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Estado de Minas E AGORA, BH?

A vida sob tensão constante

Moradores de bairros em que houve mortes na sexta-feira agora vivem em estado de alerta


postado em 30/01/2020 04:00


O silêncio assustador revela o clima de apreensão que domina as ruas da Vila Bernadete, na Região do Barreiro. Os poucos moradores que permanecem no local dividem sentimentos entre tristeza e perplexidade pela tragédia provocada pelas chuvas na capital. O medo tomou conta das famílias que habitam as áreas mais afetadas. Mesmo para aquelas que vivem em áreas liberadas ou parcialmente autorizadas para visita em busca de salvar alguns pertences, o trauma pelos deslizamentos e enchentes, que vitimaram mais de 40 pessoas em todo o estado, permanece como uma ferida aberta “que jamais será cicatrizada”, revela assustado o motorista de aplicativo, Aldemar Santana, 51 anos, morador há 18 anos na Vila Bernadete, na região do Barreiro, onde sete pessoas morreram na noite de sexta-feira (24/1).
 
A apreensão está no rosto de cada morador do bairro. Aldemar e a esposa Silvaní Aparecida de Melo, 48 anos, vendedora, tiveram a casa liberada pela Defesa Civil. A moradia fica na entrada da viela onde aconteceu a tragédia, mas o casal preferiu não arriscar. Eles passam o dia monitorando o terreno que fica acima de sua casa, e saem à noite. “A situação na parte alta não está boa. Continua infiltrando água e com as pancadas de chuva o terreno vem movimentando. A gente não consegue ficar tranquilo, mesmo estando mais distante”.
 
A vendedora, que mora com o marido, uma filha do casal e uma sobrinha, lembra que nunca presenciou tamanha tragédia e diz que o que “aconteceu foi algo inesperado, já que nem constava nos registros da defesa civil que aqui era área de risco”. Eles passam o dia do lado de fora da residência e não tiram o olho do barranco bem ao fundo do terreno.
 
Silvaní conta que estava viajando quando ocorreu a tragédia e só soube que perdeu o casal de amigos e os filhos deles quando voltou. Já Aldemar disse que se lembra exatamente o momento do primeiro deslizamento. “Eram 20h35 quando ouvi o barulho, saí no portão e encontrei muita lama na rua, algumas partes de imóveis destruídos e a menina Eduarda, de 7 anos.” A garota é filha do casal de amigos mortos no soterramento, e estava “envolvida pela lama”. Aldemar disse que a acolheu, deu nela um banho e a levou para o hospital Júlia Kubistchek, que fica próximo ao local, onde recebeu os primeiros atendimentos. Dois outros deslizamentos se sucederam, foi quando os pais de Duda e dois irmãos faleceram.
 
A esposa de Aldemar disse que a Defesa Civil os orientou a voltar, mas pediram que ficassem atentos a qualquer anormalidade e disseram que as equipes estão focando suas ações nas casas que estão sob risco iminente e que precisarão ser demolidas. “A instrução é para que fiquemos vigilantes durante todo esse período chuvoso e já adiantaram para alguns de nossos vizinhos as providências que precisarão ser tomadas assim que passar a chuva, como construção de muros de contenção ou mesmo de demolição e saída definitiva de algumas famílias.”
 
Arriscando a própria vida, o locutor Jean Carlos de Oliveira, 42 anos, fotografava pelo celular, ontem, o que restou da casa que habitou com a família por mais de 20 anos. Em meio a vários escombros, a casa de Jean está condenada e deverá ser demolida assim que o tempo estiar por período mais prolongado e permitir que as equipes do poder público possam acessar o local com segurança. Ele conta que vendeu o imóvel há um ano para uma família. Na quinta feira, foi avisado pelo atual proprietário que o muro havia desabado. “Vim no mesmo dia e, na sexta-feira pela manhã, disse que nunca havia passado por qualquer risco, mas recomendei que, por precaução, seria melhor que saíssem. Graças a Deus eles saíram”.


PASSAGEM RÁPIDA O motorista Juscelino Robson, 40 anos, voltou ontem com seu filho à sua casa, de onde foi obrigado a deixar às pressas na sexta-feira, após alerta da Defesa Civil. Ele procurava documentos e alguns objetos pequenos que pudesse levar, já que foi liberado apenas para “uma passagem rápida” pelo local. Ele se preparava para levar alguma ajuda à mãe, que mora em Raposos e também se tornou vítima e ficou desabrigada com a cheia provocada pelo Rio das Velhas, que inundou 70% do município da Região Metropolitana.
Ele contou que, no dia do deslizamento, estava em casa e e ficou marcado pelo desespero das pessoas tentando sair de casa. Foi no terreno de sua casa que uma escada improvisada ajudou a salvar mais de 30 pessoas. “A tragédia só não foi maior porque a queda da rede elétrica “energizou” a lama e as pessoas que tentavam retornar para salvar alguma coisa tomavam choque e desistiam de acessar suas casas. Aí, vieram mais dois deslizamentos. Era para ter mais gente em suas casas naquele momento”.
 
