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Estado de Minas

Conheça jovens mineiras de responsabilidade


postado em 13/10/2013 00:12 / atualizado em 13/10/2013 07:39

Jefferson da Fonseca Coutinho

 

Carinho em dois momentos: obrigações não ofuscam a ternura de Gabriela, seja com a avó ou com o gato, que vive pedindo atenção.
Carinho em dois momentos: obrigações não ofuscam a ternura de Gabriela, seja com a avó ou com o gato, que vive pedindo atenção. "Minha mãe é um exemplo para mim" (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

Entre as jovens de responsabilidade, ajudar a mãe e toda a família é prioridade e lição para toda a vida. Na cozinha ou na lida com os irmãos menores, são duas mãozinhas a mais pelo bem comum da família. Na Região da Pampulha, a caçula se fez esteio para não deixar a avó, os irmãos e a mãe, viúva aos 29 anos, sucumbirem. Estudiosa, exemplo de esperança e delicadeza, a garota de 13 anos é alegria e força para a família reunida, enquanto especialistas chamam a atenção para as diferenças entre o que é aprendizado e o que é obrigação.

União para superar a ausência

O gato de olhos azuis, sem nome, cobra carinho da entrevistada. Na varanda do imóvel em reforma, ela se divide em atenção. No ano em que nasceu, Gabriela da Penha Bonaldi Simões, hoje com 13 anos, perdeu o pai e o avô. Em 2000, o endereço de tantas alegrias no Bairro Céu Azul, na Região da Pampulha, amargou o mais triste Natal de todos, com duas viúvas, filhos e netos unidos na saudade. De colo, Gabriela não podia saber a dimensão daquele drama. Menos ainda da força da mãe, Rita de Cássia Bonaldi Simões, na época com 29 anos, e três filhos para dar conta.

Maria da Penha Bravim Bonaldi, a avó viúva, segurou os filhos e netos pela mão para seguir em frente. Rita, a jovem viúva dona de casa, para não deixar faltar nada para os três dependentes – Bárbara, Rafael e Gabriela –, foi à luta como diarista de semana inteira, com raras folgas aos domingos. A pequena Gabriela cresceu testemunha da coragem e do exemplo das duas adultas batalhadoras da casa.

Hoje é ela, quando não está na escola, que faz companhia para a avó, Maria da Penha, aos 70, cadeirante, com artrite. A menina também aprendeu cedo a lidar com os afazeres domésticos, ajudando Bárbara, a irmã mais velha, a assumir o lar para a mãe cuidar das casas dos outros. E a infância, Gabriela? “Foi boa. Sem muita tecnologia, brincando um pouco com as vizinhas e ajudando na casa, com as roupas e com a comida”, conta, enquanto o gato carente cobra mais um chamego.

Gabriela não reclama. “Sempre tive espaço para a minha infância. Tenho os meus momentos de criança, mas todo mundo precisa de responsabilidades”, garante. A estudante vê nas tarefas que exigem cuidado o aprendizado para a vida, como o respeito aos mais velhos. Em casa, diz aprender a responder pelos próprios atos. “Tenho que entender sobre responsabilidade, porque se não a tiver agora, não vou ter nunca”, considera.

A rotina diária começa cedo, às 5h50. Vaidosa, gosta de combinar roupas e manter unhas e o belo cabelo longo bem cuidados. “Não me vejo desleixada. Só no sábado. Pego um livro, fico deitada no sofá e me permito um pouco de folga.” A avó, junto à mesa, orgulhosa, gosta de ver Gabriela falar com a desenvoltura de gente grande. “Já a minha mãe não tem folga para ela. Além de precisar trabalhar por causa dos três filhos, acho que ela ocupa o tempo para não sofrer. Ela transforma toda a dor em paz, amor e paciência. É um exemplo para mim”, emociona-se.

Comovida, Maria da Penha reforça o depoimento da neta: “A mãe dela não teve tempo para entrar na depressão. Apegou-se ao trabalho e à dedicação para sobreviver. Foi uma tristeza muito grande aquele ano para a nossa família. Depois de enterrar o meu marido, meu genro disse: ‘Não quero voltar aqui tão cedo’. Dois meses depois, ele se foi”, diz, antes do silêncio pelo nó na garganta. O gato aproveita a pausa na conversa para ganhar o colo de Gabriela.

