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Estado de Minas

Ex-ditador argentino Jorge Videla volta ao banco dos réus


postado em 05/03/2013 18:10

O ex-ditador Jorge Videla, 87 anos, que enfrenta desde esta terça-feira seu quarto julgamento por violações aos direitos humanos, vive seu declínio em cárcere, escreve memórias e reza junto a uma modesta cama com um crucifixo no alto, condenado à prisão perpétua por tornar o desaparecimento de pessoas uma política de Estado na Argentina.

"Digamos que eram 7 ou 8 mil pessoas que deveriam morrer para ganhar a guerra contra a subversão, não podíamos fuzilá-las. Também não podíamos levá-las para a Justiça", disse Videla em uma entrevista em sua cela ao jornalista Ceferino Reato, segundo o revelador livro "Disposición Final" (Disposição Final, em tradução livre).

Videla carrega sobre nas costas duas condenações à prisão perpétua e outra a 50 anos por crimes contra a humanidade e roubo de bebês entre 1976 e 1981 - os piores anos da ditadura, durante os quais desapareceram entre 10.000 e 30.000 pessoas, segundo entidades humanitárias.

O ex-general, que governou entre a cruz e a espada como na era das Cruzadas, comentou sobre esses crimes que "estávamos de acordo (os militares) que era o preço a ser pago para ganhar a guerra e necessitávamos que não fossem evidentes para que a sociedade não se desse conta".

"Por isso, para não provocar protestos dentro e fora do país sobre a campanha, se chegou à decisão de que essa gente tinha que desaparecer", argumentou o ex-ditador.

Após a publicação do livro, Videla criticou que sua confissão havia sido mal interpretada, mas Reato, que não pôde entrar na cela do ex-ditador com gravador, afirmou que as anotações foram lidas e aprovadas pelo entrevistado antes de sua publicação.

Agora, o ex-comandante e também chefe das Forças Armadas regressa ao banco dos réus acusado de participação no Plano Condor - de repressão na América do Sul dos anos 70 - perante juízes civis ante os quais costuma ficar de pé numa postura marcial típica de um general formado na antiga educação prussiana do exército argentino.

"Combatemos a subversão marxista", chegou a dizer certa vez à Justiça que seu inimigo eram as guerrilhas dos Montoneros (de cunho peronista) e o Exército Revolucionário do Povo (ERP, guevarista), enquanto durou a Guerra Fria entre os Estados Unidos e a hoje extinta União Soviética.

As sentenças contra ele revelaram a existência de um "plano sistemático de eliminação de opositores", segundo a justiça argentina, como ativistas políticos, sindicalistas, estudantes, movimentos sociais, religiosos da Teologia da Libertação, artistas e intelectuais, milhares deles desaparecidos.

Desmantelados os grupos armados, isolados e sem apoio popular, a repressão continuou com militantes, amigos e suspeitos, parentes e familiares.

Foram vítimas da repressão as freiras francesas Alice Domon e Leonie Duquet, o bispo católico Enrique Angelelli, do movimento de sacerdotes do Terceiro Mundo, a estudante sueca Dagmar Hagelin, os comitês sindicais de companhias montadoras como Ford e Mercedes Benz e até diplomatas do próprio regime, como Elena Holmberg e Héctor Hidalgo Solá.

Diferente de outros ditadores como o paraguaio Alfredo Stroessner e o chileno Augusto Pinochet, Videla careceu de partidários e nenhum partido político o apoia na Argentina, com exceção de minúsculos grupos de ex-militares ou seus familiares.

Em seu auge, Videla media 1,80 metro, sempre muito magro, de rosto fino, grandes olhos escuros, bigode espesso e cabelo engomado em estilo antiquado.

Ele lia os discursos com voz grave e estridente, mas um sorriso nervoso fazia latejar suas maçãs do rosto em público, enquanto costumava esfregar as mãos em gesto de desconforto ao ser confrontado com uma vida política de relações sociais fora da severa rotina de um quartel.

Videla comandou o golpe que derrubou a ex-presidente Isabel Perón, em 1976, suspendeu a Constituição, proibiu os partidos políticos e instituiu a censura nas rádios e televisões.

O general governou aliado ao grupo civil chamado 'Os Chicago Boys' e deu todo o poder administrativo a um economista de uma família da aristocracia 'crioula' (espanhóis nascidos na América), José Martínez de Hoz, admirador do Prêmio Nobel Milton Friedman.

Por ordem sua e dos generais, automóveis sem patente e com comandos encapuzados sequestravam militantes e os levavam para torturá-los nos cerca de 500 centros clandestinos de detenção distribuídos em todo o país.

Fotografias e vídeos no YouTube o relembram em dois momentos chave: ao entregar em 1978 a taça da Copa do Mundo de futebol para a seleção argentina e quando deu um abraço forçado ao ditador chileno, Augusto Pinochet, após a mediação do Vaticano que impediu uma guerra fronteiriça naquele mesmo ano entre os dois países.

Videla ordenou ainda a queima de livros em um terreno baldio na localidade de Sarandí, na periferia ao sul da Argentina. Na ocasião, mais de 1,5 milhão de preciosas obras do Centro Editor da América Latina (CEAL) foram destruídas.

Em seu governo, a Argentina se alinhou aos Estados Unidos, mas teve atritos com o então presidente James Carter, cujo governo criticou as violações aos direitos humanos, e também por ter ignorado o embargo de cereais contra a União Soviética em razão da pressão dos influentes exportadores agrícolas argentinos.

Sem carisma nem aspirações políticas, o ex-general interveio na Suprema Corte para nomear juízes submetidos ao seu capricho e instalou um plano econômico de altas taxas de câmbio que ficou conhecido na história como "la plata dulce" (prata doce, em português) que permitia os argentinos viajar cheios de dólares a Miami e comprar inúmeros eletrodomésticos.

Em 1981, cedeu o poder a Roberto Viola para começar uma lenta transição à democracia, mas o general Leopoldo Galtieri deu um golpe palaciano e desencadeou a triste história da guerra das Ilhas Malvinas contra a Inglaterra, em 1982.


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