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Estado de Minas

Álcool e drogas estão matando mais em BH

Número de óbitos causados pelo abuso de álcool e drogas continua crescendo em Belo Horizonte. Capital mineira fica atrás apenas de Fortaleza nesse trágico ranking


postado em 21/07/2014 06:00 / atualizado em 21/07/2014 09:14

Mateus Parreiras e Sandra Kiefer

Quando conheceu o marido, há quase 15 anos, a dentista Luana apaixonou-se pelo homem terno e carinhoso, bom pai, que esporadicamente usava maconha para relaxar. Nos últimos três anos, porém, o fotógrafo free lancer tornou-se viciado em cocaína e se transformou. Separou-se da mulher e da filha de 9 anos e, entre muitas recaídas, pediu perdão à família e se atirou de carro do alto da Serra da Moeda. “Depois que ele morreu, descobri que tem muita gente perto de mim usando drogas. É preciso ficar mais atenta”, lamenta a dentista. Casos como o do fotógrafo, que morreu em decorrência do vício, estão aumentando em Minas Gerais e em Belo Horizonte a cada ano. A capital mineira é considerada desde 2012 como a segunda do país onde mais se perdem vidas para o vício, atrás apenas de Fortaleza.

Em levantamento feito neste ano pelo Estado de Minas (veja a tabela) usando a metodologia da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), com dados do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), BH segue em segundo lugar no quadro nacional de capitais, mas apresentou aumento de 18,6% no número de óbitos motivados por situações em que pessoas abusaram de drogas e álcool, tanto overdoses quanto situações de violência e acidentes que envolveram pessoas entorpecidas. O quadro também é de piora no estado, que apresentou ampliação de mortes de 14,5% no mesmo período. De acordo com a Seds, dois fatores levam o estado a esse mau resultado: a extensa malha viária e o grande número de municípios.

Em 2010, quando a Seds divulgou a taxa de mortalidade por drogas, a razão entre os 15 indicadores de óbitos por abuso de substâncias tóxicas – como cocaína, maconha e álcool –, era de 7 óbitos por grupo de 100 mil habitantes. Dois anos depois, usando os resultados mais recentes de mortes do SUS, de 2012, o índice subiu para 8,3 óbitos por grupo de 100 mil habitantes na capital mineira. Em Minas Gerais, o índice passou de 6,9 para 7,9 mortes. Isso, num cenário em que a Subsecretaria de Estado de Políticas sobre Drogas afirmou ter como meta se aproximar do índice paulistano, que era de 2,2 óbitos em 2012 e que neste ano caiu para 2. Dessa forma, para se aproximar dos dados de São Paulo, a redução deveria ter sido de 218%. Apenas no Rio de Janeiro e em Porto Alegre houve redução dos índices de mortes, respectivamente, da ordem de 30,4% e 24%.

A droga que mais provoca mortes em BH continua sendo o álcool, que em 2010 foi responsável por 92 óbitos, número que saltou para 107 em 2012. Os transtornos mentais e comportamentais por uso de cocaína e seus derivados, como o crack, vêm em segundo lugar, passando de 40 para 50 vítimas na capital mineira no mesmo período.

MUITA OFERTA

Para o psiquiatra Valdir Ribeiro Campos, integrante da Comissão de Controle ao Tabagismo, Álcool e outras drogas da Associação Médica de Minas Gerais, o abuso de qualquer droga está intimamente ligado à grande disponibilidade de oferta. “É preciso, em primeiro lugar, fiscalização. Se a polícia se faz presente em pontos de venda e de consumo de entorpecentes, o uso cai quase que imediatamente. Se o comércio de álcool for regulado e sobretaxado, teremos menos pessoas dispostas a pagar por esse consumo abusivo”, afirma.

Medidas como a proibição de instalação de bares em áreas próximas a estabelecimentos de ensino, por exemplo, também ajudam a inibir a iniciação de jovens e adolescentes no consumo de bebida e de outras drogas. Outro fator que contribui para a ampliação dos índices de abuso dessas substâncias é um lado negativo do aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho. “As mulheres conquistaram espaços que antes eram mais comuns aos homens, e isso se reflete também nos costumes ruins, como beber e se intoxicar. O acúmulo de funções que muitas delas agora têm, cuidando da casa e trabalhando ao mesmo tempo, também gera um alto nível de estresse, que acaba sendo aliviado pelo uso de entorpecentes”, avalia o psiquiatra.

