
Enquanto isso não ocorre, pescadores recolheram suas embarcações e apetrechos. Prejudicados pela mortandade de toneladas de peixes, eles ainda não sabem como retomarão os cursos de suas vidas e menos ainda quando e se os cardumes voltarão a povoar as águas. “Na época boa, eu pescava até sete quilos por dia”, afirma Wagner José Pereira, de 33 anos, do município de Galileia. Ele conta que a ajuda mensal da Samarco é inferior à renda que conseguia com o trabalho. Com o sumiço de espécies como cascudos, dourados, tucunarés, tilápias e traíras, ele vive apreensivo, pois não sabe até quando continuará recebendo o dinheiro do “cartão da Samarco”.
Mas a lama de rejeitos que chegou pelo leito arruinou também a vida de que vivia às margens – pequenos agricultores, como Celiomar Ribeiro de Amorim, de 55 anos, do município de Tumiritinga, de 6,7 mil habitantes. Ele conta que o terreno de quatro hectares que cultivava em uma ilha do Rio Doce foi completamente arrasado. “Eu plantava mandioca, hortaliças, quiabo, batata-doce, milho e outras culturas. Veio a onda de lama e aterrou tudo”, lamenta Celiomar, salientando que foi formada na superfície do terreno uma camada dura de rejeitos que, em certos pontos, chega até a 40 centímetros de espessura.
Casado e pai de dois filhos, Celiomar recebe o pagamento mensal da Samarco – um salário-mínimo, acrescido de 20% por dependente (R$ 1.056) mais o valor de uma cesta básica, de R$ 417,72. Mas ele alega que o valor fica aquém da renda que obtinha com a sua produção antes da tragédia. Ele é cadastrado como fornecedor de alimentos para a merenda escolar em Tumiritinga. “Estou comprando os produtos e entregando para as escolas do mesmo jeito, para não perder o contrato”, explica.
Também de Tumiritinga, o agricultor João Antônio Valentim vive situação pior. Ele reclama que, por causa da lama, teve que interromper o plantio na pequena gleba às margens do Rio Doce, da qual tirava seu sustento. Até hoje não recebe nada da mineradora. “Tentei fazer o cadastro, mas não consegui nada”, reclama ele, que cultivava milho, feijão e hortaliças na área de cinco hectares, situada próximo ao ponto em que o Rio Caratinga deságua no Doce.

Com sede ao lado do leito
A mesma lama que sufocou plantações e esterilizou o solo prejudica os animais ao longo do Rio Doce. A lama da Barragem do Fundão afetou também criadores de gado nas propriedades ao longo do curso. Devido à poluição, eles se viram impedidos de usar a água do rio até mesmo para matar a sede dos rebanhos. Também passaram a enfrentar problemas para a alimentação das reses, pois as pastagens das vazantes ou próximas às barrancas do rio foram devastadas ou contaminadas.
O problema é enfrentado em Galileia, de 6,9 mil habitantes. O presidente do sindicato dos produtores rurais do município, Francisco Sávio Martins Nacif, salienta que a Samarco fez um levantamento dos danos e passou a fornecer ração para que criadores mantivessem seus rebanhos, providenciando também caminhão-pipa para levar água potável até as propriedades. “A situação ainda não está totalmente normalizada. Acho que a maior dificuldade enfrentada é a falta de confiança das pessoas, que ficam em dúvida se os alimentos produzidos na região têm contaminação”, diz Nacif. Ele se preocupa com a ameaça de contaminação por metais pesados na água do Rio Doce. “Nosso temor maior é com as consequências futuras, se essa poluição poderá causar doenças. Somente com o passar dos anos vamos saber isso”, diz o sindicalista.
NO POÇO A degradação criou uma situação antes impensável: produtores instalados às margens de um dos maiores rios do país foram obrigados a perfurar poços em suas propriedades para manter os rebanhos. Alguns deles, como Bruno Cardoso, de Galileia, tiveram até que cercar a margem do Rio Doce, para impedir que o gado consumisse a água que considera “envenenada”.
Outros foram obrigados a vender os animais. Um deles foi o pequeno produtor Rulian Costa Marquiori, do município de Resplendor, que criava em torno de 10 reses em um terreno de oito hectares às margens do rio. A lama de rejeitos o forçou a acabar com a criação. “O pasto acabou e a água do rio ficou poluída e não podia mais ser consumida pelo gado”, relata Rulian, que mantém um açougue na cidade.
