(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Veja alguns trechos da obra


postado em 07/11/2008 07:04 / atualizado em 08/01/2010 04:06

Mito
“Na época de sua morte, meu pai era um mito para mim, tanto para o melhor como para o pior. Ele havia deixado o Havaí em 1963, quando eu tinha apenas 2 anos de idade, de maneira que, como criança, eu só o conhecia pelas histórias que minha mãe e meus avós contaram. Todos tinhas suas favoritas, bem trabalhadas, sem arestas, polidas pelo uso constante.”

Preconceito
“Em muitas regiões do Sul, meu pai poderia ter sido enforcado em uma árvore só por olhar para minha mãe; nas cidades mais sofisticadas do Norte, os olhares hostis e os sussurros poderiam ter levado uma mulher na situação de minha mãe a um aborto legal – ou no mínimo para um convento distante. A imagem dos dois juntos teria sido considerada chocante e perversa, um argumento conveniente para uns poucos liberais tolos que apoiavam a agenda dos direitos civis. Mas será que eles deixariam sua filha se casar com um negro?”

Lolo, o louco
“Estávamos vivendo na Indonésia havia três anos, nessa época como resultado do casamento de minha mãe com um indonésio chamado Lolo, outro estudante que ela conhecera na Universidade do Havaí. O nome dele significava ‘louco’ em havaiano, o que fez vovô se deliciar imensamente, mas o significado não combinava com o homem, pois Lolo possuía as boas maneiras e a graça de seu povo. Ele era baixo, de pele morena, bonito, com grossos cabelos pretos e traços semelhantes aos dos mexicanos ou samoanos.”

Caridade
“No início minha mãe dava dinheiro a qualquer pessoa que batesse à nossa porta ou estendesse a mão quando passávamos pelas ruas. Mais tarde, quando entendemos que a maré de dor era sem fim, ela dava esmolas de maneira mais seletiva, aprendendo a medir os níveis de miséria. Lolo achava que seus cálculos morais eram amáveis, mas tolos.”

De volta ao Havaí
“Havia uma outra criança em minha classe, contudo com um tipo diferente de dor. O nome dela era Coretta, a única pessoa negra em nossa série antes da minha chegada. Ela era gorducha, escura e não parecia ter muitos amigos. Desde o primeiro dia, evitamos um ao outro, mas nos observaríamos de longe, como se o contato direto só nos fizesse lembrar mais intensamente nosso isolamento.”

Droga e solidão

“Drogado. Puxador. Foi para esse caminho que eu havia me dirigido: o papel final e fatal de um jovem aspirante a homem negro. Eu não procurava a droga para provar que sabia das coisas. Não naquele momento, pelo menos. Eu embarcava nessa justamente procurando o efeito oposto, alguma coisa que pudesse estabilizar meu coração, dissipar as fronteiras de minha memória.”

Nova York

“Eu poderia perambular pelo Harlem para jogar nas quadras sobre as quais li uma vez ou para ouvir um discurso de Jesse Jackson na Rua 125, ou em uma rara manhã de domingo sentar nos bancos de trás da Igreja Batista Abissínia, enlevado por canções doces e plangentes de um coro gospel, e ter a imagem efêmera de tudo que eu buscava. Mas não tive nenhum guia que me mostrasse como entrar nesse mundo conturbado.”

Orfeu Negro

“O filme, inovador com seu elenco principalmente de negros brasileiros, havia sido produzido na década de 1950. Em tecnicolor, esplendoroso, e tendo como fundo morros cênicos verdes, brasileiros negros e mulatos cantavam e dançavam como pássaros despreocupados de plumagem colorida. No meio do filme, resolvi que tinha visto o bastante e virei para minha mãe para saber se ela gostaria de ir embora.”

Em Chicago
“O meu plano era simples. Naquele momento, ainda não tínhamos poder para mudar a política de bem-estar social, criar empregos locais ou trazer substancialmente mais dinheiro para as escolas. O que podíamos fazer era começar a melhorar os serviços básicos: consertar banheiros, colocar aquecimento para funcionar, reformar as janelas. Algumas vitórias ali e eu já antevia os pais formando um núcleo de uma organização independente de moradores.”

Educação

“A primeira coisa que você precisa perceber – disse olhando alternadamente para Johnnie e para mim – é que o sistema de educação pública não é feito para crianças negras. Nunca foi. As escolas dos conjuntos habitacionais têm relação com controle social. Ponto final. São operadas como cercados de contenção: presídios em miniatura, na verdade.”

Na Europa

“No final da primeira semana percebi que havia cometido um erro. Não que a Europa não fosse bela – tudo era exatamente como eu imaginara. Mas, simplesmente, não me pertencia. Senti como se estivesse vivendo o romance de oura pessoa. Comecei a suspeitar que minha parada européia fosse apenas um adiamento, mais uma tentativa de evitar resolver minhas questões com meu pai.”

No Quênia
“Senti a presença de meu pai enquanto Auma e eu andávamos pela rua movimentada. Eu o via nos escolares que passavam por nós, com suas pernas finas e negras, movendo-se como bielas de pistões entre shorts azuis e sapatos grandes demais. Eu o ouvia no riso dos dois estudantes universitários que bebiam chá. Senti o cheiro dele na fumaça do cigarro do empresário que cobria uma orelha e gritava em um telefone público. Nosso pai está aqui, pensei, embora não me diga nada. Ele está aqui, e me pede que entenda.”


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)