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Raposos em situação crítica

Arrasado pelo transbordamento do Rio das Velhas, o município é o que mais preocupa a Defesa Civil. Inundação deixou cerca de 3 mil desabrigados, um sexto da população


postado em 25/01/2020 04:00 / atualizado em 25/01/2020 09:13

Gustavo Werneck e Elian Guimarães
As casas da manicure Mariana Morais e da mãe dela ficaram debaixo d'água, como outras moradias, numa repetição das enchentes de 1997 (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
As casas da manicure Mariana Morais e da mãe dela ficaram debaixo d'água, como outras moradias, numa repetição das enchentes de 1997 (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

Eram 16h de ontem e a manicure Mariana Silva Morais, moradora da Margem da Linha, no Bairro Vila Bela, em Raposos, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, tinha uma grande preocupação: qual seria a reação da mãe, que chegaria em uma hora, ao ver que a casa dela estava debaixo d'água. A inundação que atingiu o município de 18 mil habitantes, dividido pelo Rio das Velhas, tornou a cidade o maior foco de preocupação da Defesa Civil. Cerca de 1 mil famílias ficaram desabrigadas, o que significa um drama para 3 mil pessoas, um sexto da população local.
 
"Moro ao lado, sozinha, e minha casa também foi muito atingida. Vou dormir na casa de uma vizinha, mas minha mãe mora com mais uma filha e três netos. Já falei com ela pelo celular, mas, ver de perto, é muito triste", disse a manicure Mariana. Em Raposos, o Rio das Velhas subiu quatro metros acima do seu nível. A situação da cidade é considerada a pior no estado.
 
Os trabalhos das equipes de salvamento e resgate começaram às 22 horas da noite de quinta-feira, quando a Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros começaram a receber pedidos de socorro para muros que caíram, deslizamentos de encostas e pessoas ilhadas em suas casas. Os desabrigados foram encaminhados para casa de parentes ou para duas escolas municipais preparadas para recebê-los, com equipes da assistência social para cadastrar os moradores e receber donativos. A cidade não dispõe de hotéis ou pousadas que possam abrigar os desalojados.
 
A Polícia Militar liberou à tarde para os pedestres a passagem na ponte Magalhães Pinto, sobre o Rio das Velhas. Eles aguardaram até três horas para retornar as suas casas. A interdição ocorreu na madrugada, quando o volume do manancial subiu muito e colocou em risco a estrutura que liga os dois lados do Centro de Raposos, na Grande BH. A liberação ocorreu, segundo militares que monitoram a ponte, fechada a veículos, devido ao nível do Rio das Velhas ter baixado um pouco.
 
A princípio o bairro mais atingido foi o Várzea do Sítio onde trezentas pessoas foram retiradas de suas casas que foram completamente inundadas pelo córrego da Prata. Depois foi a vez do Bairro Horto, no centro da cidade, com a elevação do nível do rio das Velhas. Comerciantes e moradores tentavam salvar o que podiam. Muitos comparavam a situação àquela provocada pelas enchentes que arrasaram a cidade no ano de 1997. Segundo a coordenadoria da Defesa Civil do município, foram acionadas várias equipes de servidores do município e voluntárias acionadas para avisar os moradores em risco ou ajudando no resgate.

Tragédia anunciada A secretária de Desenvolvimento Social, Ana Mota, disse que o momento mais crítico foi o da interdição da ponte, paralisando completamente qualquer atividade na cidade. Ela estima que há 2,5 mil pessoas vivendo em áreas de risco no município. O prefeito Sérgio Silveira Soares (Psb) decretou calamidade pública.
 
No bairro Ponte de Ferro, entre a MG 30 e o Rio das Velhas, na entrada de Raposos, moradores passaram a noite em claro observando a subida das águas. Segundo a doméstica Nivalda Almeida Santos, 50 anos, ela retirou mantimentos, documentos e algumas roupas, mas deixou móveis e pertences para trás. Segundo os moradores, funcionários da prefeitura e a Defesa Civil estiveram com eles recomendaram a retirada.
 
O aposentado Evarizio Egídio Vieira, 70 anos, contou ter passado por diversas enchentes. Disse que ficará na rua se tiver que abandonar sua casa, por não ter para onde ir. Ele já perdeu tudo o que tinha diversas vezes. José Cláudio Bintecourt, de 59, motorista de caminhão, deixou sua casa com mulher e filhos por “precaução”.
 
