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Estado de Minas O DESESPERO DOS SOBREVIVENTES

Enquanto aguarda notícia dos desaparecidos, quem escapou conta como perdeu tudo

Outros lembram que o acidente era uma questão de tempo


postado em 07/11/2015 06:00 / atualizado em 07/11/2015 08:00

Os sobreviventes da tragédia que devastou Bento Rodrigues e atingiu outros seis distritos de Mariana (Paracatu, Águas Claras, Ponte do Gama, Barra Longa, Pedras e Gesteira) calculam, incrédulos, as perdas causadas pela força da onda de lama e destroços que arrasou tudo por onde passou na tarde de quinta-feira. Muitos perderam todos os pertences e só têm a roupa do corpo. Outros viram carros arrastados, as casas completamente destruídas. Muitos, além do prejuízo material, ainda tiveram que lidar com o desaparecimento de familiares. Embora o Corpo de Bombeiros, a Samarco e a Prefeitura de Mariana tenham informado que, oficialmente, há 13 funcionários da empresa de mineração desaparecidos, entre os sobreviventes os relatos dão conta que o número de soterrados pode ser maior.

O EM ouviu histórias sobre pessoas que não conseguiram escapar e ainda estão desparecidas. No pronto-atendimento de Santa Rita, assim como no Hospital em Mariana, moradores de Bento Rodrigues buscavam informações sobre parentes. Na Arena de Mariana, onde foi montado um alojamento para os desabrigados, a movimentação foi grande ontem. Mesmo com colchões espalhados pela quadra, muitos não conseguiram dormir depois do dia tormento. O que dava um pouco de alento a quem perdeu tudo eram os gestos de solidariedade de pessoas que levaram agasalhos, alimentos, água e afeto.

“Foi a noite mais longa da minha vida”, conta o professor de Educação Física Paulo Leandro Freitas Eleutério, 28 anos, que ajudou no resgate dos alunos da Escola Municipal Bento Rodrigues, totalmente soterrada pela lama. Foi a conta da gente escapar. Deixamos a escola e fomos para a parte mais alta. Uns cinco minutos depois ela foi tomada pela lama”. Ele conta que inicialmente ouviu um barulho forte e pensou que fosse um helicóptero sobrevoando a escola. “Mas ele foi aumentando e quando resolvi sair para ver o que era vi a diretora gritando para todo mundo sair e um onda de poeira muito grande e muita lama chegando”. Na hora, segundo ele, havia cerca de 40 alunos, inclusive adultos que participam de um programa de alfabetização. “Foi um desespero. As crianças chorando querendo os pais e a gente gritando e mandando correr”. Paulo foi resgatado hoje de manhã e já está em casa com a família.

O comandante-geral do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, Coronel Gualberto, informou que foram resgatadas cerca de 500 pessoas. Ele admitiu que pode haver moradores desaparecidos - além dos 13 funcionários da Samarco -, mas disse ser prematuro afirmar quantos. Ele informou que corporação está fazendo um levantamento entre os que foram salvos para saber se há desparecidos.

 

‘MINHA MÃE  MACHUCOU  A PERNA’

(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
Na tarde de ontem, a soldadora Giovanna Rodrigues, moradora de Mariana aguardava notícias do filho Tiago Damaceno Santos, de 7 anos. O menino estava com a avó em casa, em Bento Rodrigues, quando a lama atingiu o vilarejo. Além do filho, ela também dividia a atenção com mãe que se feriu. “Minha mãe machucou a perna e foi para o Hospital de Pronto-Socorro João 23, em Belo Horizonte. Falaram que meu filho correu para um lugar mais alto, mas até agora (15 horas depois) não sabemos de nada”, contou Giovanna muito comovida e amparada por amigos, inclusive por um psicólogo voluntário.

‘SE EU TENTASSE  SALVÁ-LA,  MORRERIA’

Vestido de camisa de malha, bermuda e chinelos, Sebastião Felipe dos Santos, de 55 anos, mostrava os arranhões por todo o corpo decorrentes da fuga da onda de lama que tomou conta de todo o distrito de Bento Rodrigues. Ele conseguiu escapar e salvar a irmã Esdra Felipe Ribeiro, de 70. Sem conter a emoção, ele lembrou que a sobrinha do marido da irmã não teve a mesma sorte. De acordo com ele, Maria chegou ao distrito na última quarta-feira para passar alguns dias de descanso. No momento em que a barragem estourou, ela estava pescando em um dos rios que passa pelo distrito. “A avalanche veio de uma vez. Era muita lama. Maria estava do lado de fora pescando. Não tive como fazer nada. Se eu tentasse salvá-la, eu morreria.” Sebastião disse que o filho e o marido de Maria vieram de Contagem para tentar localizá-la, mas até a tarde de ontem, não havia qualquer notícia.

