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Estado de Minas

Suspense e pressão nas urnas italianas

País europeu pressiona seus cidadãos a irem votar em um dos pleitos mais aguardados dos últimos tempos. Mercados financeiros estão atentos ao que pode ocorrer na nação em crise


postado em 24/02/2013 07:00 / atualizado em 24/02/2013 07:39

Rodrigo Craveiro



Entre hoje e amanhã, 47 milhões de italianos terão a missão de renovar o Parlamento, formado por 630 deputados e 319 senadores, quatro deles vitalícios. Uma tarefa nada fácil aguarda o próximo primeiro-ministro, que terá de governar em coalizão, já que nenhuma das principais forças políticas sairá das urnas com maioria. Com a Itália afundada na crise econômica – o Produto Interno Bruto (PIB) anual negativo recuou 2,2% em 2012 e o déficit fiscal chegou a 2,2 bilhões de euros em janeiro –, o clamor por uma ampla transformação política se intensifica.

As pesquisas mostram que o ex-comunista Pier Luigi Bersani, do centro-esquerdista Partido Democrático (PD), ganharia as eleições parlamentares com 2,5 a 4,5 pontos percentuais de vantagem sobre o ex-premiê direitista Silvio Berlusconi. No entanto, a ascensão do comediante Beppe Grillo colocou uma dose extra de suspense no cenário político. “Não somos um partido, não somos uma casta, somos cidadãos”, declarou o líder do Movimento Cinco Estrelas, ao fim de um comício que arregimentou 800 mil pessoas na Piazza San Giovanni, em Roma. Beppe aparece em terceiro lugar nas sondagens, com 14% a 18% dos votos, e supera o atual primeiro-ministro, Mario Monti. O recente anúncio da renúncia do papa Bento XVI também se revelou um ingrediente a mais no processo eleitoral.

Para o cientista político Riccardo Moro, professor da Universidade de Milão, Bersani deve ganhar as eleições, beneficiando-se da decadência de Berlusconi. “As pessoas estão cheias e cansadas de Berlusconi, de sua política ‘estética’ e de suas promessas”, afirmou. “Apesar de não ter ‘sex appeal’, Bersani tem boa experiência e vem tentando levar adiante uma reforma política, mesclando rigor administrativo com uma política expansionista, de eficiência econômica e de justiça inclusiva, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente Dilma Rousseff.”

Monti até tentou ganhar popularidade, ao implementar políticas econômicas orientadas à redução dos gastos públicos e ao aumento da receita fiscal. Mas o tecnocrata se viu traído pelas alianças com partidos ligados no passado a Berlusconi. A estratégia de marketing teria prejudicado o atual chefe de governo, que abandonou o autocontrole e o comportamento frio para adotar uma postura mais barulhenta, que em nada combina com sua figura.

Historiador da Faculdade de Ciência Política da Universidade de Turim, Angelo D’Orsi vê como sintomática a derrocada de Berlusconi – o que tem beneficiado o PD. Ele aposta que o magnata da comunicação já não tem truques capazes de convencer o eleitorado. No início deste mês, Berlusconi enviou uma carta aos contribuintes cadastrados no Ministério da Fazenda, por meio da qual se apresentava como “presidente” e prometia devolver aos cidadãos o imposto extraordinário sobre a propriedade e a habitação (IMU), criado por ele mesmo. A atitude, denunciada como voto de cabresto, provocou uma corrida de milhares de italianos aos correios, ávidos pelo dinheiro. “Se Berlusconi voltasse ao poder, seria uma tragédia para a Itália e para Europa. Isso não vai acontecer”, aposta D’Orsi.

GOVERNABILIDADE Ainda que Bersani vença, ele terá de construir a governabilidade. A expectativa é de que PD conquiste a maioria da Câmara dos Deputados. No Senado, porém, o controle provavelmente dependerá de acordos. “Uma aliança com Monti talvez seja necessária. Se Bersani não vencer no Senado em duas das quatro regiões em disputa (Lombardia, Sicília, Nápoles e Veneza), será compelido a se unir a Monti”, explica Alberto Martinelli, professor emérito de ciência política e sociologia da Universidade de Milão. Segundo ele, a coalizão talvez seja inevitável por duas razões. “O primeiro motivo é que ela balancearia a influência de componentes mais radicais dessa aliança. O segundo está no fato de que no Parlamento a mudança partidária é praxe.”

Moro acredita que a renúncia de Bento XVI não influenciará o processo político na Itália. “Berlusconi tentou se apresentar como defensor dos valores católicos, mas a propagação de seu estilo de vida sexual, agravada pela acusação de envolvimento com prostituição juvenil, jogou por terra a imagem de verdadeiro religioso”, observa o analista. Martinelli prevê o aumento da desconfiança dos eleitores em líderes políticos aferrados ao poder há décadas. “Nesse sentido, o fim do pontificado de Bento XVI pode surtir algum impacto sobre Berlusconi, que está na política há duas décadas e não dá sinais de renúncia”, comenta o sociólogo e cientista político.

