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Estado de Minas

O tempo marcado de Eduardo Galeano

Jornalista e escritor uruguaio morre aos 74 anos, vítima de câncer no pulmão. Consagrou-se com As veias abertas da América Latina, mas sua obra vai muito além da esfera política


postado em 14/04/2015 06:00 / atualizado em 14/04/2015 07:51

(foto: Carlos Vieira/CB/D.A Press - 13/4/14)
(foto: Carlos Vieira/CB/D.A Press - 13/4/14)
‘A morte é certa, a hora incerta. Cada um tem seu tempo marcado”, disse um mendigo de Ouro Preto, em As veias abertas da América Latina (1971), no capítulo em que o jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano compara a antiga capital de Minas Gerais à boliviana Potosí. O livro escrito com a mão esquerda foi a obra mais famosa de Galeano, mas quem se restringe ao clássico de teor político não compreende a dimensão lírica do uruguaio, que morreu ontem, aos 74 anos, em Montevidéu, em decorrência de câncer no pulmão.

Intelectual fundamental não apenas do continente americano, mas de todo o mundo, Galeano escreveu muito. Foram mais de 50 livros publicados, com traduções em 20 idiomas. Versou sobre política, história, mulheres, amor, direitos humanos, ecologia e magistralmente sobre futebol, sua grande paixão. Em Futebol ao sol e à sombra (1995) narra em textos curtos lances e olhares sobre um período mágico do esporte no século 20 (leia mais abaixo).

“Em sua vida um homem pode mudar de mulher, partido político e religião, mas não pode mudar de time de futebol”, escreveu o torcedor do Nacional de Montevidéu, que foi flexível na avaliação de sua principal obra. Há um ano Galeano esteve na Bienal do Livro de Brasília e explicou que quando escreveu Veias abertas...tinha entre 27 e 31 anos e, à época, não possuía estofo suficiente para a tarefa que empreendeu.

“Não estou arrependido de tê-lo escrito, mas é uma etapa superada. Eu não seria capaz de ler de novo esse livro, cairia desmaiado. Para mim essa prosa de esquerda tradicional é chatíssima. O meu físico não aguentaria. Seria internado no pronto-socorro", avaliou com humor.

Trinta e oito anos da publicação, o livro voltou a ser sucesso depois de o então presidente venezuelano Hugo Chávez presentear o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, com uma edição (em espanhol) da obra, durante a Cúpula das Américas de 2009. Ao ser questionado sobre o episódio, Galeano respondeu que “nem Obama e nem Chávez entenderiam o texto. Ele (Chávez) entregou a Obama com as melhores intenções, mas lhe deu um livro em um idioma que Obama não conhece. Então, foi um gesto generoso, mas um pouco cruel”.

Mesmo sem o gesto de Chávez, o livro já seria imortal, pois foi e continua sendo carregado nas mochilas de quase todo viajante que parte para conhecer as artérias do continente, colonizado, principalmente, por espanhóis e portugueses. Uma espécie de manual para entender as raízes e libertar a rebeldia latina.

Importante lembrar que a grandeza de Galeano não estava somente na política, mas no estilo de sua escrita, como esse trecho do Livro dos abraços (1989): “Não nos provoca o riso o amor quando chega ao mais profundo de sua viagem, ao mais alto de seu vôo: no mais profundo, no mais alto, nos arranca gemidos e suspiros, vozes de dor, embora seja dor jubilosa, e pensando bem não há nada de estranho nisso, porque nascer é uma alegria que dói.”

TRAJETÓRIA

Filho de Eduardo Hughes Roosen e Licia Ester Galeano Muñoz, Eduardo Germán Hughes Galeano começou a publicar caricaturas no jornal socialista El Sol, quando era adolescente, com o nome de Gius. Também foi operário de uma fábrica de inseticidas e pintor. No início da década de 1960, começou a trabalhar como jornalista, como editor no semanário Marcha e no jornal Época. Com o golpe de estado no Uruguai, em 1973, foi preso e depois mudou-se para a Argentina. Foi diretor da revista de cultura e política Crisis, que encerrou as atividades por causa da censura em 1976, mesmo ano que Galeano foi condenado pela ditadura Argentina e mudou para Espanha.

Na Europa, escreveu a trilogia Memória do fogo, em que revisita a história do continente natal. Galeano voltou para Montevidéu em 1985, com o retorno da democracia no Uruguai. Fundou o semanário Brecha e depois a editora El Canchito. Sua obra lhe rendeu vários prêmios, como o Casa das Américas, em 1975 e o American Book Award, em 1989, entre outros. O velório ontem foi uma cerimônia íntima para a família e as honras serão prestadas hoje, no Palácio do Legislativo, em Montevidéu.


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