
Aos 50 anos, o agente de turismo Paulo Machado, de São Paulo, teve direito à fama instantânea na internet reproduzindo, na página da filha no Facebook, algo de mais íntimo e pessoal: um bilhete para a “filhota” Catarina, de 17 anos, escrito a mão em folha branca, caneta esferográfica e caligrafia caprichada. “A partir de hoje, todos dias vou mudar a senha do wi-fi de casa. Para receber a senha de hoje, precisas arrumar o teu quarto e lavar a louça. Do pai que te adora”. Em menos de 24 horas, o lembrete carinhoso, e ao mesmo tempo, firme, teve mais de 100 mil compartilhamentos, 71 mil curtidas e 12.400 novos seguidores. Até então, o post mais cotado, dizendo que “viajar vicia, mas faz um bem danado à saúde”, tinha 251 curtidas. Em Belo Horizonte, mães e pais também usam artimanhas para garantir a ajuda de seus filhotes nas tarefas domésticas, mas há quem critique o artifício.
Quatro pessoas, uma casa grande, muitas tarefas. E apenas uma para fazer tudo. Cama desarrumada, talheres para serem lavados, cães para serem alimentados e uma briga diária para definir qual dos dois filhos toma banho primeiro. Diante de tantos impasses, a dona de casa Celeste Avelar, de 46 anos, não teve dúvidas e implantou, há cerca de três anos, uma rotina rigorosa em casa. Os dias da semana são igualmente divididos para que Heitor, de 15, e Rafael, de 14, ajudem nas tarefas domésticas.
Segundas, quartas e sextas-feiras são os dias em que o mais velho deve arrumar as camas, pôr a mesa do café da manhã e dar comida aos cachorros. Ele também deve ser o primeiro a tomar banho, mas, em compensação, tem o direito de andar no banco do passageiro do carro ao lado do motorista. O caçula assume essas responsabilidades às terças, quintas e aos sábados. Domingo há um revezamento: ora um, ora outro.
Celeste conta que cresceu com cinco irmãos, sendo ela a única mulher. “No fim de semana, cabia a mim arrumar a casa. Só podia sair depois de cumprir as obrigações. Prometi que se tivesse filhos ou filhas, a regra seria a mesma e teriam de me ajudar”, conta. “Não temos empregada e ninguém para ajudar. É muito pesado fazer tudo sozinha. Eles reclamam, mas penso que será bom para eles no futuro”, acrescenta. Na hora do aperto, sobra para todo mundo. E o marido também não escapa. “Eu também quero descansar e, se todos colaborarem, isso é possível para todos nós.” Se alguém sai da linha, a regra é clara: ficam canceladas brincadeiras, o jogo de futebol e o skate.
Para a psicóloga de Belo Horizonte Paula Mello, o grande erro do seu xará de São Paulo foi impor a troca da senha do wi-fi todos os dias, o que pressupõe que essa seja uma prática comum na família. “Em vez de cobrar por lavar a louça e arrumar o quarto, aqui em casa a gente lida melhor com combinados. Tento valorizar meus filhos. Durante a semana não costumo deixar que liguem os eletrônicos, mas hoje o João terminou o dever de casa e leu um livro inteiro pela manhã. Mereceu a recompensa de brincar com o X-box, antecipando o ritmo do fim de semana”, explica a mãe, que deixou de trabalhar fora para se dedicar à filha Júlia, que está adolescendo aos 14 anos, e ao caçula João, de 8.
A jornalista Andréa Guimarães, de 39, esperou apenas os filhos Izabela, de 7, e Arthur, de 9, crescerem um pouquinho para, desde cedo, também pôr ordem na casa e usou de artimanha para o casalzinho dar conta dos afazeres domésticos e dos estudos. Nos fins de semana, eles têm a obrigação de estender a roupa de cama, retirar copos e pratos da mesa, pegar a roupa suja e pôr no cesto, lavar o prato do lanche e passear com o cachorro. Eles dão até mesmo uma força para a mãe na cozinha e, na hora de fazer o bolo, lá estão as crianças prontas para ajudar. Na contrapartida, está valendo algo de que os meninos gostam muito: joguinho no telefone celular. “Tenho esperança de que mais para frente meus filhos consigam executar as tarefas sem eu ter de fazer chantagem, porque acho isso muito chato”, afirma.
Em entrevista a O Estado de S.Paulo, Machado disse que a repercussão mostra como o assunto é preocupante e aflige os pais e a família do mundo moderno. Ele acrescentou que a reação foi muito positiva, tanto da parte dos pais quanto dos filhos. Catarina também achou a repercussão interessante, segundo o pai, e percebeu que é uma preocupação não só dos pais dela, mas de milhões de outras pessoas no mundo inteiro.
Para quem ficou curioso com o desfecho do caso, Paulo Machado contou que a tática deu certo, em entrevista ao tabloide Extra, do Rio de Janeiro. Em cerca de cinco minutos, a filha respondeu na mesma moeda: envio ao pai fotos mostrando uma pia sem louça e outra do quarto arrumado.