O motorista conta que depois da enchente de 1997 precisou elevar o muro de arrimo da casa, mas outras enchentes aconteceram. “A de 97 foi a pior que já presenciei em 26 anos que moro no Ponte de Ferro. Mas estamos preocupados hoje e passamos a noite em claro”. O temor dos moradores ribeirinhos é de possibilidade de rompimento de barragem a montante, em Itabirito, o que aumentaria a tragédia.
Perto da casa da manicure Mariana Silva, o sofrimento dos moradores aumenta na intensidade do volume Rio das Velhas. Para chegar ao portão de casa, Gabriel Rômulo Soares de Paula, de 21 anos, fica com a água na altura do joelho. O rapaz, que trabalha num restaurante na vizinha Nova Lima, não pôde trabalhar ontem e, com a mãe, Denise de Jesus Soares, de 48, e dois irmãos, buscou abrigo na casa da tia, Vanusa. “Perdemos muita coisa é conseguimos tirar outras. Mas meu telefone fixo está lá”, contou Denise.

Cidade das águas

Raposos foi um dos primeiros povoados criados em Minas Gerais pelos bandeirantes em busca de ouro. Cortada praticamente ao meio pelo Rio das Velhas, a cidade nasceu com o batismo de Arraial das Velhas, fundado em 1690 por Pedro de Morais Raposo. O território municipal, de 72,3 quilômetros quadrados é composto do bioma Mata Atlântica e abriga uma espécie de santuário ecológico, com suas mais de 18 nascentes e as atrações conhecidas dos poços dos Crentes, da Pedra e dos Impossíveis.  A população está estimada, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 16,3 mil habitantes, cujo rendimento per capita é de até meio salário mínimo (o equivalente a R$ 519,50) para mais de um terço dos moradores. A economia local surgiu baseada na mineração de ouro nos anos 1830 e hoje depende em 87% de sua receita da transferência de verbas do estado e da União. Em dezembro de 1948, o Arraial dos Raposos foi elevado à categoria de município, denominado Raposos, tendo se desmembrado de Nova Lima em 1º de Janeiro de 1949.

Junção de fatores explica temporal

Felipe Quintella*

O recorde de volume de chuva registrado em Belo Horizonte ontem, de 171,8mm em 24 horas, é explicado em parte pela formação de um ciclone no litoral do Sudeste brasileiro. Apelidado de Kurumi pela Marinha, o sistema meteorológico começou a se formar na madrugada de quarta-feira.
A meteorologista Anete Fernandes, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) em Minas Gerais, explica que o ciclone direcionou o canal de umidade da Amazônia, responsável pela chuva contínua que atingiu o Sudeste esta semana. “O ciclone atua sobre o oceano e não afeta o estado. O que aconteceu foi uma junção de fatores”, esclarece.
 
Ou seja, os sistemas se acoplaram e o ciclone, no oceano, está “puxando” o canal de umidade. “Conforme o posicionamento do ciclone o canal acompanha”, informa a meteorologista. “Tanto é que o tempo já está mais aberto no Triângulo e no Campo das Vertentes”, diz Anete. Ela afirma que a tendência agora é que o Kurumi adentre mais para o oceano, mas a chuva deve continuar até amanhã.
 
O ciclone se caracteriza por um centro de baixa pressão no oceano, provocado pela elevação de ar quente, o que traz condições de tempo severo: chuva e ventos fortes. No momento, o sistema registrado no litoral brasileiro ainda é uma depressão subtropical. “À medida que ele vai se intensificando, muda de classificação, até para uma tempestade subtropical”, explica a meteorologista. Porém, não é o que deve acontecer com o Kurumi, que vai se afastar para o oceano.

*Estagiário sob supervisão da editora-assistente Vera Schmitz

Apreensão com usina

O superintendente de Gestão de Desastres da Defesa Civil Estadual, major Eduardo Lopes, esclareceu,  em Raposos, que não há qualquer determinação para abertura de comportas na barragem da Pequena Central Hidrelétrica (PCH), da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), em Itabirito. “Já entramos em contato com a Cemig, e nada será feito sem entendimento com a Defesa Civil. Por enquanto, a situação está sob controle, disse o major. Ainda sobre PCH, da Cemig, o major Eduardo informou que nada será feito sem avaliação de impactos. Uma eventual abertura de comportas, com água escoada pelo Rio das Velhas, agravaria ainda mais a situação no município.


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