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Estado de Minas UM OLHAR NA ZONA DE CONFLITO

Cenário de confrontos entre Israel e palestinos torna-se símbolo de uma guerra desigual

Conheça Shujaya, um dos locais mais destruídos durante confrontos entre forças de Israel e militantes palestinos em 2014


postado em 01/04/2015 12:52 / atualizado em 01/04/2015 13:43

Centro de Shujaya ficou resumido a entulhos, retrato de ataques da artilharia israelense sobre a Cidade de Gaza. Nele, viviam 100 mil palestinos(foto: Túlio Santos / EM / D.A Press)
Centro de Shujaya ficou resumido a entulhos, retrato de ataques da artilharia israelense sobre a Cidade de Gaza. Nele, viviam 100 mil palestinos (foto: Túlio Santos / EM / D.A Press)

Cidade de Gaza (Faixa de Gaza) – Salem Khaleel Shamaly era morador de Shujaya e tinha 22 anos. Trabalhava com a família numa venda do mercado velho da Cidade de Gaza. Em 20 de julho de 2014, no meio da tarde, durante um frágil cessar-fogo negociado após os maiores confrontos entre forças israelenses e o Hamas, durante a Operação Limite Protetor, que já entrava em sua segunda semana, ele retornava a seu bairro. Estava preocupado com a família, que não via desde que o Exército e a Força Aérea de Israel se ocupavam, havia 24 horas, em destruir boa parte da vizinhança na guerra a militantes palestinos em Gaza. Shujaya era considerada pelos israelenses como “uma central da infraestrutura do terror” utilizada pelo Hamas, possuindo uma rede extensa de túneis e tendo sido o ponto de partida de mais de uma centena de foguetes lançados em direção a Israel. Além de um dos bairros mais antigos da cidade, era também o endereço de mais de 100 mil palestinos. Nas incursões da noite anterior, tropas de elite do Exército israelense encontraram resistência e sofreram pesadas baixas, com 13 mortos, sete deles em um único incidente. Especula-se que seria essa a razão para a escala da destruição infringida à área, atingida intensamente durante horas ininterruptas por uma barragem de artilharia pesada e bombardeada do ar por aviões de caça. No lado palestino, foram contados 65 mortos, 35 deles sendo crianças, mulheres ou idosos, outros quase 300 foram feridos.

No local exato onde Salem Shamaly ficou caído, uma coincidência: deitado no chão, em cima de um velho tapete, com apenas um pequeno colchão e uma jarra d'água, um senhor de mesmo nome, Salem al-Egla, de 65 anos(foto: Túlio Santos / EM / D.A Press)
No local exato onde Salem Shamaly ficou caído, uma coincidência: deitado no chão, em cima de um velho tapete, com apenas um pequeno colchão e uma jarra d'água, um senhor de mesmo nome, Salem al-Egla, de 65 anos (foto: Túlio Santos / EM / D.A Press)
A história de Salem

“Encontramos Salem em frente ao cemitério”, aponta o ativista Mohammed Abdellah, numa das entradas da vizinhança. “Estava ansioso, procurando a família”, completa. Naquela tarde de domingo, Mohammed auxiliava um grupo de ativistas estrangeiros do Movimento Internacional de Solidariedade (da sigla em inglês, ISM), que percorria o bairro recém-bombardeado na tentativa de encontrar e ajudar moradores feridos. Ele conta que a situação era tensa e havia no local muita destruição, com a equipe tendo concordado em acompanhar Salem em sua busca, que avançava impaciente pelo bairro. A maior parte do trajeto foi registrada pelos ativistas em imagens captadas com celulares, que incluem cenas de Salem ajudando no resgate de feridos. No vídeo principal, filmado por Mohammed, “o homem da camisa verde”, como ficou conhecido Salem, aparece caído no chão já baleado em meio a escombros, atingido por um franco-atirador. Nos momentos seguintes, para o desespero dos que o acompanhavam, assistindo à cena a poucos metros, ele é atingido novamente por mais dois disparos. O que se seguiu, foi a equipe do ISM, dividida em dois grupos pelo franco-atirador, tentando sair com vida da área, terminado o cessar-fogo. A família Shamaly ficou sabendo do destino do filho dois dias depois, ao assistir ao vídeo postado na internet. O corpo de Salem permaneceu por uma semana no mesmo local, que seguiu sendo bombardeado.

Na primeira vez que voltou a Shujaya depois daquele dia, Mohammed conta que era difícil saber onde ficavam as ruas e os prédios. Até mesmo os moradores tinham essa dificuldade. “Encontramos o local porque, na fuga, havíamos esquecido um sacola com coletes, que ainda estava lá; o bairro ficou irreconhecível”, ele recorda. Com o cerco a Gaza imposto por Israel desde 2007, itens como material de construção (cimento e afins) têm sua importação proibida. Em Shujaya, em partes pulverizadas na última guerra, não há qualquer perspectiva de reconstrução. Nas ruínas, pequenos grupos trabalham tentando salvar algum material de casas isoladas. No Centro do bairro, homens se revezam reciclando vergalhões de ferro retirados dos escombros; poucas famílias permanecem nas partes mais destruídas, se valendo de cobertores onde antes havia paredes.

Forçando a entrada numa casa, agora abandonada, num dos limites do bairro, no segundo andar, o ativista mostra cômodos revirados, estrelas de Davi e outras inscrições em hebraico nas paredes, algumas delas encobertas com tinta. Numa das janelas, com sacos de areia ainda empilhados, a vista livre da entrada da viela onde Salem Shamaly foi alvejado. “Aqui estavam as posições de atiradores israelenses. Os tiros que acertaram Salem provavelmente partiram daqui”, avisa o ativista. Num berço ao lado, um gato solitário descansando. Seguindo em direção à Rua Baghdad, um jovem morador comenta, em tom de desabafo, acompanhando o registro do estrago: “Em nenhum país do mundo nem na Síria”.

Numa esquina, no local exato onde Salem Shamaly ficou caído, uma coincidência: deitado no chão, em cima de um velho tapete, com apenas um pequeno colchão e uma jarra d’água, um senhor de mesmo nome, Salem al-Egla, de 65 anos, no lugar onde agora passa a maior parte dos dias. Ao fundo, a casa de três andares destruída, onde morava com a família a 45 anos. “Só tenho isso”, ele informa, mostrando os escombros. “Meus familiares foram para diferentes lugares”, acrescenta. Ele conta que a construção da casa começou quando ele tinha 10 anos. Ele e outros parentes levaram mais 10 anos para terminar a obra. Perguntado se havia alguém na casa durante o bombardeio, ele responde, irritado: “Você pensa que é um jogo de futebol, que ficou alguém aqui para ver onde a bola caía? Não, não havia ninguém”. E conclui: “Todos os dias, olho para a casa 30 vezes e lembro do trabalho que tivemos para construí-la”.

Com um pedido formalizado no início de janeiro, a Palestina se torna hoje, oficialmente, o 123º membro filiado ao Tribunal Penal Internacional. Num processo de paz paralisado, e por vezes em retrocesso, o objetivo é a possibilidade de responsabilizar criminalmente líderes israelenses por supostos abusos perpetrados pela ocupação e crimes de guerra cometidos nas operações militares israelenses nos territórios palestinos nos últimos anos.


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