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Estado de Minas

Cargas e descaso travam ampliação dos trens de passageiros em Minas

Caos gerado pelo movimento de caminhoneiros evidenciou necessidade de alternativas de transporte, mas projetos de reativar turismo em ferrovias enfrentam todo tipo de obstáculo


postado em 04/06/2018 06:00 / atualizado em 04/06/2018 13:26

Viagem experimental do trem Rio-Minas: projeto avança a duras penas, graças à dedicação de apaixonados pelo meio de transporte (foto: Edésio Ferreira/EM/DA Press)
Viagem experimental do trem Rio-Minas: projeto avança a duras penas, graças à dedicação de apaixonados pelo meio de transporte (foto: Edésio Ferreira/EM/DA Press)

Enquanto a paralisação nacional dos caminhoneiros deixou clara a condição do país de refém das rodovias para escoar a produção e garantir o deslocamento de pessoas, iniciativas para retomar o transporte ferroviário de passageiros enfrentam todo tipo de entraves, que fecham os sinais da malha ferroviária para a população. Os poucos projetos que conseguem contornar os obstáculos só avançam devido à dedicação intensa de apaixonados pelos trilhos, caso do Trem Turístico Rio-Minas, que na sexta-feira fez sua segunda viagem de teste e no segundo semestre vai ligar as cidades de Cataguases, na Zona da Mata, e Três Rios (RJ), com capacidade para 870 pessoas em saídas aos fins de semana. Ao mesmo tempo, outra iniciativa que poderia facilitar o deslocamento de turistas de Belo Horizonte até Inhotim, maior museu de arte contemporânea a céu aberto do mundo, encontra como barreira a circulação de carga pelos trilhos entre a capital e Brumadinho, na região metropolitana.


Há 21 anos lutando para aproveitar ferrovias ociosas para o transporte de passageiros, Paulo Henrique do Nascimento, presidente da organização não governamental (ONG) Amigos do Trem, está à frente do projeto que vai usar o antigo ramal ferroviário Leopoldina para levar passageiros entre as cidades de Cataguases e Três Rios, com baldeação em Além Paraíba. Os trilhos que serão usados foram desativados em 2015 e ficaram ociosos desde então. Em todo o país, segundo Paulo, há nada menos que 15 mil quilômetros de ferrovias nas mesmas condições, que são ideais para aproveitamento no transporte de pessoas.


Mas não é nada fácil viabilizar projetos para reativá-las. “É muito difícil mesmo, pela falta de recursos, de parceiros, pela burocracia, mas não é impossível. É necessário muito esforço pessoal. Dedico quase 24 horas da minha vida a esse projeto do trem Rio-Minas. É um desgaste muito grande, mas é compensador, porque vai trazer benefícios para a sociedade, vai gerar emprego, renda e por isso temos que lutar por esses espaços”, afirma o presidente da ONG Amigos do Trem, que desde 2014 luta contra um câncer pulmonar e mesmo assim segue coordenando todos os esforços para viabilizar o sonho.


Em 21 de maio, o Estado de Minas acompanhou a primeira viagem de teste do trem Rio-Minas, entre Recreio e Cataguases, trecho de 60 quilômetros ainda não aberto ao público geral. A segunda ocorreu na sexta-feira, e já cobriu praticamente os 168 quilômetros do trecho Cataguases/Três Rios. Na versão para passageiros, serão 15 vagões, com capacidade para 870 pessoas, restaurante, lanchonete, um carro específico para eventos e com acessibilidade garantida para deficientes. A velocidade deve atingir 30km/h.

A circulação se dará sempre nos fins de semana, com partidas de Cataguases (MG) e Três Rios (RJ), estação de baldeação na mineira Além Paraíba e oito municípios no roteiro. De acordo com a experiência de Paulo Henrique, a viabilidade desse tipo de projeto é maior em lugares onde não há transporte de carga, pois o compartilhamento de pessoas e produtos gera dificuldades técnicas. “Esse compartilhamento é complexo, pois as condições técnicas ficam mais difíceis em ferrovias com grande movimento de carga”, afirma.

(foto: Arte EM)
(foto: Arte EM)

Cargueiros predominam

 

A barreira imposta pela carga é justamente o problema enfrentado atualmente pela organização da sociedade civil de interesse público (Oscip) Apito, que tenta viabilizar projeto para implantar um trem de passageiros entre BH e o Inhotim, museu de arte contemporânea que fica em Brumadinho, na Grande BH. A MRS Logística, concessionária responsável pelo trecho ferroviário que seria usado, sustenta que o movimento mundial é o de separação entre carga e passageiros, e não de compartilhamento.


O engenheiro ferroviário Sérgio Motta Mello, da Oscip Apito, participou de uma viagem pelo trecho em questão, com pessoas ligadas a outras entidades que lutam pelo transporte de passageiros em ferrovias e também acompanhado de um representante da própria MRS. A conclusão, afirma, é de que a viagem é viável e pode acontecer sem grandes interferências no transporte de carga.


Segundo ele, poucos ajustes são necessários e o percurso leva em torno de uma hora e 20 minutos. “Essa viagem nos mostrou que a linha não tem movimento capaz de criar empecilhos ao projeto. É totalmente viável, e nós agora estamos aguardando uma carta de anuência da MRS, que nos permitirá tirar o projeto do papel”, afirma Sérgio. O engenheiro pontuou que serão necessários ajustes em um trecho de cerca de quatro quilômetros entre o Bairro Gameleira, Oeste de BH, e a Região do Barreiro, principalmente do ponto de vista de manutenção, mas nada que inviabilize a proposta.

