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Estado de Minas

Estratégia da BHTrans se choca com incentivo nacional à indústria automobilística

Empresa que gerencia o transporte na capital quer reduzir espaço para carros particulares


postado em 09/11/2013 06:00 / atualizado em 09/11/2013 07:05

Enquanto a BHTrans anuncia medidas para restringir o espaço para carros particulares em Belo Horizonte, nas ruas e avenidas da capital eles são cada vez mais numerosos e crescem em velocidade maior que a população, o que revela o desafio que a administração municipal tem pela frente. Todos os dias, em média 183 novos automóveis começam a circular pela cidade, de acordo com o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). No último ano, o número de veículos de passeio aumentou em 66.967 unidades. É como se cada família da Região Centro-Sul da capital colocasse mais um carro na garagem. Com isso, a frota passou de 1.270.388, em setembro de 2012, para 1.276.797 em setembro deste ano, um crescimento de 5,5%. Nesse mesmo período, o número de habitantes subiu em 3,4%.

Cercados de carros por todos os lados: coletivos vão ganhar prioridade nas ruas de BH, mas estudiosos advertem que só eles não vão dar conta da demanda(foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press)
Cercados de carros por todos os lados: coletivos vão ganhar prioridade nas ruas de BH, mas estudiosos advertem que só eles não vão dar conta da demanda (foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press)
E a facilidade para compra de carros no país, que ajuda a explicar a expansão da frota, deve continuar. Apesar do fim da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), marcado para 31 de dezembro, o Ministério da Fazenda já anunciou que a taxa não subirá integralmente. Na contramão dessa política, em Belo Horizonte o espaço para os veículos deve diminuir ainda mais com o alargamento de calçadas, fechamento de quarteirões, criação de 100 quilômetros de faixas exclusivas para ônibus e ampliação de ciclovias a partir do segundo semestre do ano que vem. Essa é a aposta da BHTrans para solucionar os problemas do trânsito.

Especialistas concordam que privilegiar o transporte público é a única forma de impedir que a parcela da população não adepta do serviço coletivo – hoje estimada em 46% – cresça assustadoramente nos próximos anos, fazendo com que as retenções tripliquem pelas ruas da cidade em apenas uma década. Mas, segundo fontes ouvidas pelo Estado de Minas, as ações anunciadas pela Diretoria de Planejamento da BHTrans não serão suficientes para convencer os belo-horizontinos a alterar sua forma de deslocamento. “O transporte público tem que ser confiável, cumprir horários. Todos os aspectos de qualidade, como tarifa baixa e conforto, são importantes. Ao lado das medidas de infraestrutura, a BHTrans tem que introduzir o controle operacional. No dia em que isso acontecer, haverá ganhos de deslocamento de ônibus e não de automóvel”, afirma o especialista em transportes urbanos e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Ronaldo Guimarães Gouvêa.

Contradição O engenheiro civil e mestre na área de transportes Silvestre de Andrade Puty Filho diz que a principal contradição está na oposição entre as políticas de mobilidade urbana do governo federal e da prefeitura: enquanto o país investe na indústria automobilística, a administração municipal programa medidas que buscam espremer os automóveis como forma de empurrar seus condutores para o transporte coletivo. O especialista destaca que o reflexo da cultura do automóvel se revela em congestionamentos intermináveis pela capital, onde a média é de duas pessoas para cada veículo e caminha para uma, em 2020.

O primeiro passo para diminuir os gargalos no trânsito, para o especialista, é diferenciar a posse do uso: “As duas coisas devem ser distintas. Nos Estados Unidos e Europa, a taxa de motorização é alta, como em São Paulo e em Belo Horizonte. Mas lá o uso do carro particular é baixo. Temos que entender que o uso não é irrestrito, permitido a qualquer hora e momento. Há um ônus, gera mais congestionamento, poluição, atrasos”. Ele não hesita em afirmar que o carro é o grande responsável pelo caos no trânsito de BH. Mas, para que o quadro seja alterado, Silvestre de Andrade afirma que o sistema coletivo tem que estar à “disposição para o uso, com o mínimo de esforço e custo”.

Quem fica parado por horas nas principais avenidas da cidade e sente na pele os transtornos de sair de carro, representados por problemas como a falta de vagas de estacionamento, optaria facilmente pelos ônibus ou pelo metrô. Mas os entrevistados pelo EM foram unânimes em impor uma condição: só fariam essa troca se o transporte coletivo fosse de qualidade. É o caso do engenheiro Rogério Reis, de 65 anos, que usa o automóvel para chegar ao trabalho, na Savassi, todos os dias. “Do jeito que está, prefiro andar a pé. Se tivesse segurança e não houvesse superlotação, as pessoas iriam preferir os coletivos. Quando vou a Nova York e Paris, só ando de metrô, nada de carro ou táxi”, afirma. Já o advogado Pablo Valença, de 34, faz uma comparação com a capital da Bahia, de onde veio há seis anos: “Em Salvador, os ônibus têm ar-condicionado e vias exclusivas para eles. Hoje, eu não trocaria meu carro pelo ônibus aqui em BH. Prefiro ficar parado no meu carro a ficar em pé no ônibus”, reclama. O professor universitário Ivan Beck, de 54, se arrisca a dizer que o problema está na falta de planejamento em relação a oferta e demanda. Há dois meses, ele teve que vender o carro e passou a fazer o trajeto de casa, no Bairro Cruzeiro, Região Centro-Sul, ao trabalho, na Pampulha, de ônibus. “Os responsáveis não entendem a demanda de quem tem que se deslocar para trabalhar. O coletivo traz economia, não há gasto com seguro, gasolina e manutenção. Mas está ruim”, avalia.

Estratégias

 

Em entrevista ao EM, o diretor de Planejamento da BHTrans, Célio Freitas, informou que pesquisas mostram que, se um transporte coletivo rápido for oferecido, as pessoas deixariam seus carros na garagem. É o argumento para investir em uma rede classificada como de alta capacidade, que engloba BRT, ônibus e metrô. “Com as faixas exclusivas, vamos conseguir aumentar a velocidade desses ônibus. Também vamos melhorar a qualidade dos pontos e dos veículos, é um programa completo”, argumenta.

Porém, estudiosos como o doutor em engenharia de transporte e professor da UFMG Nilson Tadeu Ramos Nunes alertam que é preciso mais. Ele chama a atenção para a falta de um plano metropolitano nos últimos 25 anos que privilegiasse uma rede abrangente de transporte público de alta capacidade, como metrô e trens: “Não dá para atender toda a demanda com o ônibus. O BRT já vai começar com capacidade saturada. É preciso investir em meios diferenciados. Senão, as vias vão continuar entupidas”. (Colaborou Flávia Ayer)


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