‘ERA A NOSSA FAMÍLIA GRITANDO’

(foto: Rodrigo Melo/EM/D.A Press)
(foto: Rodrigo Melo/EM/D.A Press)
Os primos Jeferson Inácio, de 28 anos, e Altieris Caetano, de 33, lembravam revoltados as dificuldades para salvar familiares e conhecidos no distrito de Bento Rodrigues. “Salvamos umas 12 pessoas, incluindo três crianças. Tivemos que pular no barro e tirar as pessoas de dentro da lama.” Eles se queixaram que a ação da polícia e dos bombeiros para fazer o bloqueio da área quase os impediu de salvar diversas pessoas. “Disseram que iriam nos prender se passássemos. Era a nossa família gritando”, disse Jeferson.

‘FIQUEI MUITO ASSUSTADO COM TUDO’

Solidariedade e dor em todos os cantos. O educador, dono de um brechó na rua Praia do Canela, Geraldo Henrique Silva, prestou suas homenagens às vítimas pendurando um tecido preto com a palavra “luto” em branco. “Presto minha homenagem às pessoas atingidas. Fiquei muito assustado com tudo”, disse Geraldo Henrique, que usou o manequim com a placa da loja para pendurar a faixa.


‘FOI COMO  UM FILME DE TERROR’

“Foi como um filme de terror. Gente gritando, correria”, diz o morador de Bento Rodrigues Marcone de Souza, de 19 anos. Na tarde de ontem, no ponto em que a polícia fez um bloqueio para que as pessoas não ultrapassassem a área atingida pela onda de lama, ele olhava perplexo toda destruição de onde vivia. Desempregado, o jovem não sabe como será o futuro. “Agora é Deus quem sabe. Aqui não dá para ficar mais.”

 

'A GENTE VIA A ÁGUA COBRINDO BENTO'

 

(foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)
(foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)
“Você vai trabalhar no Bento? Cuidado”. Por 10 anos, a secretária da Escola Municipal Bento Rodrigues, Míriam Guimarães, de 35 anos, ouviu o alerta sobre os riscos de uma tragédia atingir o distrito, chamado apenas de Bento por quem mora em Mariana. “Em Bento, sempre teve a notícia que uma hora a barragem poderia estourar”, afirma. E o que era uma fantasma a atormentar moradores e profissionais da escola chegou na tarde de 5 de novembro. A notícia de que a barragem rompera foi dada por Wisley, marido da diretora da Escola, Eliene Geralda dos Santos. “Ele chegou e bateu na porta. Pensei que ele estivesse ali para contar algo ocorrido com o filho deles. Acompanhei a Eliene ao encontro dele, porque fiquei com medo de ela desmaiar. Foi quando ele disse que a barragem tinha estourado.” Atordoadas, Míriam e Eliene avisaram alunos e professores de que era preciso sair com rapidez. Os 45 alunos, com idades entre 12 e 15 anos, e 10 funcionários se dividiram entre o carro e um ônibus. Já distantes da escola, na subida do morro, viram que a lama cobriu toda a escola. “Ouvíamos o barulho da água e a impressão que tínhamos é que estava vindo atrás de nós. A gente olhava para baixo e só via a água cobrindo Bento. Ônibus, caminhões, carros e telhados inteiros eram levados pela lama.” O ônibus seguiria para o distrito de Santa Rita, mas, ao alcançar a ponte de um dos rios que corta o distrito, teve que retornar. A lama havia tomado conta de tudo. Para que os estudantes pudessem se salvar tinham que chegar até o ponto mais alto do vale. Conseguiram ir até a igreja no início do morro, passaram pelo cemitério e foram em direção à mata que fica no topo do vale. Caminharam cerca de 3 quilômetros até o topo. Lá do alto, sem ter como se comunicar , Míriam pensava no marido, Valdinei Carvalho, de 39, e no filho Silas, de 16. “Eu queria dar a notícia de que não tínhamos sido levados embora juntos com a escola.” Quando chegaram ao topo do morro, foram avisados de que poderiam voltar. Parte da turma desceu até a metade do caminho, quando foram alertados de que uma terceira barragem poderia romper. Os alunos e funcionários da escola, com outras pessoas da comunidade, passaram a noite ao relento e com medo de que outra tragédia pudesse abatê-los. “Quando começou a chover, ficamos apreensivos”, lembra. Equipes da Defesa Civil chegaram na madrugada para abrir caminho em meio a lama e destroços. O resgate enfim chegou por volta das 6h, mais de 12 horas depois. Ontem, já em casa, no Bairro São Cristóvão, com o marido e o filho, Míriam tentava entender a noite mais difícil de sua vida?: “Ainda sinto aquele cheiro forte, cheiro de enxofre”.

 

 


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