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Estado de Minas

Troca de turno: quando chega a tarde na Praça da Liberdade

O ambiente muda quando fica tarde: ciclistas, estudantes e outras tribos dividem espaço


postado em 07/04/2013 00:12 / atualizado em 07/04/2013 07:56

Durante a tarde a Praça é tomada pelos jovens para encontros, brincadeiras e namoros(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Durante a tarde a Praça é tomada pelos jovens para encontros, brincadeiras e namoros (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

O movimento das nuvens revela novo ato na arena Liberdade. Vão-se os mais velhos, os estudantes práticos a céu aberto e as crianças. Aconchegam-se nos bancos trabalhadores para a hora da sesta e, em gramados e calçadas, os adolescentes amigos para a tarde de encontros. Em número menor do que na parte da manhã, atletas amadores ainda trocam os pés na pista. No espaço de liberdade, alheias aos olhares miúdos do preconceito, as mocinhas namoradas cruzam a alameda de mãos dadas. Olham-se em encantos. Escolhem o banco de costas para a alameda e lançam mãos nos cabelos. Nada de beijos. Sorrisos cúmplices apenas no silêncio dos carinhos.

Meninos e meninas, não menos enamorados, não deixam por menos. Uniformizados, beijam com a sede dos primeiros dias. Os adultos cochilam. A diversidade cultural do lugar é o que mais chama a atenção do policial militar de plantão pela “operação visibilidade”. Ônibus especiais com visitantes atraídos pelo circuito cultural ocupam uma das vias laterais da praça. Crianças e cachorros, vez por outra, cruzam a cena em família. Donos da cena, aos pés das palmeiras, são os adolescentes de escola estadual com pequena orquestra de violões. Descolados e amigos mandam ver repertório eclético do erudito ao popular.

Dois garotos, de no máximo 12 anos, correm na grama. “A mulher tava pisando, por que eu não posso passar?”, desafia o outro, que responde: “Faz isso não, sô. Cê vai sobrar… ó o guardinha lá”, aponta. A cuidadora de idosos acompanha o patrão cadeirante. Outros dois moradores de rua, no gargarejo, fazem uso do bebedouro contra o calor e pela higiene da hora. Atrás da árvore, em pose para as lentes da dupla fotógrafa e cinegrafista, a debutante Karine Caroline, de 15. Vestida de branco, a estudante realiza o sonho antigo dos pais.

A mãe, Alessandra Almeida, de 32, conta que o álbum feito na Praça da Liberdade era a vontade do pai, Paulo Henrique, morto aos 23 anos. Karine, pequenininha, tinha 3 anos. Doze anos depois, a dona de casa se emociona ao ver a filha, especialmente bela, feliz para os cliques de Dayane Rodrigues, de 18, assistida por Gabriela Elias, de 21. Para o duo profissional de imagens, a Praça da Liberdade é um dos cenários naturais mais belos de Minas. O coreto é o que mais chama a atenção de Dayane. Já Gabriela mostra-se encantada pelas palmeiras-imperiais.

Cinco skatistas se apropriam de parte da calçada para o ensaio de manobras. Tomam impulso e rodopiam para lançar os skates ao alto, atraindo os olhares dos passantes. No banco junto às azaleias, casal adulto, lado a lado, dedilha os celulares. O homem e a mulher navegam em silêncio, absortos. Ele vê vídeo de futebol. Ela, de unhas vermelhas, rola imagens na tela de rede social. Tempos depois, levantam-se e vão embora abraçados. O militar de bicicleta reforça o patrulhamento. Do lado de dentro do coreto, protegidos por cerca de tela e lona preta, operários tentam dar conta da obra.

Do outro lado do Xodó, fast food cinquentenário de Belo Horizonte, publicidade no poste vende “amarração para o amor” e “vidência por foto”. Perto dali, o totem espelhado de gosto duvidoso conta os dias para a Copa do Mundo. O que a senhora acha dessa obra? “Isso é feio demais. Nossa! Não combina”, diz a costureira Maria Helena, de 43, de passagem para consulta médica. O vendedor ambulante, figuraça, manobra sua “ferrari, carregada de picolés. Uma caixa extravagante, vermelha e amarela, sobre rodas, que chega a espelhar de tão bem lustrada.

SAMBA E TROCADOS Tem samba na praça. Dueto feminino afinado faz o pandeiro cantar Clara Nunes. “Negro entoou um canto de revolta pelos ares no Quilombo dos Palmares onde se refugiou”. Welington Pereira Rodrigues, de 32, vindo da Bahia, pede trocados. “É para comprar um prato de comida, moço. A fome tá brava…”. Na mão calejada, estendida, R$ 2,25 em moedas. Ganha mais R$ 5 e agradece. No bolso, remédio: ibuprofeno para os dentes grandes, “trincando de dor”.

