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Estado de Minas

Gerente da Nova Estância conta como escapou da lama da barragem da Vale em Córrego do Feijão

Um almoço com o filho salvou a mulher da tragédia; minutos depois que ela saiu a hospedaria foi arrasada pelo tsunami de rejeitos na zona rural de Brumadinho


postado em 16/02/2019 06:00 / atualizado em 16/02/2019 10:58

Lucinéia Aparecida Novais ficou sabendo do rompimento, que matou os amigos e proprietários da pousada, logo que chegou à sua residência(foto: Edésio Ferreira/EM/D.A PRESS)
Lucinéia Aparecida Novais ficou sabendo do rompimento, que matou os amigos e proprietários da pousada, logo que chegou à sua residência (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A PRESS)

Brumadinho – Vinte e três dias depois do rompimento da barragem que levou um rastro de destruição ao Córrego do Feijão e Parque da Cachoeira, comunidades de Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a população local tenta levar a vida em meio à incerteza sobre o futuro. Em uma das casas do pacato vilarejo do Feijão conhecido pela tranquilidade, só agora Lucinéia Aparecida de Souza Rocha Novais, de 32 anos, começa a assimilar o misto de sentimentos que viveu em 25 de janeiro. Gerente da Pousada Nova Estância, arrasada pela lama, Néia, como é conhecida pelos vizinhos, deixou a área devastada para almoçar em casa, no Córrego do Feijão, cerca de 15 minutos antes do tsunami de rejeitos, o que hoje é motivo de alívio. Por outro lado, a tristeza é a principal sensação quando ela lembra dos amigos que perdeu no desastre.

“Eu comentei com uma funcionária que estava na hora de a gente almoçar. Olhei no relógio do laptop e faltavam três minutos para o meio-dia. Mas ainda falamos mais algumas coisas e eu saí. No caminho, vi que esqueci minha bolsa e pensei em voltar, mas desisti porque logo depois eu já estaria de volta”, conta Néia. Quando chegou em casa, foi a conta de receber uma ligação da esposa de um dos funcionários informando sobre a tragédia, que inicialmente ela não acreditou. “Pensei que era mentira, porque eu tinha acabado de sair de lá. Só conseguia pensar nas pessoas que estavam na pousada. Cada hora eu me lembrava de um. Depois, com certeza foi um alívio muito grande, porque por questão de minutos eu estaria entre as vítimas. Eu considero que foi um milagre e agradeço muito a Deus por isso”, diz ela.

A gerente da Nova Estância diz que também passou a pensar desesperadamente no filho, que poderia ter ficado sem o apoio da mãe se ela não tivesse ido em casa dar o almoço da criança. Logo depois, ela pegou o carro e tentou ir até a pousada. “Quando cheguei e vi aquela catástrofe, foi horrível. Abriu um buraco, a avalanche de lama veio arrancando o solo e por isso abriu um buraco. Quando vi o buraco entrei no carro e não conseguia assimilar, tentei virar o carro, demorei vários minutos para conseguir entender o que estava acontecendo. Não imaginava que tivesse chegado à extensão da pousada”, afirma. Quando lembra dos colegas que estavam ali e dos donos da hospedagem, Márcio Mascarenhas e a esposa, Lucinéia se dá conta de que todos viviam como se a Nova Estância fosse uma grande família. Enquanto alguns funcionários perderam as casas que ficavam dentro da pousada, ela cuida do pequeno Bob, cão que pertence à amiga Alessandra de Souza, uma das feridas no desastre. Ela e o marido foram para um hotel bancado pela Vale, mas a filha do casal ainda não foi encontrada. A irmã de Alessandra também ficou ferida.

RECONSTRUÇÃO
A primeira intenção da gerente ao conversar com o marido pós-rompimento era deixar o Córrego do Feijão. Mas essa ideia mudou a partir do momento em que o casal definiu que tem um papel no futuro do vilarejo. “A gente pensa em continuar aqui e lutar por esse lugar para que volte a ser não igual era – porque igual não vai voltar –, mas que seja pelo menos um pouco daquilo que era”, afirma. Para isso acontecer, ela avalia que a Vale terá que dar um apoio muito maior do que vem fazendo até o momento. “Esperamos que a Vale venha fazer alguma coisa. Eu me sinto completamente desamparada pela Vale. Eu perdi o meu sustento. Até achei que me encaixaria naquele valor de doação de R$ 15 mil. Porque eles falaram que é para quem perdeu atividades produtivas”, conta.