Juscelino conta que a energia elétrica e o fornecimento de água nas áreas atingidas foram suspensos. “É uma forma de impedir que alguém volte para as casas condenadas. Mas ninguém quer voltar.”

Alerta de rompimento assusta comunidade


Por volta das 23h de terça-feira, um carro de som da Guarda Civil Municipal de Belo Horizonte começou a circular pelas ruas da Vila Ferrara, na região do Barreiro, pedindo aos moradores que deixassem suas casas e procurassem abrigo nas partes mais altas do bairro. É que a comunidade está situada abaixo da barragem de contenção de águas pluviais Bonsucesso, construída pela prefeitura como medida de prevenção a enchentes, e estava sob risco de transbordamento.
 
Vários moradores saíram às pressas e foram para a igreja em ponto mais altos. Keila Fernandes, de 30 anos dona de casa, nascida e criada no bairro, conta que foi um momento de grande tensão. “Muitas pessoas já se preparavam para dormir e, diante do ocorrido na vizinha Vila Bernadete, ficamos com muito medo”. Keila disse que alguns moradores foram instruídos a procurar a Escola Estadual Maria Belmira Trindade, mas ele já estava ocupada com famílias desabrigadas da Vila Bernadete. Ela saiu de casa imediatamente, com o marido e o filho de três anos. Todos os seus parentes, também moradores do bairro, se deslocaram para a igreja, que fica em ponto mais elevado.
 
Segundo Keila, em nenhum momento houve um alerta da defesa civil. “Tentamos telefonar à noite, mas somente após as 2h conseguimos contato e fomos avisados que poderíamos voltar para casa, que a evacuação tinha sido preventiva.” (EG)

“A gente fica doente”, diz morador do Jardim Alvorada


Gustavo Werneck

“Um tem que olhar pelo outro”. Esse é o pensamento do pedreiro Adriano Fragas Santana, de 33 anos, casado e pai de duas meninas de 12 e 3, que, na noite de ontem, reviveu todo o drama do fim de semana. Morador do Bairro Jardim Alvorada, na Região da Pampulha, em Belo Horizonte, Adriano deixou o imóvel, construído por ele “desde o chão”, para se abrigar, com a família, na casa da irmã, no Bairro Ouro Preto. “Fico preocupado, afinal de contas, a cidade é de todos, não importa a classe social da pessoa atingida”, afirmou o pedreiro em referência aos estragos no Bairro de Lourdes e São Bento, na Centro-Sul, e Buritis, na Região Oeste, três localidades nobres da capital.
 
O medo, acredita Adriano, une as pessoas nesse momento em que BH tem o janeiro mais chuvoso da sua história, com mortes, desabamentos, flagelados, ruas virando rios e o nível das águas subindo em questão de minutos. “Todos ficam preocupados, ainda mais quem tem filhos. E a gente fica doente. Desde o fim de semana, estou com uma dor na coluna que não passa, já estive no hospital e agora terei que fazer exames”. Nordestino de Sergipe, Adriano chegou à capital mineira aos 18 anos em busca de emprego e adotou a cidade. Agora, espera a chuva passar para ver se poderá continuar vivendo com a família na Rua Flor do Baile.
 
O temor de Adriano e demais famílias de áreas de risco do Jardim Alvorada faz todo sentido, pois foi no bairro que, na madrugada de sábado, morreu Maria Estela e seus três filhos pequenos, além de um vizinho. Os barracões, no sopé de uma encosta, foram engolidos pela terra e desapareceram do mapa. Desde então, equipe da Defesa Civil têm ido ao local a fim de orientar os moradores a abandonar a áreas de risco, não cortar árvores e esperar o solo secar para qualquer intervenção.

VIDA HUMANA Também moradora do Jardim Alvorada, Fabrícia Aparecida Paulino, de 37, fica preocupada com a situação dos belo-horizontino que perdem seus bens debaixo das chuvas torrenciais. “Não podemos pensar se é rico ou pobre, em que lugar mora. É a vida das pessoas o que mais interessa”, acredita Fabrícia, que começa a trabalhar hoje e tem programado para começar, dia 3, um curso de eletricista. Para não ficar em abrigo municipal, ela preferiu alugar um “cantinho” para viver, temporariamente, com os quatro filhos e a neta de um ano. “Já estive lá na minha casa, vi rachaduras no quarto. Fico preocupada”.
 
Já na Rua Antônio Fernandes Melo, quase esquina com a Flor da Verdade, uma cruz marca o local onde viveram e morreram Maria Estela, os três filhos, que foram sepultados ontem, no Cemitério do Bonfim, e um vizinho. O marido de Maria Estela, Anselmo Pereira, de 55, não estava no imóvel, quando a encosta desceu e soterrou a moradia. “Ontem, na hora da chuvarada, lembrei deles de todos os que estão em dificuldade. Tive que sair de casa e ir para a casa da minha mãe. Nesse momento, o melhor é estar seguro”, disse Arlaine Dias, casada e mãe de Arthur, de 5 anos.


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