Nos casos de Belo Horizonte e de Minas Gerais, Campos, que tem pesquisas sobre abuso de substâncias lícitas e ilícitas, afirma que a bebida é uma questão cultural e da falta de opções de lazer. “Não temos muitas opções para socialização que não envolvam ir a bares, restaurantes e consumir bebidas alcoólicas. Por isso, faltaria investir em mais atividades e espaços culturais. A não existência ou o abandono de parques e praças, por exemplo, está ligado a um aumento no consumo de drogas.” Ainda segundo Campos, as políticas públicas devem levar em conta que tentar reduzir o consumo do uso de álcool, pode levar ao uso de outras substâncias. Ele lembra que o aumento do preço ou a dificuldade de encontrar uma substância pode levar à utilização de uma diferente, como quem não pode comprar cocaína e passa a usar crack, que é mais barato e devastador.


Da desconfiança ao flagrante

Foi depois que o marido fotógrafo passou a ter rompantes de raiva, a brigar sem motivo, a ficar na rua até tarde da noite que a dentista Luana começou a desconfiar que algo estava errado. Em princípio, ela suspeitou de traição. Ao remexer as roupas do marido, buscando provas do relacionamento extraconjugal, acabou encontrando algo que nunca havia imaginado. “No bolso da calça dele, havia um pó branco. Demorei a perceber que era cocaína. Ele vivia criticando um amigo que era viciado em pó, mas estava apenas me despistando”, conta.

Ao confrontar o marido, o fotógrafo negou, dizendo ter sido usado pelo tal amigo para comprar drogas. No segundo flagrante, porém, Luana não teve dúvidas. Sem admitir o uso da substância química, ele saiu de casa, separou-se da mulher e foi morar com a mãe. Pouco tempo depois, começou a sofrer alucinações. Foi diagnosticado com esquizofrenia desencadeada pela dependência química. “Era muito triste. Ele cismou que era perseguido por desconhecidos. Chegou a desmontar o celular, tentando encontrar uma escuta telefônica inexistente”, lembra.

Em agosto, faz um ano que o fotógrafo entrou no carro, tirou do porta-malas a câmera fotográfica (da qual nunca se separava) e se jogou do alto da Serra da Moeda, segundo relato de uma testemunha. Luana diz que a morte do marido mostrou que muita gente faz uso de drogas, sem que os outros percebam o que está acontecendo.

Governo de Minas diz que unidades de abordagem social aos dependentes estão sendo ampliadas (foto: Tulio Santos/EM DA Press)
Governo de Minas diz que unidades de abordagem social aos dependentes estão sendo ampliadas (foto: Tulio Santos/EM DA Press)
Guerra difícil de vencer

A extensa malha rodoviária e o grande número de municípios são particularidades que tornam o combate ao uso e abuso de drogas ainda mais complexo em Minas Gerais, de acordo com a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds). A secretaria afirma que o controle das taxas de mortes por uso de drogas é uma preocupação do governo estadual e que incluiu metas de redução dos índices de mortalidade no Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (PMDI). A meta estipulada é que, em 2022, a taxa chegue a 3,5 óbitos por 100.000 habitantes e, em 2030, caia para 2,8 mortes por 100.000 habitantes.

“Para isso, estão sendo feitos investimentos em diversas frentes relacionadas à política sobre drogas, desde a repressão ao tráfico, por parte das forças policiais, até o tratamento dos dependentes”, informou a Seds por meio de nota. Mesmo sem o número oficial de óbitos do Sistema Único de Saúde (SUS) de 2013, baseando-se em dados preliminares, a Seds afirma que a taxa de mortalidade por uso de drogas em 2013 foi de 6,2 óbitos por 100 mil habitantes. “Isso significa uma redução de 21,5% em relação a 2012 e de mais de 10% em relação a 2010”, informou.

A Seds destaca ter destinado recursos financeiros aos setores de prevenção e tratamento de drogas. Segundo a pasta, em 2013 e 2014 a Subsecretaria de Políticas Sobre Drogas investiu R$ 21 milhões no acolhimento e tratamento de dependentes. O número de vagas para tratamento ofertadas em comunidades terapêuticas parceiras passou de 1.643 em 2012 para 1.764 em 2013, aumento de 7.3%. Ainda foram abertas 510 vagas mensais em parceria com a Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad).

ACOLHIMENTO
A Seds diz que o Centro de Referência em Álcool e Outras Drogas (Cread) atendeu 182.564 pessoas entre janeiro de 2013 e junho de 2014. Os leitos hospitalares foram ampliados e também foram abertos serviços de assistência e saúde, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e a implantação de unidades de abordagem social que fazem atendimentos nas ruas. Quanto aos novos serviços de assistência e saúde, leitos hospitalares, Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), consultórios de rua e outras iniciativas pactuadas com o governo federal, foram destinados R$ 470 milhões para ações que estão em execução pelos municípios, responsáveis pela gestão dos serviços.


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