacote é vendido nas ruas da capital jamaicana por US$ 5, equivalente a R$ 16 (foto: Daniel Camargos/EM/DA Press)
CENTRO DE EXCELÊNCIA Após a descriminalização, os planos jamaicanos são ambiciosos. O Ministério da Justiça revelou, em comunicado oficial, que a descriminalização abre caminho para a criação de uma indústria legítima de maconha medicinal, com oportunidades e benefícios econômicos significativos. Em novembro, o país sediará pela primeira vez a Copa da Maconha (Cannabis Cup), um torneio para eleger as melhores cepas das plantas. Será realizado em Negril, no litoral Oeste da ilha.

“Se a Jamaica quer se posicionar como um centro de excelência para a pesquisa da ganja, o país deve ser o lugar de pesquisa e desenvolvimento da ganja”, já declarou o ministro de Ciência, Tecnologia, Energia e Mineração, Phillip Paulwell.

Uma das maiores universidades do país, a University of the West Indies (UWI) conseguiu licença para plantar maconha e criou um grupo para o estudo da erva, o Cannabis Research Institute. O propósito inicial é identificar os diferentes tipos da planta e como eles interagem com o corpo humano, além dos produtos derivados da Cannabis. “O trabalho do instituto vai ter também um impacto econômico direto nos pequenos fazendeiros da Jamaica, pois alguns serão contratados para produzir plantas de maconha para as pesquisas”, informa o diretor de comunicação da UWI, Carroll Edwards.

PACOTEIRA

57 gramas


É a quantidade de maconha permitida pela nova legislação jamaicana, a maior entre todos os países que já descriminalizaram a erva

“Se a Jamaica quer se posicionar como um centro de excelência para a pesquisa da ganja, o país deve ser o lugar de pesquisa e desenvolvimento da ganja’’ - Phillip Paulwell,  ministro de Ciência, Tecnologia,  Energia e Mineração da Jamaica


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