A descoberta de cerca de 1.500 arquivos da ditadura argentina (1976-83), incluindo 280 documentos secretos do regime, abre uma nova etapa na busca pela verdade sobre os desaparecidos, em meio a dezenas de processos contra ex-militares e 30 anos após o retorno à democracia.
"Essa descoberta é muito importante. Faz bem a todos e serve para os julgamentos. Aparecem nomes. Será preciso ver as fotos. Há muitos civis comprometidos (com a ditadura)", disse à AFP a presidente da organização humanitária Mães da Plaza de Mayo, Hebe de Bonafini, de 85 anos.
Segundo Hebe, que tem dois filhos desaparecidos, "isso mostra que as Forças Armadas estão mudando".
"O cara (o chefe da Força Aérea, Mario Callejo) se animou e entregou os arquivos. Talvez isso anime os chefes da Marinha e do Exército a fazer o mesmo", acrescentou.
A descoberta do importante arquivo guardado no subsolo da sede da Força Aérea foi anunciada na segunda-feira pelo ministro da Defesa, Agustín Rossi. De acordo com o ministro, o plano da ditadura era permanecer no poder até 2000.
O material inclui seis pastas com 280 atas secretas e originais das juntas militares desde o golpe de estado de 24 de março de 1976 até a conclusão da ditadura, em dezembro de 1983.
"É um passo importante, que abre um caminho de esperança para continuar pressionando os julgamentos" contra ex-militares, ex-policiais e civis acusados de crimes contra a humanidade durante o regime, disse Nora Cortiñas, da organização Mães da Plaza de Mayo-Linha Fundadora.
A dirigente, de 83 anos, insistiu em que isso "dá uma luz de que os arquivos existem".
"Ajuda a continuar investigando, há um material que não deve dormir e é uma boa oportunidade para ativar buscas e programar revistas. Nunca se queima tudo", afirmou.
"Eu quero saber quem levou meu filho Gustavo na estação Castelar (periferia oeste), em 15 de abril de 1977, onde ele está. Isso está em algum arquivo", acrescentou.
- Cumplicidade civil -
Lita Boitano, dirigente da Familiares de Detidos-Desaparecidos por Razones Políticas, disse à AFP que, com o material encontrado, "a cumplicidade civil com a ditadura está cada vez mais certificada, como mostra o documento dos bancos".
Boitano, mãe de dois estudantes universitários desaparecidos, referiu-se a uma comunicação da Associação de Bancos Argentinos (Adeba) "de aportes para o esquema de projeto nacional" da ditadura, mencionado por Rossi.
Há três décadas, as entidades de direitos humanos reivindicam que as instituições militares, policiais e religiosas abram seus arquivos sobre o período ditatorial. Segundo essas organizações, mais de 30 mil pessoas continuam desaparecidas.
Para o ator Federico Luppi, a existência de listas negras, nas quais ele aparece, "não representa nenhuma surpresa". Luppi é um dos 153 artistas e intelectuais que estavam na mira do regime e que incluía, entre outros, o escritor Julio Cortázar (falecido em 1984) e a cantora Mercedes Sosa (falecida em 2009).
Segundo Rossi, um elemento que pode ter "algum tipo de valor jurídico" são 13 atas secretas que se referem ao caso "Papel Prensa", a única empresa fornecedora de papel para os jornais argentinos".
"Claramente, a Junta analisava a detenção da família Graiver em conjunto com a venda da Papel Prensa", ressaltou o ministro, acrescentando que "o tema era de discussão permanente da junta militar".
O banqueiro e empresário David Graiver, morto em um suspeito acidente aéreo em 1976, era dono da maioria das ações da Papel Prensa. Essa empresa de capital misto foi comprada em novembro desse ano pelos jornais Clarín, La Nación e La Razón, enquanto os herdeiros de Graiver estavam detidos.
Em 2010, o governo de Cristina Kirchner entrou com uma ação contra diretores do Clarín e La Nación, os dois principais jornais da Argentina, acusando-os de crime contra a humanidade no "caso Graiver", na aquisição da empresa-chave para o setor.