Dona Maria retoma a conversa: “Tem muita mãe que acha que os filhos não podem fazer nada. Um pouco de obrigação e responsabilidade não faz mal a ninguém. É importante que a pessoa desde cedo tenha o que fazer. Criei cinco filhos e três netos com carinho e compromisso e ninguém foi pelo caminho errado”, orgulha-se. Diz-se severa e carinhosa. Gabriela confirma o que diz a avó, que já foi faxineira, lavadeira e babá. “Na roça, trabalhei desde pequena. Só não peguei no machado porque não dava conta”, diz.

No jardim da casa no Bairro Céu Azul, a roseira exuberante é paisagem, com 22 rosas vermelhas num único galho. Gabriela, como quem retribui afeto, coloca a linha na agulha de costura para a avó. As unhas azuis, o brinco em flor e o batom de cor viva dão ainda mais beleza à moça de responsabilidades. O gato velho, visitante, há sete meses na casa dos Bonaldis, não dá sinais de que vai partir. “Enquanto ele quiser ficar, ele pode ficar”, diz Gabriela, sempre pronta para cuidar de quem precisa.

Aprendizado sem obrigação


Duas mulheres crescidas, mães, estudiosas da psicanálise e da psicoterapia, abordam de maneira cuidadosa a execução de tarefas por crianças e adolescentes em família. Paula de Souza Birchal e Patrícia Gomide entendem a importância da compreensão dos deveres ainda na infância, mas chamam a atenção para o respeito aos tempos e aos limites do indivíduo. Ambas, atentas aos abusos, criticam o que se torna trabalho forçado, justificado com qualquer tipo de troca.

“No Brasil, infelizmente, ainda existe essa ideia do serviçal. É um limiar muito difícil. Uma coisa são os abusos, o trabalho doméstico como uma obrigação penosa para a criança. Outra coisa é a tarefa que educa, que ajuda a preparar para a vida. Obrigação enquanto trabalho, com pagamento, é que não pode”, considera Paula, professora da Faculdade de Psicologia da PUC Minas.

Patrícia Gomide não tem dúvida quanto ao maior amadurecimento das meninas do que dos meninos. Assunto antigo, ainda mais evidente com o sucesso profissional delas no século 21. “As mulheres estão trabalhando cada vez mais. Estão no mercado e muitas filhas estão assumindo responsabilidades da casa, tendo, como sempre, a mãe como modelo.”

Para a psicoterapeuta, a figura masculina ainda não acordou para os novos tempos. “O homem se mostra muito assustado e, ainda, despreparado com essa nova mulher, que continua pensando em casamento, mas com responsabilidade compartilhada. Um novo modelo de parceria. Há um conflito enorme nessa diferença, porque temos meninas que pensam em doutorado antes dos 30 e rapazes no videogame com quase 40.”

Paula Birchal acredita que a noção de responsabilidade na infância é positiva e ajuda nos desafios da fase adulta. “É muito melhor a relação de compromisso com tarefas, em família, do que muitas das obrigações às quais estão expostas as crianças nas ruas”, avalia. A doutora destaca o que há de natural no aprendizado: “Se a criança não tem essa construção de um hábito, como depois eu quero que ela tenha noção de regras, de responsabilidades?”.

Na brincadeira de casinha, por exemplo, a criança trata de um recorte da vida adulta, cuidando do lar, cozinhando… é lúdico, mas é um pedaço do cotidiano da família”, emenda. Para Paula, a criança precisa estar inserida desde pequena ao que é da funcionalidade da vida doméstica. “Desde que com cuidado, com respeito aos limites e ao tempo da criança.”

DIVISÃO Patrícia Gomide comenta as duas realidades que retratam parte do universo das meninas-mulheres brasileiras. “Como efeito do amadurecimento das meninas em famílias de recursos, temos a maternidade tardia. Temos moças que emendam a graduação ao mestrado e ao doutorado. Já entre os de pouco estudo e recursos, na falta de estrutura familiar, é comum ver adolescentes grávidas, que não conseguem chegar à universidade.”

De acordo com Patrícia, o modelo está dentro de casa. Se pai e mãe não trabalham, se não têm iniciativas, responsabilidades profissionais, se não conseguem se apegar aos compromissos, comumente os filhos enfrentam dificuldades para se inserir no mercado de trabalho. Cabe, então, aos meninos e às meninas dar novo rumo ao que não parece dar certo.a


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