Mas a ida à Estação do Conhecimento, em Brumadinho, não foi o que pensava, segundo Lucinéia. Ela conta que foi informada de que a doação seria para pessoas que perderam seus comércios ou agricultores que perderam plantações. “Achei um absurdo. Claro que fui atingida, eu perdi o meu emprego. Não tive uma ligação, não apareceu ninguém aqui na minha casa. Apesar do posto que eles montaram no Córrego do Feijão as respostas são vagas, tudo que eles falam é vago. Não tem nada concreto”, afirma. Enquanto observa helicópteros com corpos em cestas sobrevoando o campo onde as crianças participavam de vários projetos, ela lembra que as trepidações das janelas viraram rotina. A poeira em casa é praticamente impossível de ser retirada. “Espero que as pessoas sejam ressarcidas de alguma forma. Não é só dinheiro. Que eles venham ajudar a gente a reconstruir esse lugar”, finaliza.

Procurada pela reportagem, a Vale informou por meio de nota que a doação no valor de R$ 15 mil está suspensa temporariamente. “A Vale realizou um total de 167 registros para o pagamento da doação no valor de R$ 50 mil até a quinta-feira. O valor é destinado a quem residia em imóvel na Zona de Autossalvamento (ZAS) da Barragem 1 da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, Minas Gerais, na data do rompimento da barragem. A doação de R$ 15 mil, voltada para aqueles que desenvolviam atividades produtivas ou comerciais na ZAS, permanece suspensa temporariamente.”

E completou: “É importante destacar que o apoio financeiro é uma doação e que não se trata de indenização. Também não há prazo final para a fase de registros, que continuam a ser feitos na Estação Conhecimento em Brumadinho. Indenizações relacionadas à perda de renda serão acordadas entre as partes em conjunto com as autoridades, em um segundo momento.”

 
Bombeiros seguem com trabalho de resgate 

 

O número de mortos se mantém em 166 e o de desaparecidos cai para 144 na tragédia em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. De acordo com o Corpo de Bombeiros, ontem foram localizados dois corpos incompletos ou segmentos. As informações foram repassadas em coletiva de imprensa à tarde. A barragem da Vale no Córrego do Feijão se rompeu em 25 de janeiro.

O número pode crescer nos próximos dias. Isso porque o Instituto Médico-Legal (IML) recebeu 302 segmentos de corpos. Desses, três já foram comprovados que não eram humanos e foram excluídos da contabilização. “Os outros estão completos ou incompletos. Desses, 182 segmentos ou corpos já foram solucionados, correspondendo a 166 identificados”, explicou o delegado da Polícia Civil Arlen Bahia.

Dos identificados, 150 foram por meios da papiloscopia (impressões digitais); 13 por exames odontolegais; e dois por cicatrizes, tatuagens, sinais profissionais, mutilações. Ontem, o primeiro corpo identificado por DNA foi liberado. “A identificação por meio dele (DNA) é mais complexa, demora mais tempo que os demais”, explicou o delegado.

A família de outras 20 pessoas aguarda a confirmação por meio de confecção de laudo. “Essa é a estratégia adotada neste momento por causa do estado dos corpos”, concluiu. Ainda de acordo com ele, já foram colhidas 532 amostras para exame de DNA. Dessas, apenas 10 não foram processadas até a divulgação do balanço.

O tenente Pedro Aihara, porta-voz do Corpo de Bombeiros, pontua que não há previsão de término para as buscas. “Como já foi analisado, enquanto houver a possibilidade de resgate de corpos, vamos continuar as buscas ou até que todos sejam encontrados”, informou. As buscas, segundo o tenente, seguem na chamada zona quente, onde estavam os escritórios e refeitórios da Vale, além da Pousada Nova Estância. 


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