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Estado de Minas PREPARADOS PARA O PIOR

Brasileiros são sobrevivencialistas por natureza, diz adepto

Para o educador físico Michael Santos, na época da inflação por exemplo, 'sem saber, aprendemos a fazer estoques'


postado em 10/04/2016 06:00 / atualizado em 10/04/2016 10:59

Alunos do curso de sobrevivência aprendem como purificar água. Garantir a hidratação é uma das prioridades(foto: Mateus Parreiras/EM/D.A.Press)
Alunos do curso de sobrevivência aprendem como purificar água. Garantir a hidratação é uma das prioridades (foto: Mateus Parreiras/EM/D.A.Press)

As atividades no curso de sobrevivencialismo são intensas. Os planos para conseguir chegar a um local seguro por caminhos alternativos e sem riscos são simulados constantemente. As rotas de fuga para refúgios previamente arranjados também. Na mochila, tudo que se precisa para sobreviver por 72 horas. Estoques de comida enlatada, álcool, remédios e papel higiênico podem ajudar a atravessar mais de um mês numa situação em que supermercados são saqueados. Facas, arcos e armas de fogo estão entre as defesas contra invasores, seguindo táticas militares e de guerrilha.


Inspirados nos preparadores norte-americanos, que, sobretudo durante a Guerra Fria, desenvolveram e trocaram conhecimentos que lhes permitiriam sobreviver em caso de um ataque nuclear ou de uma invasão comunista, a cada dia há mais brasileiros envolvidos com a filosofia sobrevivencialista. Nos fóruns da internet, uma legião de adeptos, inclusive em Minas Gerais, segue blogs, vlogs, podcasts e programas de TV que difundem a ideia de que se deve estar preparado para defender a família em casos de necessidades extremas que são classificadas em português como “situações de crise”, a tradução livre para a sigla inglesa SHTF de shit hits the fan – quando os “excrementos baterem no ventilador”, na tradução literal.

A discrição é um dos princípios apreciados pelos sobrevivencialistas e que dificulta sua identificação. “De nada vale você ter uma preparação toda estruturada e outras pessoas saberem disso. Num caso extremo, você passaria a ser alvo”, argumenta o educador físico Michael Santos, de 33 anos, morador de Juiz de Fora, na Zona da Mata. À primeira vista, o educador físico não chama a atenção. Um homem de mochila, boné e óculos escuros que se mescla ao vaivém de trabalhadores e estudantes do Centro de Belo Horizonte, onde se prepara para um concurso público.

Contudo, dentro da mochila, Michael tem equipamentos que lhe dariam uma vantagem em caso de caos na cidade ou de um acidente na viagem entre sua cidade e a capital mineira. Organizados dentro da mochila vão um kit médico, kit de higiene, guarda-chuva compacto, anoraque, faca de caça, adaga ocultável, saco de lixo de 200 litros, garrafa de água, lanternas, luvas de couro, canivete, multiferramentas, álcool em gel, monóculo, isqueiro-maçarico, cordas, barras de cereais e chocolates, entre outros. “Quando apitava jogos, meus colegas zoavam minhas preparações. Mas uma vez teve um acidente e a BR-040 ficou parada por horas, no meio do nada, em Ressaquinha. Eu era o único que dispunha de comida, água, agasalho, lanterna etc”, lembra.

Michael foi escoteiro e retomou o gosto pela sobrevivência querendo voltar a acampar. Foi buscando informações na internet sobre meios de levar menos equipamentos que encontrou fóruns sobre o assunto e hoje faz a coordenação do Grupo Sobrevivencialista Estadual de Minas Gerais no Facebook. “Aqui em Minas Gerais, temos pessoas engajadas. Gente de BH, da Zona da Mata, do Triângulo. É importante ter uma rede de contatos, sobretudo porque não se sobrevive sozinho. Em casos de cidade sitiadas, sabemos que os lobos solitários – pessoas que ficam sozinhas – não duram muito. Por isso é importante conhecer quem pode ajudar, quem tem habilidades diferentes e úteis. Infelizmente, quem não tem nenhuma habilidade morre primeiro, atrasa o grupo e dá trabalho”, afirma.

