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Estado de Minas

Rua cheia de graça e balanço em BH leva nome de música ícone da Bossa Nova

Garota de Ipanema fica no Bairro Etelvina Carneiro


postado em 19/10/2013 06:00 / atualizado em 19/10/2013 08:33

Cães sem dono passeiam ociosamente, olham em volta sem temor, baixam o focinho para examinar algum cheiro mais peculiar. Os pássaros voam de uma árvore a outra, trinam sem precisar competir com buzinas ou roncos de motor. Poucos carros e motos passam por ali. Duas crianças conversam e brincam, sentadas no meio-fio. Dependurados nos cabos da rede elétrica, há restos esfarrapados e coloridos de pipas. É verdade que o mar fica a centenas de quilômetros da Rua Garota de Ipanema, no Bairro Etelvina Carneiro, Região Norte de Belo Horizonte. Mas a tranquilidade da via tem algo do clima relaxado da música que lhe emprestou o nome, composta por Vinicius de Moraes e Tom Jobim.

No calçamento, com poucos trechos asfaltados, manchas verdes de mato brotam entre os paralelepípedos. A rua tem três quarteirões, 600 metros e costuma dormir cedo. Quase toda ladeada por casas, algumas com jardim, tem apenas dois estabelecimentos comerciais, bares-mercearias, que raramente passam das 23h. Um deles pertence há 30 anos à viúva Zilma Vieira da Rocha, de 62. Ela era presidente da associação de moradores quando o logradouro, que se chamava apenas “E”, foi rebatizado com o título da famosa canção, uma das mais gravadas da história. “No ano (1994) em que Tom Jobim morreu, quisemos homenageá-lo e procuramos a prefeitura. Essa era a música de que eu mais gostava. Como era muito conhecida, seria fácil lembrar o nome da rua”, explica.

A homenagem se estendeu a outras vias. Em seu trajeto, a Garota de Ipanema corta as ruas Samba do Avião e Teresa da Praia, terminando ao se encontrar com a Águas de Março. Além disso, é vizinha das Passarim e Meditação. Todos os nomes são títulos de músicas de Tom Jobim, que, em Teresa da Praia e Meditação, teve Billy Blanco e Newton Mendonça como parceiros, respectivamente. O maestro, como era respeitosamente chamado, foi o principal companheiro musical de Vinicius de Moraes, que completaria hoje 100 anos. A prolífica dupla compôs seu mais cultuado clássico em 1962, inspirada pela visão da jovem Helô Pinheiro, que exibia beleza e charme ao caminhar rumo à praia.

BOSSA NOVA “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça./É ela menina, que vem e que passa, num doce balanço a caminho do mar”, louvam alguns versos da canção. É óbvio que, na rua belo-horizontina, não dá para respirar a brisa marinha que sopra da costa carioca, mas será que existe ali alguma moça que faça o mundo inteirinho se encher de graça e ficar mais lindo? Quando a rua ganhou o nome célebre, o pessoal brincava dizendo que a garota de Ipanema era Wilsa Saccheto, que já se aposentou e tem 82 anos. “Quando moça, eu era muito bonita. E muito namoradeira”, lembra ela, cujos cabelos, outrora loiros, ainda conservam um tom levemente amarelado. As pupilas castanhas são rodeadas por um fino anel azul-claro. Na tarde de ontem, as unhas das mãos e pés estavam pintadas de rosa.

Com o tempo, Wilsa passou seu título para a neta, Natália Saccheto, de 17. “Conheço a canção, é legal. Não curto muito esse estilo de música. Gosto mais de rock clássico, tipo Scorpions, Queen”, diz a estudante do 2º ano do ensino médio. A moça acredita que a rua tem um pouco da atmosfera sugerida pela composição da Bossa Nova. “A rua mais bonita do bairro é a nossa, que tem mais árvores, mais natureza. Aqui é muito tranquilo”, descreve. Com um sorriso iluminado e longos cabelos cacheados, ela costuma atrair os olhares de outros jovens. “Toda hora falam algum coisa, não aguento mais. No colégio, no curso de inglês, na academia”, conta. Ela reclama de algumas cantadas grosseiras: “Tinha que ter mais romantismo. Acho que nasci na época errada”.

Na tarde de ontem, quando avó e neta andavam de braços dados, alguém gritou: “Agora a rua ficou bonita!”. Era Francisco Santos, de 59 anos, dono há 14 do outro bar-mercearia na Garota de Ipanema. “Conheço a música. Os moradores daqui são maravilhosos. A rua sempre teve mulher bonita, mas a gente não olha muito isso. Cada uma tem sua qualidade. Às vezes, é feia por fora, mas linda por dentro. É como diz o ditado: beleza não põe mesa”, ressalta. Apesar de louvar os atributos das vizinhas, ele acha que a via não honra o nome que tem. “É muito sossegada, mas é muito feia para um nome tão bonito. Está cheia de buracos, tinha que ser asfaltada”, queixa-se

Quando a rua foi batizada com o notável título, nem todos os moradores gostaram. A mulher de Francisco, a auxiliar de serviços gerais Divina de Souza Oliveira, de 58 anos, foi uma dos que desaprovaram. Na época, ela e outros vizinhos votaram para que a via se chamasse Alecrim do Campo. “Teve uma disputa. Eu queria nome de flor”, recorda, e constata: “A música é linda, mas não combina com o lugar. Aqui está muito mais para área rural do que para mar”.

(foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)
(foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)

“A rua mais bonita do bairro é a nossa, que tem mais árvores, mais natureza. Aqui é muito tranquilo

Natália Saccheto, estudante, ao lado da avó Wilsa Saccheto



GAROTA DE IPANEMA

“…Moça do corpo dourado
Do sol de ipanema
O seu balançado é mais que um poema
É a coisa mais linda que eu já vi passar…”


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