Parlamento dividido

A possibilidade de um Parlamento dividido após as eleições italianas é um dos fatores mais preocupantes do turbulento cenário político do país, pois tem potencial de ameaçar a estabilidade do próximo governo, assim como sua capacidade de dar continuidade às reformas estruturais iniciadas pelo primeiro-ministro interino Mario Monti. Mesmo com uma vitória da coalizão de centro-esquerda de Pier Luigi Bersani, a maioria no Senado não é garantida e está sendo cada vez mais ameaçada pelo avanço do grupo de centro-direita do ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi nas pesquisas.

De acordo com a lei eleitoral italiana, pelo menos 54% das 630 cadeiras da câmara baixa do Parlamento são destinadas à coalizão vencedora nas eleições, garantindo maioria para o governo. Analistas do Deutsche Bank avaliam que há 70% de chances de a coalizão de centro-esquerda conquistar a maioria na câmara baixa e 30% de possibilidade de uma vitória “surpresa” do grupo de centro-direita de Berlusconi. No Senado, entretanto, a distribuição dos assentos é feita por regiões, uma divergência que pode dividir o Parlamento, já que as duas casas têm poder igual. A coalizão vencedora em uma determinada região conquista pelo menos 55% das cadeiras destinadas àquela região.

Com base no cenário delineado pelas últimas pesquisas de opinião, divulgadas antes de a proibição entrar em vigor, no dia 9 de fevereiro, a coalizão de centro-esquerda deve conquistar maioria na câmara baixa, apesar de sua vantagem nas pesquisas ter diminuído nas últimas quatro semanas. Porém, mesmo que esse seja o caso, a coalizão adversária de centro-direita – liderada por Berlusconi – precisaria ganhar em somente duas das regiões mais importantes para impedir seu adversário de alcançar a maioria no Senado. No entanto, uma boa performance dos centristas liderados por Mario Monti no Senado pode diminuir o risco de uma divisão.

O cenário mais provável é o de uma aliança entre Monti e Bersani para garantir a governabilidade no Parlamento. Analistas do Deutsche Bank atribuem 60% de probabilidade a esse evento. Uma pesquisa divulgada na terça-feira informou que cerca de 28% dos italianos ainda não decidiram em quem votar ou cogita não fazê-lo, e mostrou que cerca de 5 milhões de pessoas devem se decidir nos últimos dias.

Perfis

Pier Luigi Bersani,
ex-comunista liberal


O secretário-geral do Partido Democrático (PD), Pier Luigi Bersani, favorito nas pesquisas para o cargo de premiê, é um veterano político formado no antigo Partido Comunista Italiano (PCI), aberto ao liberalismo econômico, que ama o cigarro toscano e fala com franqueza pouco comum. Nascido em 29 de setembro de 1951, na província de Piacenza, na região da Emilia Romagna (Norte), filho de um frentista, formou-se em filosofia pela Universidade de Bolonha. Secretário do PD desde 2009, sua vida foi marcada pela figura inovadora do então secretário do Partido Comunista, Enrico Berlinguer, o pai do “eurocomunismo”. Ganhou fama como ferrenho opositor do ex-premiê e magnata Silvio Berlusconi. É casado com a farmacêutica Daniela Ferreri, com quem tem duas filhas, Elisa e Margherita.

Mario Monti,
de tecnocrata a político

Aos 69 anos, Mario Monti era um sóbrio tecnocrata de sorriso inexpressivo que dirigiu a Itália por pouco mais de um ano até “virar político”, no fim de dezembro. Em 16 de novembro de 2011, esse discreto professor de economia – apelidado de “cardeal” devido seu temperamento sereno – substituiu Silvio Berlusconi e restaurou a credibilidade da Itália, afundada em uma dívida de 2 trilhões de euros. Em um ano, Monti baixou o spread (diferença entre as taxas da Itália e da Alemanha), chegando a menos de 300 pontos, a metade do seu nível no fim do mandato de Berlusconi. No entanto, conquistou essa façanha à custa de uma austeridade draconiana marcada por uma reforma previdenciária dura e pelo aumento de impostos. Hoje, tem 76 anos.

Silvio Berlusconi,
a fênix do “bunga-bunga”


O multimilionário Silvio Berlusconi, 76 anos, é um “especialista em retornos”, um político que renasce das cinzas, apesar de escândalos de corrupção e de sexo. Em 12 de novembro de 2011, o país estava à beira da asfixia e o Cavaliere deixava o poder sob vaias, passando o cargo a Mario Monti. Segundo pesquisas, Berlusconi tem a preferência de 30% dos eleitores. Filho de um bancário milanês, ele nasceu em 29 de setembro de 1936 e começou sua carreira em barcos que faziam cruzeiros, onde trabalhava cantando e contando piadas. Vendedor de aspiradores de pó no fim da década de 1950, formou-se em direito em 1961. A holding da família Berlusconi, Fininvest, conta com três canais de tevê, jornais e uma editora, a Mondadori. Mas a cereja do bolo é o Milan AC, campeão da Itália em 2011.


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