ATAQUE ZUMBI Para Michael, o brasileiro tem facilidade de entender a lógica do sobrevivencialismo por ser essa uma experiência comum na população. “Somos sobrevivencialistas por natureza. Na época da inflação, sem saber, aprendemos a fazer estoques. Uma das premissas é ter em casa itens para uma situação adversa até solucionar a situação”, disse. Algo que deixa os adeptos desconfortáveis é a comparação com pessoas que se preparam para um ataque zumbi ou invasão interplanetária.

“Hoje tem muita moda de apocalipse zumbi, mas para mim isso é um entretenimento. Sobrevivencialistas mais sérios estão mais preocupados com os problemas econômicos do país, com o desabastecimento. Moro na região serrana. Uma enchente pode ocorrer e você ficar sem água potável e comida. Procuro me focar em cenários mais factíveis. Faço algum estoque do que gosto quando encontro promoções, por exemplo. Papel higiênico, gêneros enlatados, leite etc.

O administrador belo-horizontino Paulo Junior iniciou sua preparação após pesquisar por mais de 40 países para redigir uma tese sobre mobilização psicossocial. Ao ver que nada disso existia no Brasil, ficou preocupado. “Apresentei a pesquisa à Escola Superior de Guerra. Pude ver como nosso país está longe desta realidade de preparação e sobrevivência por um conceito chamado viés da normalidade (a tendência de acreditar que tudo está bem, porque antes daquele momento quase sempre a situação esteve realmente bem)”, disse.

 

Uso de recursos variados

As primeiras técnicas assimiladas são usadas em todo o curso. Aprende-se a fazer nós em cordas, como amarrar lonas plásticas para fazer coberturas de abrigos, utilização de meios de filtrar e purificar a água da chuva e formas de acender fogueiras usando iscas embebidas em vaselina ou parafina. Com  facas, os alunos cortam estacas, montam tendas e redes para passar a noite. Devem catar lenha molhada e fazer fogo para secar os paus. Plantas que servem de alimento são identificadas e reforçam a alimentação. A água é colhida da chuva acumulada nas lonas e dos cipós corretos.

Uma semana antes do treinamento, Giuliano Toniolo ministrou um preparo intensivo para a apresentadora e aventureira Karina Oliani, de 33 anos, para que ela encare um programa de sobrevivência num canal de TV.  “No curso básico, a pessoa deve estar treinada mental e fisicamente para sobreviver por 72 horas, que é geralmente o tempo em que a maioria dos resgates consegue localizar alguém perdido ou em dificuldades”, afirma Toniolo.

Nos cursos mais avançados, a pressão psicológica é ampliada e os equipamentos permitidos reduzidos ao mínimo para que se tenha condições de aguardar ajuda ou sair dessa situação em períodos prolongados. “As pessoas confundem muito os treinamentos de campo das forças armadas com a sobrevivência. O sobrevivente tenta escapar de uma situação. As forças armadas precisam resistir num cenário de combate, mas uma tropa inteira não vai caçar ou procurar o próprio alimento”, compara.

 

Saiba mais
Vocabulário sobrevivencialista

SHTF – shit hits the fan

do inglês shit hits the fan (quando os excrementos baterem no ventilador). É a caracterização de uma situação de crise em que técnicas, preparação e planos de contingência precisarão ser usados para sobreviver

BOL – bug out location

é um refúgio previamente preparado para os sobrevivencialistas escaparem de suas residências em caso de necessidade

BOB – bug out bag


é a mochila para escapar de um ponto a outro e geralmente contém itens para sobreviver em torno de uma semana

BOV – bug out vehicle


é o veículo de fuga dos sobrevivencialistas, com capacidade para transportar as preparações e fornecer energia, abrigo etc

EDC –  every day carry

equipamentos que a pessoa carrega diariamente consigo ou no transporte

Bushcraft


são técnicas mateiras que possibilitam sobreviver no mato utilizando o que a natureza provém. É quase uma filosofia e não necessariamente todo sobrevivencialista a pratica

Preparador

é aquele tipo de sobrevivencialista que faz estoques em casa e tenta atingir a autossuficiência em sua propriedade


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