
Os olhos do réu estavam fixos no juiz Adrian Fulford, enquanto ele lia a sentença. "Nós consideramos Thomas Lubanga Dyilo culpado das acusações de recrutar e alistar crianças menores de 15 anos na União dos Patriotas Congoleses (UPC) e nas Forças Patrióticas para a Libertação do Congo (FPLC), e de usá-las na participação ativa de hostilidades em todo o terrtório da República Democrática do Congo (entre 1º de setembro de 2002 e 13 de agosto de 2003)", decretou o magistrado. Após considerar que os crimes – "muito graves" – afetaram a comunidade internacional, Fulford anunciou a primeira sentença do Tribunal Penal Internacional (TPI): 14 anos de prisão. O veredicto de culpado já havia sido declarado em 14 de março. A promotoria tinha pedido 30 anos de detenção para o congolês.
Lubanga, 51 anos, permaneceu impassível. Não demonstrou medo nem revolta. Como foi transferido para Haia (Holanda), cidade-sede da corte, em março de 2006, e cumpriu seis anos de prisão provisória, ele deverá permanecer mais oito anos preso. O TPI escolherá o lugar onde o restante da pena será cumprido. Seis países aceitaram abrigar os condenados: Mali, Sérvia, Reino Unido, Bélgica, Áustria e Finlândia. Os juízes também determinarão o valor das indenizações às 123 vítimas autorizadas a participar do julgamento. O conflito entre grupos étnicos da região de Ituri, no Nordeste da República Democrática do Congro, deixou pelo menos 60 mil mortos. Muitas das crianças foram treinadas para matar, estuprar e roubar.
Também por e-mail, Kambale Musavuli, um congolês que se refugiou nos Estados Unidos, demonstrou satisfação com a pena. "Os 14 anos não parecem excessivos nem leves. Ele recebeu apoio de países vizinhos, como Ruanda e Uganda, e é lamentável ver que os líderes de ambos os países não foram indiciados por ajudarem um criminoso de guerra", comentou à reportagem o porta-voz da organização não-governamental Friends of Congo.
Segundo Musavuli, o ex-chefe miliciano teve influência direta nos recrutamentos de menores. "As crianças serviam a diversos propósitos no conflito. Algumas lutavam, outras transportavam suprimentos. Garotas eram usadas como escravas sexuais. Eles davam armas aos pequenos e os forçavam a assassinar. Em alguns casos, as crianças eram forçadas a matar os próprios familiares para provar lealdade às fileiras rebeldes", afirmou. O ativista explicou que a afinidade ética era uma ferramenta usada por Lubanga para convencer os pais a autorizar a saída dos filhos. "Existia ainda o senso de que as crianças eram enviadas para defender a comunidade. Mas muitas eram simplesmente recrutadas e obrigadas a lutar", disse Musavuli. Waruzi ofereceu à reportagem mais um vislumbre do terror perpetrado por Lubanga. De acordo com ele, as crianças eram obrigadas a fumar maconha e mesmo beber o sangue de suas vítimas.
Contas com a Justiça
Dois aliados de Lubanga aguardam o veredicto do Tribunal Penal Internacional, enquanto outro está foragido
Bosco Ntaganda, 39 anos
Ex-líder da União dos Congoleses Patriotas (UPC), é procurado pelo governo da República Democrática do Congo por liderar os rebeles do Movimento 23 de Março. Também conhecido como "exterminador", teve papel importante no recrutamento de crianças soldados. Em 22 de agosto de 2006, o Tribunal Penal Internacional o indiciou por crimes de guerra cometidos entre julho de 2002 e dezembro de 2003.
Germain Katanga, 34 anos
Apelidado de Simba, comandou a Força de Resistência Patriótica em Ituri (FRPI). Foi capturado e transferido para a Corte de Haia em 17 de outubro de 2007. Seu julgamento teve início dois anos depois. Ele responde a seis acusações de crimes de guerra e a três acusações de crimes contra a humanidade – que incluem assassinatos, escravização sexual e o uso de crianças em hostilidades.
Mathieu Ngudjolo Chui, 41 anos
Ex-coronel da Frente dos Nacionalistas e Integracionistas, responde às mesmas acusações que Katanga. Em 24 de fevereiro de 2003, comandou um ataque ao vilarejo de Bogoro, que terminou na execução indiscriminada de 200 moradores e na escravização sexual de mulheres e meninas. Ngudjolo admitiu ter dado ordens para "limparem" o local. Preso em 2003, aguarda a sentença em Haia (Holanda).