O pandeiro não pára. As duas sambistas agora entoam canção inédita, feita pela cabeleireira Suzi Castro, de 45. A artista amadora sonha gravar em CD autoral. “Posso dar o meu telefone de contato?”. Claro. (31) 9401-8265. Taí. Ana Beatriz, ativista e parceira de Suzi, é coordenadora do projeto “coletivo negro”, no Aglomerado da Serra.

IMAGENS CAPTURADAS COM TELEFONE CELULAR
As fotos para esta reportagem foram feitas com celular. Foram 18 horas de registros, em dinâmica distinta da habitual, com câmeras profissionais. Mais experimental, o trabalho incluiu teste de cores, foco seletivo e uso de filtros oferecidos pelos aplicativos. A leveza do aparelho proporciona liberdade no ato de fotografar e permite exercitar o olhar, buscar luzes diferentes. Há preocupações adicionais, como atentar para a bateria do celular, que descarrega rapidamente. “Não é a tecnologia que determina a qualidade da foto, e sim o olhar”, diz o fotógrafo Alexandre Guzanshe.

LIMPEZA NOS BASTIDORES
A turma da limpeza também é destaque na Praça da Liberdade. Todos os dias, das 6h às 23h, quatro zeladores se revezam para conservar o lugar. Mário, de 21, feliz da vida com o ofício, exibe a vassoura feita por ele com tubo de PVC e folhas secas de palmeira. Estacionadas, lado a lado, as três vassouras na alameda sugerem Macbeth, de William Shakespeare (1564-1616). Nada trágico, porém. Policiais militares e guardas municipais fazem plantão permanente para tentar manter a ordem na arena.

 

JOGOS E BEIJOS

 

Casal namora em um dos bancos da praça(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Casal namora em um dos bancos da praça (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Algazarra para plateias no miolo da praça. Grupo de adolescentes faz uso de garrafa para jogo da verdade. Como resultado, beijaços entre meninos e meninos e meninas e meninas. O povo para para ver. Os passantes mais discretos não mudam o rumo. Ainda assim, mostram-se ligados. A dona de lenço colorido na cabeça não deixa de comentar com a amiga loura: “O pai e a mãe nem tomam conhecimento”. Para Ricardo Saraiva, de 34 anos, 16 tatuagens espalhadas pelo corpo, são episódios assim, “de liberdade”, que o trazem à praça. “Quando estou estressado venho para cá”, diz o analista de sistemas e professor de muay thai.

Com o cair da noite, jovens escritores e poetas ofertam suas obras. A turma do jogo da verdade já deixou a arena. O azul do céu escurece rápido e transforma a estação. Mal iluminada, a praça parece outra. Luzes laterais, projetadas pelos automóveis do entorno, riscam o quarteirão. No escurinho, os namorados se lançam à vontade. Duas meninas fazem dançar os cabelos e as mãos soltas no banco de madeira.

Novos atletas, papais e crianças voltam à arena. Adultos, estudantes apressados, cortam a praça em direção às muitas faculdades da região. O termômetro marca 26 graus e os carros, como às 8h, voltam a tumultuar o tráfego. Em treino, praticantes de parkour, atividade que consiste em mover-se de um ponto a outro usando as habilidades do corpo, saltam desafios e impõem presença no espaço público.

Outro engenheiro, Leonardo Rodrigues, de 30, é um dos 64 ciclistas do movimento Rolé Urbano de Terças (Ruts), reunidos próximo ao coreto para passeio de 18 quilômetros. “Nossa filosofia é usar o movimento Ruts para educar o trânsito”, explica. O relógio feito arte por números enviados por pessoas ao redor do mundo, curioso, destaca prédio do complexo. Chuvinha fria, noite quente. Os balaços continuam livres e soltos. Já são poucos os personagens na arena. Beira meia-noite. Do outro lado da rua, sob a marquise do Memorial de Minas Gerais, o casal evangélico prega salmo de Davi para três moradores de rua. “Livra-me do homem violento. Senhor Deus, fortaleça a minha oração”, lê o homem de voz calma. Não muito longe dali, os catadores de latinhas Rosãngela e Luiz Célio retornam à praça para a madrugada de descanso. Ao lado, o fiel escudeiro Duke, o cão. Cai o pano.

 


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