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Estado de Minas PANDEMIA

COVID-19: Brasil é terreno fértil para a desinformação

Na batalha contra o coronavírus, um outro inimigo se faz presente, principalmente no Brasil: a guerra das versões


20/06/2021 04:00 - atualizado 20/06/2021 08:37

A ciência busca rapidamente respostas para combater o coronavírus por meio do desenvolvimento de vacinas e de informações
A ciência busca rapidamente respostas para combater o coronavírus por meio do desenvolvimento de vacinas e de informações (foto: CARL DE SOUZA/AFP)
Os cortes em pesquisas preocupam as figuras por trás do estudo da pandemia. A “fuga de cérebros” é um temor citado a todo momento. O fomento à ciência, reivindicação antiga, é tido como remédio principal para combater novos colapsos sanitários. Para aproximar a população dos estudos, a escola é vista como essencial. Há, ainda, quem peça o fim da batalha entre ciência e política.


“Muitas vezes, a política leva a população ao erro. Temos que ter exemplos de cima. Os governantes são a primeira linha de informação confiável que a população deveria ter”, sustenta Viviane Souza Alves, microbiologista que leciona na Universidade Federal de Minas Gerais. As narrativas falsas também precisam ser deixadas de lado, advertem os especialistas.

Em fevereiro de 2020, quando o coronavírus ainda soava como ameaça distante ao cotidiano brasileiro, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom, anteviu os riscos da guerra de versões.

"Não estamos lutando contra uma epidemia; estamos lutando contra uma ‘infodemia’". No entanto, o Brasil se tornou terreno fértil para a desinformação, principalmente no que se refere ao uso de medicamentos comprovadamente ineficazes, que foram erroneamente denominados de tratamento precoce, e em relação às vacinas, o que fez com que muita gente temesse se imunizar. Inclusive, muitas pessoas que tomaram a primeira dose não retornaram para receber o reforço.
 

Negacionistas ao extremo

Estevão Urbano, infectologista e presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI)

“No Brasil, nós fizemos quase tudo errado. Subestimamos o vírus, subestimamos a vacinação contra o vírus. Fomos negacionistas até o último fio, tentando esconder uma realidade cristalina, o fato de haver uma verdade universal que estava sendo negada veementemente pela maioria de nossos governantes. Isso fez com que não atuássemos na forma como o vírus se transmite e age de maneira adequada, distanciando, usando máscaras, higienizando as mãos como deveríamos, tendo resiliência máxima neste momento tão difícil e histórico, que é quando realmente mostramos o quanto somos cidadãos.

Esse é um recado aos nossos governantes, com exceções, mas principalmente para o governante do país, que por ter uma legião que o segue transmitiu recado errado que foi propagado para o resto do Brasil. Muitas e muitas mortes não foram contabilizadas. São mais de 500 mil e muitas e muitas vidas foram perdidas por irresponsabilidade, uma autossuficiência e um desrespeito ao vírus. Para uma próxima eventual pandemia, nós precisamos ter no Brasil o desenvolvimento de um espírito de resiliência, espírito de empatia, cidadania, uns auxiliando os outros.

Em relação aos governantes, despojar-se de interesses, filosofias e lógicas e abraçar a causa do povo, da segurança e proteção do povo. Para isso foram eleitos. Como a gente faz isso? Não negando a realidade, enfrentando os fatos como eles são. Não colocando venda nos olhos para achar que não existe nada lá fora e está tudo bem. O respeito ao patógeno, ao vírus e o enfrentamento firme e de frente é a única saída para que tenhamos em eventual futura pandemia resultados melhores. Talvez seja esse o legado desses mortos que se foram desnecessariamente. Conscientizar o cidadão, o governante de que o ser humano não está em condições de se colocar acima das leis da natureza, da ciência, e defender os interesses do egocentrismo.”


Exemplo deve vir de cima

Viviane Souza Alves, microbiologista e professora do Departamento de Microbiologia ICB/UFMG

“Tem que ter conscientização da população, um letramento em saúde, ensinar a importância das evidências científicas e de como a ciência funciona para a população e isso tem que vir de cima, exemplo e confiança na ciência, no SUS, têm que vir de cima. São várias as medidas que podem minimizar em outras pandemias essa transmissão e o número alto de óbitos, que vêm sendo banalizados.

O Brasil registra mais de 1 mil mortes diárias por muito tempo, e as pessoas acham normal, infelizmente. A gente sabe que as mortes por COVID-19 superam as mortes por outras doenças neste último ano. Seriam necessárias medidas de uma ação coordenada entre os institutos de pesquisas e o Ministério da Saúde para que haja uma resposta eficaz.

O mapeamento e acompanhamento (dos vírus) devem ser melhorados. O grande problema do monitoramento epidemiológico, de detecção de variante, sequenciamento, é a falta de investimento. São estratégias caras de monitoramento, mas são essenciais, o que falta é o aprimoramento dos centros de pesquisa. Investimento em pesquisas nessas áreas.

Apesar dos cortes, são as universidades públicas que estão fazendo, de fato, o rastreamento da COVID funcionar, mesmo que aos trancos e barrancos. Falta investimento pesado, mas, mesmo sem investimento, a gente consegue dar um retorno à sociedade, inclusive na produção de vacinas.

Temos várias em desenvolvimento no país; mesmo com baixos recursos a gente tem conseguido enfrentar a pandemia. Os cortes de orçamento ocorrem nas universidades, que são os principais centros de estudos para o sequenciamento, que desenvolvem testes mais baratos, fazem o monitoramento de esgotos, produção de vacinas, tudo isso é feito em grande parte por universidades públicas, se não na totalidade. Se tivesse mais investimento, teríamos respostas mais rápidas dessas pesquisas realizadas nas instituições públicas.

Como disse o diretor da OMS (Tedros Adhanom), a gente não vive só uma pandemia de um vírus, a gente vive uma pandemia de desinformação, (a) ‘infodemia’. Uma quantidade imensa de informações corretas e uma quantidade gigantesca de informações incorretas que circulam não só no Brasil, mas no mundo, e impactaram negativamente. Impacto deletério na saúde das pessoas. No Irã, por exemplo, as pessoas se intoxicaram com etanol.

Temos que continuar repetindo e ensinando, checagem de informação para que as pessoas tenham consciência antes de compartilhar a informação. É esse letramento que temos que dar à população, não só no enfrentamento à COVID-19, mas durante toda a vida. A gente vê que a melhor forma de chegar às pessoas, de todas as camadas sociais, é a escola. Passar informação correta nas escolas, aproximar o jovem da ciência, tudo isso auxilia no letramento.

É uma tarefa difícil, mas temos que construir aos poucos. Nós, cientistas, deixamos de lado um pouco. Esquecemo-nos da importância de compartilhar o que fazemos dentro da universidade. Mas com essa pandemia, ficou evidente como temos que nos comunicar com frequência para evitar um surto de desinformação.

Importante que venha de cima esse letramento. A gente espera que os governantes deem informações corretas, baseadas em evidências, para que as pessoas tenham confiança. Neste momento, há uma batalha entre a ciência e a política. Muitas vezes, a política leva a população ao erro. Temos que ter exemplos de cima. governantes na primeira linha de informação confiável que a população deveria ter.”


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