"É muito difícil mesmo, pela falta de recursos, de parceiros, pela burocracia, mas não é impossível." - Paulo Henrique Nascimento, da ONG Amigos do Trem, sobre os projetos de transporte de passageiros (foto: Edésio Ferreira/EM/DA Press)
 

Poucos trechos para o turismo 

Para o conselheiro da ONG Transporte e Ecologia em Movimento (Trem) Nelson Dantas, com as concessões da malha ferroviária à iniciativa privada, o que restou em termos de transporte de passageiros foram pequenos trechos para trens turísticos. Mesmo assim, com projetos de capacidade bem menor do que o transporte regular de pessoas, Dantas avalia que iniciativas como a do trem BH/Inhotim são válidas. “Vai resgatar um transporte que é muito importante e tem condição de potencializar o turismo na Grande BH”, afirma. Mas a resistência das empresas transportadoras, segundo Dantas, é grande não só nesse trecho específico, como em todo o Brasil.


Em nota, a MRS informou que não atua diretamente com os interessados pelo projeto de um trem de passageiros em sua malha ferroviária, mas com a Agência Nacional de Transportes Terrrestres (ANTT), responsável por autorizar a implantação. Ainda segundo a empresa, no caso do trem BH/Inhotim, a ANTT vai avaliar se o serviço se sustenta, dos pontos de vista operacional, econômico e de segurança. “Ao longo desse processo, que não é rápido, pela seriedade que é o transporte de pessoas, a ANTT pode (e provavelmente irá) nos consultar e pedir dados e informações para subsidiar sua decisão”, informou a MRS.

 

Também em nota, a ANTT informou que o contrato de concessão da MRS não envolve transporte de passageiros, apenas de carga, mas que a empresa deve assegurar a passagem de até dois pares de trens de passageiros, por dia, em trechos com densidade de tráfego específica, mas não esclareceu qual é o volume de tráfego da ferrovia operada pela MRS no trecho em que há interesse em implantar o trem de passageiros. A ANTT informou, por fim, que qualquer empresa que quiser solicitar transporte ferroviário de passageiros com finalidade turística, histórico-cultural e comemorativa deve fazer a solicitação à agência. 

De BH ao Inhotim em vagões do Vera Cruz


 

Pátio da MRS em BH: trecho turístico depende de concordância da transportadora de cargas(foto: Marcos Vieira/EM/DA Press)
Pátio da MRS em BH: trecho turístico depende de concordância da transportadora de cargas (foto: Marcos Vieira/EM/DA Press)

O projeto para ligar Belo Horizonte ao Museu Inhotim, em Brumadinho, por trilhos prevê a implantação de dois trens de passageiros saindo no início da manhã da Estação Central de BH, cada um com 10 vagões, e retorno no fim da tarde, com capacidade para levar 1.480 pessoas por dia. O custo da passagem giraria em torno de R$ 115, já incluindo a entrada de R$ 44 no Inhotim e também a possibilidade de visita no Museu de Artes e Ofícios, que custa R$ 3. Além disso, o engenheiro ferroviário Sérgio Motta Mello, que está à frente do projeto pela organização da sociedade civil de interesse público (Oscip) Apito, diz que o serviço de bordo oferecerá petiscos, água e café aos passageiros.


Para garantir o projeto são necessários investimentos para construir um terminal no estacionamento do Inhotim, a recuperação dos 20 vagões, além de adequações no terminal da Estação Central, que será usado para a partida dos trens. Esse terminal, segundo Sérgio, pertence à Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) e fica ao lado das plataformas de embarque e desembarque da Vale. Ainda de acordo com Sérgio, a CBTU já concordou em ceder o terminal ao projeto, porém isso só vai ocorrer se e quando a MRS der anuência para a operação.


O engenheiro ferroviário afirma que já há uma parceria com investidores para viabilizar todos os custos do projeto. Atualmente, dos 20 vagões necessários, 12 estão disponíveis, mas como foram bastante depredados, precisam passar por recuperação. Eles chegaram a ser usados como composições do antigo Vera Cruz, primeiro trem de luxo que rodou em Minas Gerais e que conectou a capital mineira ao Rio de Janeiro a partir de década de 1950. Para chegar até Inhotim, o trem passará pela Região do Barreiro e pelas cidades de Ibirité, Sarzedo e Mário Campos, antes de chegar ao município de Brumadinho.


Segundo o diretor-executivo do Inhotim, Antônio Grassi, o projeto ainda está em fase de análise. Mas ele avalia que a implantação do transporte ferroviário de passageiros entre BH e o museu representaria um grande ganho para o instituto, que recebe 350 mil pessoas por ano de diversos estados e países, e para a população mineira em geral. “Um projeto inovador como esse dará ainda mais visibilidade ao Inhotim, facilitando o deslocamento do público, aumentando o número de visitas e impulsionando o turismo na região. Além disso, colocará o Inhotim na rota de instituições culturais, artísticas e parques internacionais que oferecem a estrutura ferroviária como opção de acesso”, afirma.

Saídas custariam R$ 600 bi e 15 anos


Em reportagem publicada em sua edição de ontem, o Estado de Minas mostrou, com base em cálculos de especialistas, que o Brasil precisará investir R$ 600 bilhões, sobretudo em ferrovias, se quiser se livrar da dependência quase total do transporte rodoviário. Diante do movimento dos caminhoneiros, que em 10 dias deixou o país à beira do colapso, ficou evidente a necessidade de buscar diversificação da matriz de deslocamento de pessoas e cargas, mas esse processo, além de caro, seria demorado: a estimativa é de que consumiria pelo menos uma década e meia.

 


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